Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A balzaquiana revisitada

A balzaquiana revisitada

 

Aos 30 anos, a mulher é jovem. O encanto da balzaquiana hoje estende-se a outras faixas etárias. Mulheres de 40, 50, 60 podem perfeitamente viver grandes casos de amor


Entre 1829 e 1842, o grande Honoré de Balzac escreveu uma série de seis novelas que passaram a integrar sua monumental Comédia Humana. A série chama-se La Femme de Trente Ans (A Mulher de Trinta Anos), e conta a história de uma mulher casada com um homem grosseiro e insensível, uma ligação da qual resulta sua infelicidade e que depois teria contrapartida na Madame Bovary de Gustauve Flaubert. Balzac estava mais interessado em analisar as contradições da sociedade de então, mas a verdade é que sua personagem, Julie, tornou-se paradigmática. Casada com Victor, oficial do exército de Napoleão, tornando-se a infeliz Sra. D'Aiglemont e perdendo "aquela suave alegria que animava os folguedos da nossa infância". O casamento é infeliz, apesar de uma filha, e Julie arranja um primeiro amante, o jovem inglês Arthur, que morre de maneira tragicômica; para não ser surpreendido por Victor refugia-se no peitoril da janela e morre congelado (provavelmente clamando pelo aquecimento global). O que reforça a amargura de Julie acerca do casamento, que "só a nós faz sentir todo o seu peso: para o homem a liberdade; para a mulher, os deveres. Devemos consagrar aos homens toda a nossa vida, eles nos consagram apenas raros instantes... o casamento, tal como hoje se pratica, parece-me ser uma prostituição legal". Aos 30, porém, nova paixão, Monsieur Vandenesse, e aí a constatação: "Chegando a essa idade, a mulher sabe consolar, enquanto a jovem só sabe gemer. A mulher de 30 anos pode se fazer jovem, pode desempenhar todos os papéis e até encontrar beleza na desgraça".


Revolucionário, na França daquela época. A expectativa mal passava dos 40 anos. Aos 30 anos, a mulher estava velha, desgastada; esperava-se que cuidasse das crianças, da casa e do bem-estar do marido e pronto. Nada disso, dizia o escritor, as mulheres não têm por que aceitar esse destino.


Balzac foi, durante muito tempo, um guru. Karl Marx, por exemplo, considerava-o grande analista da sociedade e citava-o constantemente. De modo que a balzaquiana passou a incendiar imaginações, e isso por muito tempo. Mostra-o a letra de uma antiga marchinha carnavalesca: "Não quero broto, não quero, não quero não/ não sou garoto/ pra viver só de ilusão./ Sete dias da semana/ eu preciso ver/ minha balzaquiana./ O francês sabe escolher/ por isso ele não quer/ qualquer mulher./ Papai Balzac já dizia/ Paris inteira repetia/ Balzac acertou na pinta/ mulher, só depois dos trinta".


Ou seja: homens que queriam algo mais do que os brotos, as garotas jovens podiam oferecer - sexo e, sobretudo, ilusão - procuravam a seriedade (e a paixão) das balzaquianas, seguindo a orientação de "papai Balzac". Era o começo de uma mudança que foi se tornando cada vez mais intensa.


Honoré estranharia muito o mundo do século 21 e por boas razões. Para começar as pessoas estão vivendo mais: mesmo no Brasil, país pobre, a expectativa de vida já chegou aos 70 anos. Depois, velhice não quer dizer decadência. Grande parte das doenças e dos problemas que acompanham esta faixa etária são perfeitamente controláveis, ainda que a reposição hormonal seja objeto de polêmica. A cirurgia plástica faz maravilhas. Mais: o casamento está sendo adiado em função da formação profissional e do trabalho. Resultado: aos 30 anos, a mulher é jovem. O encanto da balzaquiana hoje estende-se a outras faixas etárias. Mulheres de 40, de 50, de 60 podem perfeitamente viver grandes casos de amor. Não é a imortalidade que a ABL promete, mas é quase. Balzac teria de reformular sua obra. Com o que, entre parênteses, ela apenas se tornaria mais interessante.


Zero Hora (RS) 17/6/2007