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Artigos

  • A glória da melancia

    A gente pensa que padrões de beleza dependem exclusivamente de gostos pessoais, de idiossincrasias. É verdade, mas só em parte. Quando achamos uma mulher bela, não estamos apenas aplicando padrões estéticos pessoais. A cultura também nos influencia, e, antes da cultura, a biologia está presente: coisa hoje muito discutida, mas não são poucos os cientistas defensores da idéia segundo a qual opções pelo sexo oposto dependem da necessidade evolucionista de gerar uma prole com a pessoa mais adequada para vencer a implacável luta pela subsistência.

  • Uma lição de vida

    Amsterdã um dos lugares de visita obrigatórios é a Casa de Anne Frank. Fui lá algumas vezes. De início, o que havia para ver era o anexo em que Anne viveu; depois, o lugar foi se transformando num museu, com uma completa exposição. E, ao mesmo tempo, atraía cada vez mais gente. Na última visita era até difícil caminhar por ali.

  • Gauchidade e alpargatas

    Guri nascido e criado no bairro do Bom Fim eu não podia me considerar um gaúcho da gema, daqueles da Fronteira. Eu tinha bombachas, claro (que a gente, por alguma razão, só usava em Capão da Canoa), e algumas vezes andei a cavalo com resultados tão deprimentes que os eqüinos corriam a se jogar no divã do analista mais próximo. Quando O Centauro no Jardim foi publicado nos Estados Unidos, a editora America resolveu preparar material de divulgação e chamou um fotógrafo (não, infelizmente não era o Beto Scliar) para fazer algumas fotos. Ouvindo falar em "centauro" o rapaz teve uma idéia: fotografar-me no Central Park cavalgando. O que eu recusei, claro. Poderia contar com a compaixão, ainda que constrangida, dos cavalos do Rio Grande, mas um eqüino americano certamente me atiraria da sela. Ainda estava rindo da idéia quando o cara me fotografou - e a foto saiu ótima. O clássico caso de escrever direito por linhas tortas.

  • Cérebro de mãe é diferente

    A Segunda Guerra teve na Europa resultados catastróficos, e não só em termos de destruição material. Milhões de pessoas pereceram, e muitas crianças ficaram sem os seus pais, vagueando pelas ruas ou pelas estradas. Na tentativa de avaliar os efeitos desta triste situação, a Organização Mundial da Saúde comissionou o psiquiatra e psicanalista inglês John Bowlby para fazer um estudo a respeito. O resultado foi um documento intitulado Cuidados Maternos e Saúde Mental que, de imediato, teve enorme repercussão. A criança, diz Bowlby, precisa de uma cálida, íntima e contínua relação com a mãe ou com uma figura materna. Sem isso, gera-se um quadro que ele chamou de deprivação (deprivation), e que é diferente de privação. Nesta última situação, não existe primariamente figura materna. Na deprivação, existe, mas é perdida, e o efeito, para a criança, é muito grave.

  • Mães não morrem, ficam encantadas

    Parafraseando Guimarães Rosa, mães não morrem, ficam encantadas. Retiram-se deste mundo, sem dúvida, mas apenas para continuar a observá-lo lá de cima, do "assento etéreo", para usar outra expressão famosa, esta de Camões, cujo poema diz: "Se lá no assento etéreo onde subiste / memória desta vida se consente / não te esqueças daquele amor ardente..." Este "se" não se aplica às mães. Elas não precisam de consentimento para lembrar, para ter acesso à "memória desta vida"; mães lembram sempre, mães não esquecem. Mães nunca esquecem a hora da mamada, a hora de dar o remédio para o filho doente, as coisas que devem comprar no super. Borges criou um personagem, Funes, "o memorioso" que não conseguia esquecer de nada, o que era para ele causa de sofrimento. As mães são memoriosas, mas de maneira diferente: a memória para elas é alegria de viver, é o motor da própria vida. De modo que, lá nos seus assentos etéreos, os cintos de segurança convenientemente afivelados (há um preço por estar nas alturas) elas lembram. Lembram de quê? Dos filhos, em primeiro lugar. Podem lembrar suas próprias vidas, o namoro, o casamento, a profissão que tiveram; mas, em termos de lembranças, a prioridade vai para os filhos. E aí contam, umas para as outras, aquelas histórias mirabolantes que todas as mães adoram. "Quando meu filho tinha três anos, uma vez pegou o violão do pai dele e tocou Imagine, de John Lennon, inteirinho, acreditam?" Claro que acreditam, assim como acreditam na menina que aos seis anos já lia Guimarães Rosa, e no garotinho que aos oito tornou-se campeão de basquete. Para mães que lembram, os filhos sempre foram prodígios, sempre foram campeões.

  • O apelo do alternativo

    O canal GNT da Net apresenta, todas as semanas, o Alternativa Saúde. Independente da audiência que tem, o simples fato de existir um programa com este nome já chama a atenção para a popularidade do tema. Os números o confirmam. Uma recente enquete realizada nos Estados Unidos mostra que 75% dos entrevistados já havia recorrido a alguma forma do que agora está sendo chamado de medicina alternativa e complementar (MAC), indo desde a prece até o herbalismo, meditação, megavitaminas, cartilagem de tubarão. O que não chega a ser novidade. Plantas, por exemplo, sempre foram usadas para a medicina; a digital, um remédio usado no tratamento das doenças cardíacas, era extraído da dedaleira. Qual é a diferença entre a medicina ensinada na maior parte das escolas médicas e a MAC?

  • Maratona e resiliência

    Estive algumas vezes em Nova York no período em que lá se realizava a famosa e tradicional maratona. Numa dessas vezes, vi, afixado num gigantesco painel, a classificação dos corredores. Eram milhares, mas todos os nomes estavam ali, e também o lugar em que tinham chegado: o primeiro colocado, o segundo, o terceiro - e o último. Sim, havia um último lugar. E isso me impressionou. O que faz um corredor que está em último lugar numa prova, que já não tem mais ninguém atrás de si, esforçar-se para chegar à linha de chegada? Que energia move o maratonista?

  • A noiva roubada

    Vocês decerto conhecem essa propaganda da tevê. Um rapaz vê um antigo carro precipitar-se no rio. Atira-se na água e salva a passageira, uma noiva que estava indo para a igreja. Ele leva-a até lá, entra no templo com a moça nos braços - e é, evidentemente, mal-interpretado, tendo de fugir às pressas. Esta historinha corresponde a uma fantasia muito comum, como mostram antigos versinhos do folclore português/brasileiro. É um diálogo. Um rapaz pergunta à tia: "Cadê o meu cavalo/ que eu aqui deixei ficar?". Responde a mulher: "O teu cavalo, sobrinho/ está no campo a pastar." O rapaz: "Cadê a minha espada/que eu aqui deixei ficar?". Resposta: "A tua espada, sobrinho,/ está na guerra a batalhar." E aí a questão crucial: "Cadê a minha noiva/ que eu aqui deixei ficar?". Golpe final: "A tua noiva, sobrinho/ está na igreja a se casar." Ou seja: mal o rapaz se descuida, vai-se o cavalo, vai-se a espada e, sobretudo, vai-se a noiva. Porque o noivado, esta é a conclusão, é terreno movediço, é rio turbulento onde, de repente, toda a paixão pode afundar e sumir.