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Artigos

 
  • O obsoleto Brasil dos amigões

    O atabalhoado da crise nessas últimas semanas leva a novas conquistas democráticas. Ainda em susto, continuamos a acreditar que a melhoria de um sistema se faz sempre harmoniosamente, em progressão imperceptível. Ao contrário, é aos trancos e barrancos que se chega agora a um novo Brasil que aperfeiçoa as suas instituições. E o que mais reconforta é ver o quanto a sociedade civil se espanta jubilosamente com a novidade e a quer, para ficar.

  • Maura Lopes Cançado

    Lia pouco, observava muito; sua frase era simples, não erudita, mas de uma precisão cruel Sinceramente, não fiquei surpreendido. Em 2003, quando fazia uma série de palestras na Sorbonne (Nantes, Lyon, Rennes e Paris), um jovem professor pediu-me para falar sobre Maura Lopes Cançado, cujo livro "O Hospício É Deus" estava estudando para uma tese de doutorado na própria Sorbonne. Ele sentia dificuldade em encontrar material crítico e biográfico sobre a autora, sabia vagamente que eu fora seu amigo -estava citado no livro- e guardara uma crônica que eu publicara na Ilustrada há tempos, falando de Maura e um pouco de sua personalidade humana e literária. Passa o tempo e recebo, no último sábado, a visita de uma aluna que a escolheu como tema de sua tese de mestrado na PUC-Rio. Forçando a memória, lembro que, no passado, estudantes de faculdades espalhadas pelo Brasil já me haviam escrito pedindo informações sobre Maura, que também tem outro livro publicado ("O Sofredor do Ver") e uma série de contos no "Suplemento Dominical" do "Jornal do Brasil", no final dos anos 50. É um fato mais ou menos comum em todas as literaturas: escritores de talento, alguns beirando a genialidade, passam desapercebidos por seus contemporâneos e somente aos poucos vão conquistando espaço entre os estudiosos fatigados de analisar as obras já exaustivamente analisadas pela massa crítica que se forma nas academias, nas editoras e na mídia. Temos alguns exemplos entre nós -e o de Maura me parece o mais recente e emblemático. Morreu há pouco, esquecida e conformada, aparentemente curada da loucura que a levou a diversas internações em hospícios e clínicas psiquiátricas. Não mais escrevia, não procurava ninguém e por ninguém era procurada, a não ser por seu filho, Cesarion Praxedes, que morreu dois anos atrás. Naqueles anos, eu também colaborava no "SDJB" e freqüentava o andar ocupado pelo suplemento, cuja fauna está toda citada nos livros de Maura: Reynaldo Jardim, Ferreira Gullar, Assis Brasil, Mário Faustino, José Guilherme Merquior, Carlos Fernando Fortes Almeida, José Louzeiro, Alaôr Barbosa, Walmir Ayala, Barreto Borges, Oliveira Bastos e outros que agora não lembro. Reynaldo Jardim foi o criador e era o editor do "SDJB", recebeu um conto de Maura e ficou entusiasmado, publicou-o na primeira página, na diagramação competente de Amílcar de Castro. Foi o início de uma série de contos magistrais; falou-se em Katherine Mansfield, em Mary McCarthy e, principalmente, em Clarice Lispector, que parecia a influência mais próxima da desconhecida contista. Estava longe de ser uma imitadora. Seu universo era mais denso e concentrado naquilo que, mais tarde, ficamos sabendo ser a sua loucura. Eu havia estreado na literatura em 1958, e Maura me procurou, dizendo que desejava escrever um romance. Tirei o corpo fora, não se ensina ninguém a escrever um romance, um ensaio, uma poesia. Ajudei-a apenas materialmente, dando-lhe uma máquina de escrever. O resultado foi "O Hospício É Deus". Não se trata de um desabafo. Mas de um mergulho complicado no seu universo interior, quando a matéria da carne se decompõe antes da morte, e sobra apenas a convulsão, "a noite escura da alma" (Maura nunca leu São João da Cruz). Convulsão que ela experimentou fisicamente na série de eletrochoques, nos acessos de cólera contra o mundo e contra a humanidade. Em duas de suas crises mais violentas, matou uma enfermeira e um namorado, cumpriu pena em presídios psiquiátricos, foi libera- da por parecer de médicos que a examinaram e por juízes que absolveram. Era doce quando superava a loucura, amante, querendo aprender tudo para melhor desprezar o mundo e a humanidade. A literatura poderia ser o seu refúgio, se Maura acreditasse nela mesma e na própria literatura. Lia pouco, observava muito; sua frase era simples, não erudita, mas de uma precisão cruel. Não era feia, mas se julgava belíssima. Adolescente em Minas, ganhou um avião de seu pai, pilotava bem, batizou o aparelho com o nome de seu filho, Cesarion. Um acidente cortou a sua carreira -aliás, ela nunca pensou numa carreira, queria apenas ser ela mesma, com as suas manias, o seu sofrimento de ver o mundo e as coisas, a sua loucura, o seu deus.

  • As senhoras têm assunto

    Do Oiapoque ao Chuí, as senhoras dedicadas a causerie estão agora com a agenda cheia, podendo falar à vontade, graças às aventuras de Renan Calheiros, presidente do Senado brasileiro, e Mônica Veloso, comunicadora, 38 anos, que tem uma filha de três anos com o senador. O que se viu na entrevista franca da jornalista Mônica foi a preocupação em deixar claro que Renan não fornecia dinheiro público, mas sim dinheiro de uma empresa particular com negócios no governo e habituada ao lobismo em números altos.

  • Lições da Rio-92

    No dia 14 de junho, há 15 anos, encerrou-se a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro. A Rio-92 inaugurou o ciclo das importantes conferências sobre temas globais patrocinadas pela ONU na esperançosa década de 90. Foi a primeira grande conferência diplomática pós-guerra fria e por esta razão não foi moldada pela polaridade Leste-Oeste. Teve alcance inovador, como, por exemplo, a assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica, e desdobramentos importantes. O mais notório foi a antecipação da ameaça do aquecimento global. Este teve na Rio-92 o seu enquadramento inicial, com a assinatura da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, que tratou da estabilização do lançamento de CO2 na atmosfera.

  • A balzaquiana revisitada

    Aos 30 anos, a mulher é jovem. O encanto da balzaquiana hoje estende-se a outras faixas etárias. Mulheres de 40, 50, 60 podem perfeitamente viver grandes casos de amor

  • De volta ao calçadão?

    Espero que este domingo esteja um dia meteorologicamente irretocável, um sol quase de verão amenizado por ares outonais. Sempre espero mais ou menos isso, aliás, mas é freqüente que não me dê bem na previsão e o domingo só seja propício para os espíritos melancólicos, que sentem estranho prazer em contemplar sozinhos a paisagem penumbrosa e úmida, a chuva escorrendo pela vidraça e ocultando o horizonte, talvez uns versos de Lupicínio Rodrigues insistindo em ser cantados no fundo da mente, lembranças enevoadas e frias enxameando em torno da cabeça. Porque os melancólicos também são filhos de Deus, dias assim não deixam de ter seu valor e serventia, sublinhando a sutil sabedoria da frase de meu amigo Benebê, que às vezes a repete em tertúlias no bar de Espanha, em Itaparica. "O mundo é perfêtcho", diz ele, em seu impecável sotaque do Recôncavo, e ninguém ousa contestá-lo, inclusive eu, naturalmente.

  • Na fila do supermercado

    Eu tenho uma amiga americana de minha geração, D.H., que viveu todas as loucuras dos anos 60 e 70: drogas, sexo, rock’n roll, excessos de todas as maneiras. Embora ainda use suas roupas de hippie, hoje é uma dona de casa em paz com a vida, bem casada há muitos anos, com filhos adultos. Consegue – como todos nós que vivemos este tempo ainda conseguimos – enxergar que o extraordinário reside no caminho das pessoas comuns.

  • Renan está sangrando

    RIO DE JANEIRO - Não se trata de um juízo pessoal e definitivo sobre o caso do presidente do Senado. Ele deu explicações abundantes, seus pares aceitaram suas provas e tudo parecia indicar um desfecho honroso que livraria a barra e a cara do parlamentar alagoano.

  • Marly e a poesia brasileira

    A morte calou uma das maiores vozes poéticas deste País quando levou Marly de Oliveira no começo deste junho. Lembro-me como se fosse hoje quando Zora e eu recebemos em casa a jovem Marly, há mais de meio século, e tivemos em mãos seus primeiros versos, ainda não publicados e escritos a mão num caderno de estudante.

  • Nosso eterno amigo, o livro

    O semiólogo italiano Umberto Eco afirmou certa feita que o livro, "depois de ser inventado, vai-nos acompanhar por muito tempo". Penso, entretanto, que essa companhia será para sempre, pois, assim como a televisão não fez desaparecer o rádio, nem o cinema impediu que o teatro continuasse a ser arte tão antiga quanto admirada, a cultura digital não eliminará o livro.

  • Renan e Mangabeira

    RIO DE JANEIRO - "O Senado está tranqüilo, trabalhando normalmente, e é isso o que o povo quer". A declaração foi feita na manhã de ontem, na CBN, pelo ainda presidente daquela casa do Congresso, Renan Calheiros. Acredito que ele esteja mal informado. Há mais de duas semanas que os senadores estão engolfados num dos processos mais complicados de sua história.

  • Classifica ou desclassifica?

    Autoridades que lidam mais de perto com os problemas da educação infantil, entre nós, estão empenhadas numa campanha no sentido de proteger  crianças e adolescentes dos excessos cometidos pela oferta desmesurada de programas, na mídia eletrônica, que são incompatíveis com as respectivas faixas etárias. O objetivo é subsidiar as famílias na tarefa cada vez mais complexa de educar filhas e filhos, adotando a máxima que no Brasil virou lei: “a educação  deverá ser dada no lar e na escola.”