
Ganhando tempo
Não acreditei no que ouvi. Mudei de canal para confirmar. Dona Dilma, muito bem produzida, continuava falando e repetiu o que eu julgara impossível: acuada pelas manifestações das ruas, ela propunha uma "constituinte específica".
Não acreditei no que ouvi. Mudei de canal para confirmar. Dona Dilma, muito bem produzida, continuava falando e repetiu o que eu julgara impossível: acuada pelas manifestações das ruas, ela propunha uma "constituinte específica".
Há alguns anos, isso parecia impossível. Os responsáveispela aplicação da Lei Rouanet de Incentivo à cultura não queriam nem ouvir falar de projetos que passavam pela educação. A argumentação era tola: “Educação não tem nada a ver com Cultura.” Sabe-se exatamente que elas são siamesas, uma não pode viver sem a outra. Ao tomar conhecimento, pela professora Maria Eugênia Stein, da existência do projeto Acervos Museológicos”, de responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, com apoio na Lei Rouanet, fizemos questão desse registro. O Instituto Minas pela Paz, em boa hora, levou a termo a ideia de “democratização do acesso e formação de agentes culturais”, com pleno sucesso. Quando se quer, se faz.
À margem dos comentários provocados pelos últimos acontecimentos em todo o país, que, apesar de redundantes, atingiram a mídia internacional, pode-se chegar a uma constatação periférica. As manifestações e reivindicações que o povo, principalmente os jovens, levou para as ruas e praças foram criadas e operadas pelas redes sociais, que podem ser comparadas aos icebergs: a parte maior fica submersa, o que se torna visível é a pequena porção de um obstáculo que pode destruir não apenas um titânico navio, mas todo um sistema político.
Além da tentativa tosca de se apropriar da recente popularidade da seleção brasileira afirmando que seu governo “é padrão Felipão”, mesmo que não tenha ido ao Maracanã com receio das vaias, a presidente Dilma continua sem anunciar medida concreta que dependa diretamente do Executivo para mostrar que compreendeu os anseios das ruas.
É claro que a reforma política é fundamental para avançarmos no processo democrático, e não é à toa que há anos buscam-se fórmulas para aperfeiçoar nosso sistema político-partidário, responsável principal pelas distorções na atividade política.
Com elegância e discrição a mineira Carmem Lucia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostrou na nota oficial distribuída após a reunião com os presidentes dos TREs de todo o país os empecilhos, legais e políticos, para a realização do plebiscito sobre a reforma política, que na prática o inviabilizam. E ainda, citando o também mineiro poeta Carlos Drummond de Andrade, advertiu para os perigos da caminhada: “Cuidado por onde andas, pois é sobre meus sonhos que caminhas".
Nada ilustra mais exemplarmente o que as ruas estão criticando do que o uso de um avião da FAB para trazer ao Rio no último fim de semana parentes e amigos do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves para assistirem ao jogo do Brasil na final da Copa das Confederações. Ele desculpou-se, admitindo que errara ao dar carona a parentes, mas alegando ter direito a avião da FAB por que teria um almoço de trabalho com o Prefeito do Rio Eduardo Paes.
Ainda há muitas interpretações sobre as origens e os objetivos das atuais manifestações de rua no Brasil. Enquanto as dúvidas se disseminam, algumas verdades podem ser extraídas no movimento. A primeira delas é que havia uma explosiva insatisfação no ar, atingindo governos em todos os níveis. Outra conclusão bate em cheio na demora da condenação dos mensaleiros, com chicanas de toda ordem. A prisão do deputado Natan Donadon, de Rondônia, foi devidamente comemorada, como sintomática do que está vindo por aí — e que depende do STF.
A mais recente trapalhada do Palácio do Planalto mostra bem como o governo Dilma está perdido na busca de aparentes respostas rápidas às manifestações populares. Depois de recuar em 24 horas da convocação de uma Constituinte exclusiva para realizar a reforma política, foram necessárias apenas quatro horas para que recuasse da realização do plebiscito para valer já em 2014 e voltasse atrás do recuo.
Em palestra sobre a situação atual da Educação Básica no Brasil, realizada na Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, alguns números chamaram a atenção dos conselheiros, levando-nos a uma reflexão mais aprofundada. Temos hoje 60 milhões de alunos frequentando as escolas brasileiras, em todos os níveis. Cerca de 33% da população, o que representa uma quantidade expressiva. O ensino cresceu muito, nos últimos anos, sobretudo no fundamental. Mas quais são as perspectivas para o futuro? Como se trabalha a questão da qualidade? Nas atuais circunstâncias, 70% da população das escolas públicas são crianças de famílias de baixa renda. Um em cada 10 brasileiros com mais de 15 anos ainda não sabe ler e escrever. Temos 1,8 milhão de jovens de 15 a 17 anos de idade fora da escola. Nosso país, ainda com imensos vazios territoriais, perde substância demográfica na sua população dos 7 aos 14 anos de idade. Há uma diminuição clara nas taxas de natalidade. Estima-se que nossa população até 17 anos vá encolher em 7 milhões de habitantes, nos próximos dez anos, caindo de 58 milhões para 51 milhões. É um fator estratégico de grande relevo para os que projetam o futuro da educação brasileira. Precisamos de mais escolas e/ou mais e melhores professores? O Brasil tem 197.468 escolas de ensino básico. Destas, 129.579 (65,62%) não têm bibliotecas, o que significa um total de 15.000.000 de alunos sem bibliotecas. Mas está na lei que, a partir de 2020, todas as escolas, públicas e particulares, deverão ter uma biblioteca. A meta é alcançar, no mínimo, um livro por aluno matriculado. Melhorar a educação brasileira, de um modo geral, pode ser uma utopia? Depende, naturalmente, da existência de uma política séria, no setor, conduzida por pessoas competentes e desinteressadas de proveito pessoal ou político. A boa escola deixará de ser uma utopia quando esse quadro se modificar. A pergunta que ficou igualmente no ar referiu-se à consolidação das nossas leis educacionais. A LDB tornou-se uma bonita e colorida colcha de retalhos. Só um gênio pode guardar de cabeça tantas e tão diversificadas normas, com um pormenor que deve ser mencionado: virou moda, como se fez no natimorto Plano Nacional de Educação, estabelecer metas exuberantes, para o futuro, como se tem feito sistematicamente com a erradicação do analfabetismo. Se não ocorrer o que se prevê, a quem caberá a culpa? Os autores da façanha estarão longe. Fala-se muito em gastos com a educação, expressão que deve ser condenada. Gasto é sinônimo de desperdício. Entendemos a educação como investimento. Assim ela deve ser compreendida.
Uma das mais importantes contribuições à integridade da democracia brasileira foi dada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na nota oficial em que mostrou a impossibilidade de realizar o plebiscito sobre reforma política em tempo de obedecer aos prazos legais estabelecidos pela Constituição para valer na eleição de 2014.
A ex-senadora Marina Silva, que vem despontando como a grande beneficiada das manifestações “contra tudo o que está aí”, principalmente os políticos, tem nas ruas dois dos três segmentos detectados por seus analistas como sendo a base de sua votação de cerca de 20% dos votos em 2010: a classe média “iluminista” e a garotada das redes sociais.
Não sabemos se a ideia do plebiscito foi de dona Dilma ou de algum assessor dela.
Quem acompanha as transformações da sociedade não se surpreende com as manifestações que acontecem em várias partes do mundo
Logo que as manifestações de rua começaram, Zecamunista, entremeando a fala com alguns suspiros nostálgicos, surpreendeu todos os presentes no Bar de Espanha, ao revelar que não iria a Salvador, tomar parte nos protestos. A cruel verdade era que o vigor combativo de sua juventude já o abandonava e longe, muito longe, iam os dias gloriosos em que, por exemplo, foi preso por ter planejado, comandado e quase concluído com êxito um plano de ação gastrointestinal, para neutralizar a Polícia Militar do Estado da Bahia e assim evitar a repressão de uma das muitas passeatas subversivas em que saía, desde o tempo de Getúlio. Na madrugada antes da passeata, à frente da Guarda Proletária do Alto das Pombas, esteve prestes a despejar, nas caixas d’água dos quartéis, um extrato concentradíssimo de erva-cagona que o finado Vavá Paparrão conseguiu nos matos da Ilha dos Porcos, capaz de levar a vítima a comparecer ao trono de cinco em cinco minutos, não se dedicando a mais nada durante pelo menos um dia ou dois.