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Artigos

 
  • A arte de fazer o mesmo filme

    Ao publicar "Fare un Film" (Ei-naudi Editore), Federico Fellini (1920-1993) não chegou a fazer um livro. Os outros é que fizeram por e para ele. Na verdade, é uma coletânea fragmentada de algumas reportagens já publicadas na Europa, trechos de gravações feitas com amigos, enfim, desabafos, gritos e confissões que seriam mais interessantes se, por trás das palavras, não estivesse um homem que, preferindo imagens, não gosta de palavras. 0 livro está longe de ser uma autobiografia, uma gramática do cinema, um ensaio estético.

  • Alencar e seu destino

    No meu tempo, não vi um político ser objeto de opinião tão unânime e receber uma solidariedade tão sem contrastes de todos os segmentos da sociedade quanto José Alencar.

  • As novidades de sempre

    Sempre que saio do Brasil, volto um pouco apreensivo. Faltam notícias lá fora e aqui as coisas mudam muito depressa – onde havia um cinema brota à noite uma igreja, onde se enxergava um político honesto pulula um meliante, o que ontem era a via correta vira contramão e assim por diante. A partir de certa idade, convém ser precavido, acabar de chegar em casa com calma, não ligar a televisão imediatamente e deixar para abrir os jornais depois de falar com alguns amigos. Eles saberiam contar jeitosamente qualquer novidade inquietante ou capaz de nos abalar a fé no futuro da nação.

  • A força da alegria

    Khalil Gibran diz que há vinte séculos os homens adoram a fraqueza na pessoa de Jesus, e não compreendem Sua força. Jesus não viveu como um covarde e não morreu queixando-se e sofrendo. Viveu como um revolucionário e foi crucificado como um rebelde.

  • Ponte aérea

    Os jornais não deram destaque, nenhum deles contou a história do servo-croata que passou horas detido no aeroporto do Galeão. Ele visitara o Corcovado, se esborrachara nas escadas que dão acesso ao Cristo, teve de colocar grampos metálicos na cabeça do fêmur, meses depois tentou voltar para casa. Ao passar pelo detector de metais, o servo-croata apitou por todos os poros. Sem falar português, foi levado para uma sala, despido e pesquisado. Convocaram uns cães que farejaram o cara de alto a baixo. Mais sofreria se um policial, que fizera um curso não sei onde, não entendesse o que ele tentava explicar. Viajo com alguma frequência e tenho motivos para não gostar desses detectores de metal, nem confiar neles. Alguns apitam contra mim, denunciando-me o isqueiro, as chaves, algumas moedas no bolso, coisas assim.

  • A dor das coisas

    Camoneanamente, ou não, lembramos a "dor das coisas que passaram". Em Virgilio Maro, o poeta de Mauá, já lemos essa expressão de mémória do sofrimento passado.

  • Homem: esse desconhecido

    Sentou-se ao meu lado, quase nos fundos do Airbus que me levaria a São Paulo. Tinha seus 50 anos. Levava uma sacola. O que me impressionou foi o bolso de sua camisa. O paletó aberto deixava ver tudo o que ali havia.

  • O sangue das meninas

    0 Brasil inteiro está tomado de grande comoção e também de grande revolta. Não fomos feitos para viver tragédias desse tipo. Em Realengo, no Rio de Janeiro, um fronteiriço, possesso —esta é a palavra— entre a loucura e a maldade, invade uma escola e atira nos alunos que estavam em classe, faz tombar mortos dez meninas e dois meninos, além de ferir mais 13 estudantes, alguns gravemente.

  • Cabo Verde, a nação atlântica

    A responsabilidade da Otan pela paz mundial é hoje superada pela nova ascendência, no limiar da União Africana, de par com a Liga Árabe. A crise em todo Oriente Médio entremostra toda a riqueza de um mundo global, a partir das articulações internacionais que superam hoje o velho fixismo " geopolítico. E entre eles  avulta, sobremodo, no universo atlântico, a emergência de Cabo Verde como símbolo e ponta desses enlaces, em que a nação africana é a promessa, talvez, dos vínculos mais amplos e complexos de uma nova urdidura do espaço mundial do século XXI. Cabo Verde, para além da antiga CPLP, é o eixo das relações despontantes da CDEAO e, sobretudo, da Macaronésia, no liame continental com a Mauritânia e Marrocos. Estado arquipélago padrão, como o Japão, pode, desde logo, intitular-se como nação global, como vem de relembrar o primeiro-ministro José Maria Neves, no que a integração entre as ilhas envolve também o empenho antidiáspora e o enlace desta fortíssima comunidade cultural. Difícil encontrar elemento aglutinador como a língua crioula no seu transbordo oceânico, nas raízes plantadas, inclusive, nas próprias bordas norte-americanas, na força da busca do ensinouniversitário. E na torna à pátria destas levas de novas gerações, a compor a crescente classe média do país. Mid Atlantic, diriam alguns, este Cabo Verde, já no pressentimento do salto para um futuro, vindo da formação específica desta inteligência, e nas novas e universais tecnologias da informação.

  • O homem que sabia demais

    Lobianco terminava a crônica internacional do dia. No mundo, tudo marchava bem, ou seja, tudo estava mal. Nos Estados Unidos e União Soviética evitavam o acordo sobre o uso de armas nucleares, o presidente Carter rompera a política de distensão e mandava brasa em cima do Kremlim, Brejnev não tomava conhecimento, continuava apelando para o Tratado de Helsinque e considerava uma intromissão indébita qualquer alusão aos direitos humanos, que estariam sendo violados nos países da Cortina de Ferro.

  • Se reformarem, é para piorar

    Desde que me entendo, ouço falar em reformas e as únicas que lembro ter visto efetivamente realizadas são as ortográficas. Já devo ter pegado umas quatro ou cinco e ainda encontrei muitos livros em orthographias extranhas, na bibliotheca de meu pae. Aprendi a ler no tempo em que a palavra "toda" se escrevia "tôda", para não ser confundida com o nome de uma tal ave, jamais vista por quem quer que seja. Jorge Amado perdeu a paciência, depois de fazer força para se adaptar a diversas ortografias. Uma vez, quando ele estava acabando de redigir um artigo ou prefácio, como sempre incentivando algum escritor novato, eu cheguei e ele me disse, datilografando as últimas palavras do texto, arrancando o papel da máquina e o entregando a mim:

  • Salto sem rede

    Irritado com os meus comentários sobre a linguagem infantojuvenil que ainda predomina na mídia eletrônica, um sujeito me desancou num e-mail em que me aconselha a jogar dominó e buraco, deixando o universo virtual para o povo eleito no qual ele se inclui.

  • Dificuldades em Paris

    Há um clima extremamente favorável ao restabelecimento, em grande estilo, das relações culturais entre o Brasil e a França. Até a II Guerra Mundial vivíamos em permanente lua de mel, embalados pelos efeitos concretos da latinidade prestigiada e reconhecida. Depois, a nossa segunda língua estrangeira moderna tornou-se monotemática, com o avassalador predomínio da língua inglesa. O crescimento em nuvem da informática deu curso a essa troca, que se consolidou sem plebiscito.

  • O tempo do tempo

    O herói da batalha de Maratona precisou correr 42 quilômetros para transmitir a notícia da vitória numa guerra. Morreu logo após ter cumprido a tarefa. A descoberta (ou o achamento) do Brasil levou mais de dois meses para chegar ao conhecimento do rei Manuel, dito o Venturoso. Hoje, com a internet em funcionamento, Manuel seria venturoso antes do tempo, ficaria sabendo da façanha de Cabral na hora.