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Artigos

 
  • Os tambores tocam por Josué

    Os temores do Acadêmico Josué Montello não se confirmaram. Na última visita que fez à Casa de Machado de Assis, sentado na clássica poltrona do salão nobre, chamou-me para perto e disse uma frase que jamais saiu do meu pensamento: "Arnaldo, você é como meu filho. Não deixe que eu seja esquecido". Josué foi um dos nossos mais férteis autores, com livros de grande repercussão, como é o caso do seu famoso Os tambores de São Luís. Uma particularidade pouco explorada na saga de Josué Montello: foi autor também de preciosas obras infantis, primeiro na coleção O tico-tico, depois em trabalhos avulsos, como o que editamos sob o título A formiguinha que queria ser bailarina. Um sucesso, em todos os sentidos. Falecido aos 88 anos de idade, Montello foi uma das mais prodigiosas memórias entre os nossos imortais. Lembrava-se de datas, fatos e biografias como ninguém. Nas sessões da ABL, sempre tinha uma palavra de lembrança carinhosa dos acadêmicos. Tivemos cerca de 50 anos de convívio, incluídos os tempos gloriosos da revista Manchete. Josué era uma visita semanal, sempre bem-vinda, com sugestões de reportagens que eram normalmente acolhidas pela direção.

  • O Dr. Alceu, a abadessa e a posteridade

    Faleceu em 1º de julho a madre abadessa Maria Teresa, da Ordem de São Bento, filha de Alceu Amoroso Lima. Não temos, talvez, na nossa história contemporânea, diálogo cultural entre duas gerações que nos tenha permitido o dia a dia único, por mais de meio século, do primeiro dos católicos brasileiros. A interlocução com a abadessa, na multiplicidade das anotações recíprocas, garante-nos, hoje, a reconstrução do pensamento de Tristão, na conversa diária com Lia, a sua Tuca. Dá-nos, na sua vastidão, a perplexidade e a coragem, ao mesmo tempo, com que se interroga sob os seus deveres da militância da fé, em todo esse longuíssimo périplo.Desde a conversão, por Dom Leme, na sequência da correspondência com Jackson de Figueiredo, em 1928, até se ter transformado no primeiro dos combatentes, pela imprensa, contra o governo militar.

  • Crime hediondo

    A boa notícia para o ex-ministro Luiz Gushiken, que foi retirado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, do rol dos acusados pelo mensalão, é uma má notícia para José Dirceu, outro ex-ministro de Lula, confirmado como "chefe da quadrilha" montada a partir do Palácio do Planalto para comprar apoio político no Congresso.

  • Processo pervertido

    As recorrentes crises políticas que temos vivido, com escândalos e denúncias de corrupção em vários escalões do governo, antes de ser uma condenação definitiva do sistema de coalizão partidária que adotamos, é a demonstração de que houve uma "depravação do processo", na análise do cientista político Sérgio Abranches. Em um estudo de 1988, ele cunhou a definição de "presidencialismo de coalizão" para nosso sistema de governo.

  • Deve ser tudo para nosso bem

    As notícias voam por todos os lados e, como é natural, em torno delas adejam boatos, interpretações e ações, estas às vezes bastante inesperadas, ou pelo menos surpreendentes. Obtive entrevista exclusiva com Zecamunista, na qual surgiram diversas revelações que talvez não tenham chegado a vocês. Zeca só sai da ilha para suas turnês de alto carteado, mas é muito bem informado e tem acesso a fontes reservadíssimas. Achei-o no bar de Espanha, encerrando uma pequena alocução sobre o tema "vergonha na cara".

  • O hífen nas formas reduzidas

    Um colega, leitor desta coluna, nos enviou a seguinte pergunta: "Em conformidade com a lição expressa na Base XV do novo Acordo, pela qual se usará o hífen nos casos em que o primeiro elemento do composto (um substantivo ou adjetivo) pode apresentar-se sob forma reduzida como 'és-sueste' [por 'este-sueste']; 'bel-prazer' [por 'belo-prazer'], o mesmo princípio não se estenderia às formas não hifenadas registradas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) 'fotorreportagem' ['foto' por 'fotografia'], 'autoestrada' ['auto'por'automóvel'], 'cineteatro' ['cine' por 'cinema']?" Se vale a comparação, por que estas últimas não se grafarão com hífen?

  • Um futuro sem esquerdas

    Não nos damos conta, possivelmente, dos efeitos inéditos das atuais perplexidades dos avanços democráticos sobre as velhas certezas de que um regime de liberdades aprimora a normalidade social e a busca de consensos coletivos. E é em tal quadro que se pode associar, sempre, também, democracia e mudança, como exigência do bem-estar coletivo. Não é outra a perspectiva sempre de uma esquerda, na sua ruptura com o status quo, e na luta contra os conservatismos, interessados no já conquistado e na manutenção de seus privilégios. O que mostram os nossos dias é a falta de alternativa de futuro num pensar-se, de fato, a mudança e a esquerda que a encarna.

  • Vogais e questões de pronúncia

    Estudiosa e competente professora do nosso idioma, antiga aluna de Joaquim Mattoso Câmara, que marcou lugar definitivo como o primeiro e magistral linguista de língua portuguesa, estranhou que classificássemos como ditongos, e não como hiatos, os encontros vocalicos das palavras 'dieta', 'miolos', 'miudeza', 'suéter', 'sueco', 'dual'.

  • Estão querendo enganar quem?

    Li em algum jornal que a Fifa, essa organização da qual volta e meia se evola um odorzinho de mutreta, que lida com cachoeiras de dinheiro, cujas decisões são às vezes vistas como fruto de processos viciados e que, enfim, não é nenhuma casa pia, ameaçou fazer a Copa de 14 na Espanha, se as obras aqui não forem apressadas – ou até mesmo iniciadas, como dizem que é o caso de muitas. Por artes do caprichoso destino, isso pode interessar à Espanha, que tem estrutura e está pendurada. Pode interessar a toda a Europa, aliás, devido ao reflexo dos problemas espanhóis na economia do euro. E talvez o Brasil nem conseguisse ir aos jogos, porque os espanhóis poderiam aparelhar os aeroportos para otimizar sua já tradicional deportação de brasileiros.

  • O pátio da língua

    Jorge Luis Borges flagrou o paradoxo de que os escritores mais representativos de cada país tinham poucas características do seu povo. E alude na Inglaterra a Shakespeare, por sinal espalhafatoso, mais italiano ou judeu no temperamento do que inglês. E o tolerante Goethe, com sua frieza, imensa racionalidade, no que tange ao conceito de pátria, anti-passional, nada tinha de alemão. E Victor Hugo com seu jogo metafórico e as avalanches de hipérboles nada possui do cartesianismo francês. Muito menos o satírico e sapiente Cervantes , contemporâneo da Inquisição , pouco guarda da Espanha. E para ampliar essa galeria, o nosso Machado de Assis, com sua contenção de estilo, sua mordaz ironia, filho de Sterne, parece ter mais nascido em alma na Inglaterra que no tropicalismo brasileiro.   

  • O Poema Vésper de Eminescu

    Ouvi na Romênia um adágio que dizia “a casa que morei em criança hoje me habita”. E de pronto lembrei-me do poema de Jorge Cooper, que dizia melhor “a casa em que morei quando menino hoje em dia mora em mim”. E me pareceu de tal modo acertado que o reportei num velho livro de lembranças.

  • Desafios ao Brasil

    O meu amigo Luiz Gonzaga Bertelli, presidente executivo do CIEE/SP, chama a atenção para a qualidade do livro “Desenvolvimento e perspectivas novas para o Brasil”, da Cortez  Editora, escrito pelo professor Márcio Pochmann, da Unicamp, que é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

  • Primavera árabe e reversão democrática

    A multidão da Praça da Catalunha, em Barcelona, e da Praça Real, em Madrid, nos dois últimos meses, manifestou uma revolta profunda com os procedimentos democráticos tradicionais para o avanço das liberdades do bem-estar do nosso tempo. Põe em causa, e imediatamente, o fracasso das mediações políticas vividas pelo Ocidente desde a Revolução Francesa e Americana. Retoma-se o questionamento de si, as maiorias congressais exprimem um conformismo dominante, e, por aí, as visões da mudança exigem a presença contínua das minorias na decisão política. Tal, sobretudo, quando a opinião pública ou a comunicação social expõem-se aos controles midiáticos ou, sobretudo, ao tribalismo da internet e das novas sociedades fechadas, no intercâmbio desses grupos e de sua visão da realidade. Antes de se esvaziar, a Praça da Catalunha constituiu-se em grupos e subgrupos, divididos não só entre as prioridades de um que fazer, mas sob a própria dúvida da chegada a qualquer consenso. Ou, mais ainda, à visão ampla das contradições em que irrompe a nova década.