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Artigos

  • Bom domingo

    O Globo (Rio de Janeiro), em 03/10/2004

    É hoje. Não sei quanto a vocês, mas já cumpri o dever. Acordo cedo, sou ansioso e, possivelmente, terei aparecido em minha seção até antes dos mesários. E espero que ninguém esteja me lendo na fila, não só porque as filas hoje são raras e rápidas como porque ouvi falar que as autoridades estão muito rigorosas e qualquer observação que eu publique aqui poderá ser levada na conta da nefanda prática de boca-de-urna, que, aliás, como vocês devem ter visto ou verão hoje, foi praticamente abolida. Não quero cometer nenhuma irregularidade eleitoral. Sei que isso não tem importância e que basta pedir desculpas depois, mas assim mesmo é mais seguro não facilitar, porque não sou presidente nem tenho filha delegada, de maneira que me apresso em dizer que não estou pedindo que vocês votem em partido ou candidato nenhum, não estou sugerindo que votem em branco ou anulem o voto e, enfim, não estou dando palpite eleitoral. Isto é especialmente importante para o pessoal das entrelinhas. Eles são danados, peguei muita experiência com a elite deles durante os tempos da censura que não volta mais (figas, batidas na madeira etc.). Eles são capazes de ler “saia” onde está escrito “calça”, contanto que achem uma boa entrelinha. Mas não há nenhuma aqui, garanto a vocês.

  • Os livros sublinhados

    O Globo (Rio de Janeiro), em 03/10/2004

    NEM SEMPRE ESCOLHO OS LIVROS que devo ler. São eles que me escolhem, me chamam da prateleira de uma livraria, e muitas vezes os compro sem saber qual a razão; mas cada um deixa sempre algo importante. Recentemente, abri ao acaso alguns volumes de minha pequena biblioteca e copiei trechos sublinhados.

  • Os choques da civilização

    Folha de São Paulo - Revista Mais! (São Paulo), em 03/10/2004

    Nunca poderemos nos esquecer da imagem das mães russas traumatizadas com o assassinato dos seus filhos, em Beslan. Poucos dias depois, a mídia comemorava o terceiro aniversário do atentado contra as torres gêmeas e mostrava a imagem de espectadores e sobreviventes, traumatizados com o horror que se desenrolava diante dos seus olhos. Desde a invasão do Iraque, somos testemunhas do trauma sofrido pelos parentes de crianças mortas. De tão rotineiros, quase não queremos saber dos traumas vividos pelos israelenses com os ataques suicidas dos palestinos e pelos palestinos com os atos de terrorismo de Estado praticados pelo governo Sharon. O denominador comum de todas essas cenas é o trauma. Sua onipresença no mundo contemporâneo não pode deixar a psicanálise indiferente. Afinal, ela tem lidado com o trauma desde que o método catártico foi aplicado por Freud e Breuer para induzir a ab-reação de uma experiência traumática. Mas o aspecto da teoria freudiana do trauma que parece mais relevante hoje é a que destaca o efeito traumático de atos externos de violência. A partir da propensão dos soldados afetados por traumatismos de guerra a voltarem sempre em seus sonhos e pensamentos à situação traumática original, Freud foi levado a postular, em "Além do Princípio do Prazer", a existência de uma compulsão de repetição, aparentemente alheia aos automatismos da realização de desejo. Introduziu na mesma ocasião a idéia da pulsão da morte, que ilustrava exemplarmente a compulsão repetitiva, na medida em que todo ser vivo aspira a regredir ao estado anorgânico original. A neurose de guerra dos veteranos de 1914-1818 seria um caso especial da neurose traumática, na qual o aparecimento dos sintomas resulta de uma situação em que o sujeito se sentiu em risco de vida. Como são exatamente dessa natureza os traumatismos que enfrentamos hoje e como eles estão ficando cada vez mais freqüentes, alguns psicanalistas poderiam arriscar a hipótese de que a neurose traumática venha a ser a neurose do século 21, como a histeria o foi do século 19. Se isso se confirmasse, o papel clínico da psicanálise poderia tornar-se especialmente importante, porque ela substituiria com vantagem as técnicas farmacológicas e behavioristas com que a psiquiatria americana está tratando as vítimas do "post-traumatic stress disturbance", entidade clínica inventada pelo "Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais" (DSMM) para tirar do caminho "velharias" como neurose de guerra e neurose traumática. Mas pergunto-me se a psicanálise não pode prestar-nos outro serviço, além da mera clínica. Não poderia o pensamento de Freud ajudar-nos a compreender os mecanismos subjacentes às ações que estão transformando nosso mundo numa civilização do trauma? A resposta está no último grande livro em que Freud debateu o tema do trauma, "Moisés e o Monoteísmo". Nesse livro, Freud faz uma audaciosa passagem da patologia individual para a social, referindo-se à existência de um trauma coletivo da humanidade. Antes de fazer o que ele chama sua "analogia", recapitula alguns elementos da teoria do trauma. Assim, recorda o fenômeno da latência, intervalo mais ou menos longo entre o momento em que se produziu o trauma e o momento em que aparecem os sintomas. Lembra também que podem existir duas fixações ("Bindungen") ao trauma, uma positiva, durante a qual o sujeito volta continuamente à situação traumática original, e outra negativa, durante a qual ele não quer saber das impressões antigas, dos traumas esquecidos, e tenta evitar tudo o que possa revivê-los.

  • Besouro, abelhas e eleições

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 01/10/2004

    João Francisco Lisboa, o grande historiador, que Capistrano dizia ser o mais brasileiro de todos, dedicou no primeiro volume de sua obra "Jornal de Timon" um longo estudo às eleições na Antigüidade, partindo da realidade de que os romanos e os gregos foram os que mais exercitaram o direito eleitoral.

  • Ode aos vencidos

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 30/09/2004

    Último domingo de setembro, faltando uma semana para as eleições municipais. Por acaso, passo pela praça da zona sul onde esforçado candidato a prefeito faz seu último comício-monstro, mobilizando toda a militância de seu partido, grande nacionalmente, mas cada vez menor aqui no Rio.

  • Por que estamos longe?

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 29/09/2004

    O Plano Nacional de Educação, em vigor, aprovado pelo Congresso Nacional, merece inúmeros reparos. Somos orientados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº 9.394/96), que exige uma ampla reformulação. A realidade nua e crua é cada vez mais perversa: escolas desprovidas de equipamentos, professores desrespeitados em sua dignidade profissional e salarial, alunos desnutridos e desinteressados - algo como se estivéssemos em pleno caos.

  • Rui e alceu: dois líderes culturais

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 29/09/2004

    Concentro-me, neste artigo, numa figura de que temos sentido falta, sem perspectiva de que venhamos a nomeá-la entre homens públicos, professores universitários, intelectuais em geral e demagogos da cultura, com trânsito na mídia e nas editoras. É o maître à penser, o líder de uma cultura e de uma civilização que domina, pelo prestígio e pela ascensão sobre a nação inteira ou uma fatia dela, como condutor dos destinos do país e que exerce o domínio com superioridade.

  • Cabo eleitoral

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 28/09/2004

    O erro deve ser meu, mas, sinceramente, não entendo a legislação eleitoral em vigor. Começa pela promoção da mentira e da hipocrisia, obrigando pessoas respeitáveis - ou que deveriam ser respeitáveis - a mentir descaradamente. E termina em episódios ridículos, como esse que envolveu o presidente da República, transformado em cabo eleitoral de uma candidata a prefeita.

  • Auspiciosa notícia

    Diário do Comércio (São Paulo), em 28/09/2004

    Quem diria que um médico discreto, auto-transferido da medicina para a política, nos ia sair um administrador de pulso e de visão. Pois esse é o caso do sr. Geraldo Alckmin, que está fazendo, com extrema discrição, o governo bem conduzido e interessado em tudo quanto diga respeito ao povo. Não se ouve falar de trambiques no governo, como foi comum em passado distante e menos distante. O sr. Geraldo Alckmin aprendeu logo a arte de governar com decência.

  • América, sempre

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 27/09/2004

    O jornalista José Trajano, ele também apaixonado pelo clube rubro, citou-me outro dia como membro de uma pequenina e barulhenta torcida do América Futebol Clube. Senti-me honrado. No momento em que se comemora o primeiro centenário do time de Belford Duarte, o mais disciplinado zagueiro de todos os tempos, fiz as contas e concluí que torço pelo Mequinha há 60 anos.

  • Já estamos nervosos?

    O Globo (Rio de Janeiro), em 26/09/2004

    Sim, é no próximo domingo e se nota uma vibração intensa na atmosfera, pressente-se um coração palpitante em cada peito, o clima, está, digamos, elétrico. Não está, não? É, receio que não, estragou o começo do que pretendia ser uma esforçada tentativa de crônica sobre nossos brios cívicos, às vésperas da escolha dos nossos governantes mais próximos, dos que vão ser responsáveis por nossas cidades, nossos bairros, nossas ruas. Quer dizer, aqui no Rio, em certos lugares, cada vez mais numerosos, os governantes são escolhidos por métodos menos convencionais, mas nada neste mundo é perfeito e não se vai estragar a festa somente porque quem manda cada vez mais é o tráfico, até porque, segundo ouvimos, quem quer que seja eleito resolverá todos os problemas, não há motivo para preocupação.

  • Dos bastões e das regras

    O Globo (Rio de Janeiro), em 26/09/2004

    NO OUTONO DE 2003, ESTAVA passeando no meio da noite pelo centro de Estocolmo, quando vi uma senhora que caminhava usando bastões de esqui. Minha primeira reação foi atribuir aquilo a alguma lesão que tivesse sofrido, mas notei que ela andava rápido, com movimentos ritmados, como se estivesse em plena neve - só que tudo que havia à nossa volta era o asfalto das ruas. A conclusão óbvia foi: “esta senhora é louca, como finge esquiar em uma cidade?”

  • Estatização do jornalismo

    O Estado de São Paulo (São Paulo), em 25/09/2004

    O projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) atenta, a um só tempo, contra a Constituição e as leis do País, visando a privá-lo da liberdade de imprensa, conquista e garantia essencial da democracia.

  • SOS educação

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 24/09/2004

    Nestes últimos dias, curti minha insônia de estimação com especulações que, em vez de atrair o sono, o afastaram e ficaram remoendo soluções e caminhos.

  • Tentativa inútil

    Diário do Comércio (São Paulo), em 23/09/2004

    O presidente da República falou rindo, mas não brincou, quando disse a um de seus colegas, em recente reunião de presidentes, grande parte de cucarachas, que foi ao Gabão aprender como se fica 30 anos no poder, e se quiser ficará mais. O presidente Lula falou sério, primeiro por ter tomado o gosto do poder e, segundo, por lhe ter subido à cabeça a mudança do humilde ex-torneiro a chefe do governo da República Federativa do Brasil, uma nação emergente de 180 milhões de habitantes, mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, portanto uma das maiores do mundo. O presidente Lula quer ficar, não há dúvida.