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Artigos

 
  • A ilusão dos antibióticos

    As notícias sobre a rápida disseminação da superbactéria Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC) teve pelo menos um mérito: trouxe à baila a questão do mau uso de antibióticos. O que não é um problema novo, e apareceu já com o lançamento dos primeiros antibióticos, à época da Segunda Guerra. Assim, a penicilina, que ao surgir era 100% eficaz contra o estafilococo, teve essa eficácia reduzida em algumas décadas para 10%. Nos anos 90, um levantamento mostrou que, em apenas quatro anos, a porcentagem de enterococos (bactéria intestinal) resistentes à vancomicina aumentou 20 vezes. A cefalexina, que, quando apareceu, era eficaz contra todas as infecções urinárias, agora só pode ser usada em 30% dos casos. Também a ampicilina perdeu muito de sua utilidade. Um estudo publicado no “New England Journal of Medicine” mostrou que, em três anos, dobrou a resistência dos estreptococos causadores de pneumonia. Assim como compromete o ambiente, o ser humano está comprometendo os recursos que poderiam ser usados contra doenças. Isto resulta, antes de mais nada, de um uso excessivo desse tipo de medicamento. Nos Estados Unidos, cerca de 25 mil toneladas de antibióticos são administradas anualmente. E de forma equivocada: 75% dos casos, tratam-se de infecções respiratórias. Destas, a maioria resulta de vírus, contra os quais os antibióticos não têm efeito. Ao problema da prescrição equivocada, temos de associar a automedicação. As pessoas se veem rodeadas por inimigos invisíveis, que é preciso combater; e aí, dê-lhe antibiótico. Uma verdadeira mania. Mais um fato: 70% dos antibióticos vendidos nos Estados Unidos e provavelmente em outros países são dados a animais, também em caráter “preventivo”. Com isso, aumenta a quantidade de germes resistentes. Resolver esse problema vai nos melhorar como sociedade. Precisamos tomar consciência de que nosso ato imprudente, ainda que no curto prazo não nos prejudique, resultará num risco geral: atualmente, as infecções por germes resistentes matam mais de 70 mil pessoas por ano nos Estados Unidos. A ilusão dos antibióticos custa caro. Perguntem à superbactéria.

  • Se eu tivesse um barco...

    Durante anos, Rubem Braga publicava ao fim de suas crônicas na revista “Manchete” uma seção sob o título “A poesia é necessária”. Evidente que os poetas escolhidos eram os de sua preferência. Imitando o mestre, gostaria de transcrever um pequeno poema de Ribeiro Couto intitulado “Cais matutino”.

  • O poder das pontas

    "Será que precisamos de regiões hegemônicas, de figuras hegemônicas?" Quando eu estudava física, no colégio (isso mais ou menos na pré-história) falava-se de algo chamado o poder das pontas, ou seja, a capacidade que têm objetos pontiagudos de atrair e de concentrar energia, o para-raios sendo disso um exemplo clássico. Mas o poder das pontas pode servir de metáfora para muitas situações, inclusive na política, coisa que pode ser lembrada nos 80 anos da Revolução de 1930, que, segundo o historiador José Murilo de Carvalho, colocou o Brasil no rumo da modernidade. O movimento teve início num estado que era, e é, a ponta do Brasil, o Rio Grande do Sul, uma ponta encravada, por assim dizer, no Cone Sul da América Latina, no antigo domínio hispânico, do qual na verdade fazia parte de acordo com o Tratado de Tordesilhas. A região foi conquistada a ferro e fogo, e isso inaugurou uma tradição guerreira que se prolongaria por séculos, simbolizada na figura do gaúcho e expressa numa forte tradição. Por sua história, e por sua posição geográfica, o Rio Grande do Sul sempre teve uma forte consciência de sua identidade, o que aliás gerou, em 1835, um movimento de rebeldia contra o governo central, a Revolução Farroupilha, que, a rigor, foi derrotada, mas que até hoje é celebrada no dia 20 de setembro. Por outro lado, e por causa da enorme distância que o separa do centro do país, as elites gaúchas sentiam-se marginalizadas nos grandes processos decisórios que, nos anos 1920, dependiam sobretudo da política café-com-leite, da união entre São Paulo e Minas Gerais.

  • Morte gloriosa

    Neste Dia de Finados pensamos na morte. E pensamos na morte como uma coisa triste, melancólica, o fim da nossa existência ou da existência de pessoas que foram importantes para nós e que desapareceram para sempre de nossas vidas.

  • Educação corporativa

    Depois de ter editado os seus dois primeiros Cadernos, um sobre Cultura e Democracia, outro sobre Ensino Profissional, o CIEE/Rio focalizou no terceiro um tema que se encontra na ordem do dia: Educação Corporativa. Graças à competência da pedagoga Andréa Caruso, especialista em Gestão de Recursos Humanos, mestre em Educação e doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ), promoveu-se essa reflexão a respeito das ideias que circulam no mundo dos negócios e no meio acadêmico sobre a Educação Corporativa, que pode ser compreendida como um conjunto de estratégias voltadas ao desenvolvimento e a potencialização do capital humano nas organizações com o intuito de obtenção de vantagem competitiva e sustentável no mercado. A Educação Corporativa, fenômeno que emerge em resposta às demandas da denominada sociedade do conhecimento, justifica-se e ganha cada vez mais força no cenário produtivo devido a fatores, como a necessidade de a aprendizagem ser um processo contínuo; a descentralização do poder e a verticalização das relações dentro das corporações; o advento da Gestão do Conhecimento; a urgência de o trabalho manual ser substituído por um trabalho fundamentalmente intelectual em todos os níveis hierárquicos; a eficácia do conhecimento robusto no aumento da produtividade; a dicotomia entre ensino formal e mercado de trabalho e, por fim, a necessidade de desenvolvimento, descoberta e retenção de talentos.

  • Dilma: os olhos de ver a vitória

    A vitória de Dilma leva já o País às visões dessa nova repartição de poder, no que a petista inclusive estende a mão aos seus adversários. De logo, vai o contraste com a posição de Serra, tartamudo no reconhecer a derrota, e ficando nos limites mínimos da correção política para felicitar a ganhadora.

  • A hora de pagar

    Certa vez,li as revelações de um ex-deputado que teria recebido o auxílio de alguns milhares de dólares para a sua campanha eleitoral. Através de telefonemas gravados, ficou revelada a mecânica dessas contribuições. O candidato ao Congresso queixava-se ao seu maior, no caso o candidato à Presidência, de que estava sem verba para azeitar a sua própria campanha, que garantiria 30 mil ou 40 mil votos para a eleição do novo presidente da Repúbüca. Recebeu a promessa de uma ajuda. Dias depois, o tesoureiro-chefe do partido comum, o indestrutível homem da mala, discutiria o "quantum", estabelecendo as prestações semanais, fazendo uma única exigência: o destinatário deveria procurar um empresário de multinacional para agradecer a colaboração, mas sem entrarem "detalhes". Tudo feito à risca, o candidato agradeceu os dólares e os recebeu a tempo de lubrificar a própria campanha. Da dívida ficou a dúvida: ele, candidato, recebeu a doação de alguns milhares de dólares, agradeceu "sem entrarem detalhes"e logo suspeitou de que estava agradecendo a doação de 1 milhão de dólares, embora só tenha recebido 100 mil.

  • Aprendendo a conviver com a morte

    Numa semana que teve em seu início o Dia de Finados a pergunta até que cabe: como aprendem os médicos a conviver com a morte? De forma gradual, é a resposta. Coisa que constatei por experiência própria. Nosso curso começava, classicamente, com a disciplina de anatomia. Depois de algumas aulas teóricas, fomos um dia levados para o necrotério da faculdade, que ficava no andar inferior do prédio da Rua Sarmento Leite. As portas se abriram; sobre as mesas de alumínio, estavam cerca de 20 corpos, rígidos, à nossa espera. O cadáver que tocou a nosso grupo era o de uma mulher, ainda jovem, fisionomia inexpressiva. Muitas vezes interroguei-me a respeito de quem, afinal, teria sido essa pessoa; mas nunca consegui pensar nela como um ser humano, mesmo porque, preservado pelo formol, o cadáver adquiria uma aparência de coisa sintética. Algo, se não benéfico, pelo menos pragmático: à entrada do necrotério, bem poderia estar inscrita uma paráfrase de Dante: “Deixai de lado todas as emoções, ó vós que aqui entrais, e pensai exclusivamente no aprendizado da profissão.” A morte agora tinha penetrado em nossas vidas e delas não mais sairia. Na fase clínica do curso estagiávamos na Santa Casa, onde casos graves eram a regra. Muitas vezes chegávamos de manhã e víamos, sobre o leito que até a noite anterior havia sido ocupado por nosso paciente (uma pessoa com a qual não raro estabelecíamos laços de amizade), o colchão enrolado. Cena tão eloquente como desanimadora. Como desanimador, apesar de instrutivo, era proceder à necropsia desses pacientes. Obedecendo a uma necessidade interior, íamos construindo nossas defesas contra a angústia, resultantes do conhecimento técnico e científico, que condicionava nosso modo de pensar, e até o de falar, o jargão médico: “Ele fez um edema agudo de pulmão...” Ele fez: era o paciente que tinha feito o edema agudo de pulmão, o seu corpo. Desse corpo era a responsabilidade do óbito que aliás raramente presenciávamos. A mim, particularmente, o momento da verdade chegou quando eu já era residente em Medicina Interna. Uma noite atendemos, no Hospital São Francisco, uma mulher que havia sido internada por grave insuficiência renal. Seu estado era absolutamente desesperador, e ali estava o grupo de médicos lutando para salvar a pobre criatura. Esforço inútil porque, como previsto, a paciente acabou morrendo. Curvado sobre ela, presenciei o momento exato do óbito: o relaxamento da musculatura facial, uma súbita e impressionante palidez, e pronto, a vida a deixara, dissolvera-se nas trevas da noite lá fora.

  • O novo livro de Scliar

    Leitor compulsivo até os 40 anos, lendo tudo o que podia e não podia, comecei a esmorecer quando meti na cabeça que eu próprio podia escrever livros. Nos últimos tempos, prefiro reler - daí que não estou atualizado com a literatura que agora se fabrica. Mesmo assim, tive um momento de verdade ao ler o último romance de Moacyr Scliar, 'Eu vos abraço, milhões'.

  • Monteiro Lobato

    Monteito Lobato foi um notável escritor.Seus livros, que primam pela imaginação e pela visceral ligação ao modo de ser brasileiro, fizeram a cabeça de muitos leitores, entre os quais  me incluo. Mas ele não estava imune aos estereótipos de seu tempo.Uma nota do Conselho Nacional de Educação (CNE) aponta referências consideradas desrespeitosas em relação aos negros, do livro Caçadas de Pedrinho (1993).

  • Literatura & medicina

    O próximo dia 20 assinala o centenário de falecimento de um grande escritor, o russo Leon Tolstói, autor de obras primas como Guerra e Paz e Anna Karenina, romances monumentais. Mas Tolstói também escreveu textos mais curtos, e entre eles está A Morte de Ivan Ilitch, por muitos críticos considerada a novela mais perfeita da literatura, uma história que deveria ser lida por todas as pessoas e, em especial, por médicos e estudantes de medicina (há uma excelente edição de bolso da nossa L&PM). Conta a história de Ivan Ilitch, membro do judiciário de São Petersburgo, uma história que, sabemos pelo título, terminará com a morte do protagonista. Mas isto não é importante. Importante é a vivência da enfermidade que, para o arrogante Ivan Ilitch, se constituirá num suplício pior que o da própria agonia. Gravemente doente, Ivan Ilitch consulta médicos que o atendem de forma distante e autoritária, a tal ponto que, numa das consultas, ele se sente como um réu diante do tribunal. Colegas e a própria família também o tratam de maneira indiferente, quase hostil. A única pessoa que o ampara é um empregado, um camponês semi-ignorante que, no entanto, se compadece do sofrimento do patrão e procura ajudá-lo. Ivan Ilitch descobre que sua vida foi despida de sentido, que suas relações com outros seres humanos eram superficiais. Somente um profundo conhecedor da alma humana como foi Tolstói seria capaz de, em poucas páginas, resumir de maneira tão fantástica o drama da existência diante do fim próximo. Particularmente importante é a questão da relação médico-paciente. Naquela época, a medicina ainda não tinha chegado à sofisticação tecnológica que hoje é a regra e que aos poucos vai deslocando os aspectos humanos da prática médica. Neste sentido, podemos dizer que Tolstói foi profético. E esta é mais uma razão para lê-lo. O dr. Carlos Alberto Feldens, do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Ulbra, viu sua tese de doutorado sobre alimentação infantil e cáries ser agraciada com o Prêmio Capes para a melhor tese de doutorado em Saúde Coletiva/Saúde Pública/Epidemiologia do Brasil. E o dr. Mario Leyser, comentando o texto sobre a carência de pediatras no Brasil, diz: “O pediatra, na cabeça dos responsáveis, fica em plano secundário porque falar sobre as vantagens do leite materno, mamadeiras, vacinas, cuidados mínimos, alimentação adequada ou prevenção das doenças, isso não dá prestígio.” 

  • A memória que falha

    Estou ficando cismado comigo mesmo. Todos os dias, leio nas folhas ou na internet que os suspeitos de corrupção têm um ponto em comum: todos, sem exceção, invocam o passado de lutas contra o arbítrio, a ditadura, a repressão. Numa carta em que explicou os motivos do pedido de licença do cargo, um senador invocou o seu passado de combate ao regime militar. Nos tempos de FHC, que, como Lula, foi acusado de tolerar a corrupção, seus defensores argumentavam que eles eram perseguidos enquanto seus detratores de então estavam no poder. Impressionante o número de resistentes ao golpe de 1964. Puxo pela memória e constato que ela me trai. Pelo que me lembro, naquele ano foram poucos, pouquíssimos, os que reagiram contra o movimento militar. Mais tarde, em 1968, com o AI-5, o número aumentou consideravelmente, mas coube todo nas celas das PMs e dos DOI-Codis e nos aviões que transportavam os banidos. Mortos e feridos foram bastantes. Humilhados e ofendidos foram muitos. Mas a maioria, pelo que recordo e vejo nos livros e jornais da época, cruzava os braços e tratava de aproveitar o Milagre Brasileiro.

  • Globalização e diferenças emergentes

    A primeira década deste novo século nos mostra o seu passivo de espantos: a queda das torres de Manhattan; a sobrevinda de um terrorismo exasperado, até o martírio, pelos testemunhos vingadores de um reconhecimento coletivo sufocado; o retorno das teocracias, trazendo de volta o político ao transcendente; o recuo da cidadania diante do desfraldar migratório e da possível irrupção de novas "guerras de religião". Uma nova arquitetura da globalização está sendo desenhada, voltando-se, no longo prazo, às coexistências internacionais não hegemônicas e questionando esta expansão do multiculturalismo, " cujo imperativo da diferença se junta ao da liberdade, modelada pelo imperativo contemporâneo da democracia.