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O retorno do santo

 

Será, perguntava-se São Francisco de Assis, que não existe mais pobreza? Será que ninguém mais passa fome?


Assis, cidade dos pobres, proíbe os mendigos. O prefeito de Assis, cidade italiana onde nasceu e morreu São Francisco (1182-1226), devoto aos pobres, decretou a proibição de mendigos, informou o jornal La Reppublica.


A medida impede a mendicância a menos de 500 metros das igrejas, lugares de culto, praças e edifícios públicos, segundo o documento assinado pelo prefeito.


Também foi proibido sentar e deitar no chão. "Mendigar não é um delito. Não entendo porque proibir pela lei. Ainda que algumas pessoas se aproveitem, ajudar as pessoas é sempre uma coisa boa", defendeu o presidente do Conselho Pontifical Justiça e Paz, Renato Martino.


"São Francisco é o santo dos pobres e sua doutrina continua sendo atual. Por isso não compreendo essa nova medida", acrescentou.


Para o padre Vincenzo Coli, responsável por um convento franciscano de Assis, "é difícil dizer o que São Francisco faria hoje em dia, já que os tempos mudaram".


MILAGRES ACONTECEM, sobretudo com santos e, quase oito séculos depois de sua morte, São Francisco de Assis voltou à terra, mais especificamente à sua terra, a cidade de Assis. Naturalmente ele estranhou muito o que via, os automóveis, as lojas, as roupas das pessoas que, por sua vez, também miravam com incredulidade aquele homem vestido com um muito antigo hábito religioso.


São Francisco procurava, ansiosamente, figuras familiares. E figuras familiares eram, para ele, os pobres, a quem dedicara toda a sua vida e que, na sua época, enchiam as ruas e as praças da então minúscula cidade de Assis.


Agora, no entanto, ele não via mais pobre algum. Será, perguntava-se ele, que não existe mais pobreza? Será que ninguém mais passa fome? Será que todos têm o que vestir, será que todos têm onde morar?


A idéia deixava-o perplexo: afinal, dedicara toda a vida aos desprovidos, queria ao menos encontrar um deles, abraçá-lo, confortá-lo, ajudá-lo; se não havia mais pobres, não teria como fazê-lo. Mesmo assim retornaria feliz e contaria para os outros santos que a pobreza, finalmente, desaparecera do mundo.


Por descargo de consciência, resolveu, contudo, perguntar a respeito; assim, deteve um transeunte e, no seu arcaico italiano, indagou onde poderia encontrar um pobre. O homem mirou-o, incrédulo, e respondeu: "Mas o senhor não sabe? Segundo um decreto da prefeitura, mendigar só é possível dentro de um raio de 500 metros de igrejas e lugares de culto. Ah, sim, e não pode sentar no chão".


São Francisco perguntou pela igreja mais próxima. Ficava um pouco longe dali e o seu tempo de permanência na terra era curto. De modo que teria de voltar para o além sem ter encontrado um pobre.


Estava ascendendo aos céus quando se lembrou da oração: "Onde houver desespero, que eu leve a esperança/ Onde houver tristeza, que eu leve a alegria/ Onde houver trevas, que eu leve a luz!" Que agora teria de ser modificada: "Onde houver desespero, que eu leve decretos/ Onde houver tristeza, que eu leve proibições/ Onde houver trevas, que eu leve a repressão". Mas o "é dando que se recebe" poderia continuar. A questão era política, e em política sempre se encontra aplicação para essa frase.


Folha de S. Paulo (SP) 5/5/2008