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Artigos

  • Soneto e votos

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 11/08/2006

    Um dos meus amores são os sonetos e as redondilhas de Camões. Transformou-se de encantamento em xodó e deste em hábito. De quando em vez ou de vez em vez, para acabar com as formas de cansaço de cair no sono, no Luís Vaz, o Tira-Trintas (apelido do poeta que por causa desse colérico gênio deve ter perdido um olho) recolho a calmaria necessária que a poesia pede ao seu leitor. Não quero dizer com isso que esqueci ou estou traindo o Vieira, nas madrugadas de insônia, lido ou escutado nos Sermões gravados, como o Dos Peixes, na voz de Ary dos Santos.

  • O outro Brasil pede passagem

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 11/08/2006

    A chegada das opções de voto em Lula a 44%, à entrada de agosto, torna nítida uma maioria de votos que dificilmente se abalará pela televisão, ou por novos escândalos, ou pelo disparo ainda de algum azarão. Heloísa Helena encarregou-se dessa surpresa ao dar voz à radicalidade política, venha do utopismo desabrido, do rigor da detergência partidária, ou do protesto que saiu do voto nulo. É o Lula que ganhará contra o desgosto da classe média e o nariz arrebitado do país rico que não vão agora repetir o seu deslate em votar no operário de todas ditas decepções.

  • O público e o privado

    Correio Braziliense (Brasília), em 09/08/2006

    A distância que vai da antiga polis dos gregos, com alguns poucos milhares de habitantes, ao Estado contemporâneo, em especial nas sociedades de massa de nossos dias, é a mesma que separa a maioria dos cidadãos da democracia. Essa é, seguramente, a razão pela qual, quase em toda parte, as instituições políticas e os poderes do Estado não são os mais bem avaliados pela opinião pública. A percepção do cidadão é a de que conceitos como política, poder e autoridade não são mais que entraves aos seus direitos.

  • A constituinte e a polícia já

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 09/08/2006

    Faltava-nos ainda, no bojo das decepções com a nossa cultura política, o remédio radical a que aspira a ingenuidade da nossa boa consciência cívica. Veio, afinal, em festa, como um bolo de noiva, o remate definitivo. Convoquemos a Assembléia Constituinte, exclusiva, para a reforma partidária. A sugestão portentosa vem à mesa do presidente. Mude-se a Carta toda, ao invés de estacarmos a cada tentativa de modificação.

  • Érico, ou a arte de contar histórias

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 09/08/2006

    Érico Veríssimo é, na literatura do Rio Grande do Sul e, em grande medida na literatura brasileira, um verdadeiro divisor de águas. Antes dele, literatura, a grande literatura, era coisa para poucos iniciados. Para boa parte dos brasileiros o livro era um objeto estranho, distante, hermético. Mas Érico produziu uma obra de imenso valor literário que é, também, uma obra extremamente popular. E a pergunta que se impõe é: como o conseguiu?

  • Cheiro de Mugueta

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 04/08/2006

    O julgamento da política é cada vez mais cruel. A vitória da democracia liberal e da economia de mercado, considerados os objetivos máximos do desenvolvimento político ocidental, levou filósofos e economistas de Chicago a considerar termos chegado ao fim da História.

  • Lula lá, sem o PT

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 04/08/2006

    As variações mínimas entre os dois primeiros candidatos à Presidência parecem se estabilizar, após o susto de Heloísa Helena que, afinal, representa apenas a alternativa aos votos nulos. A alagoana logrou a torna, ainda, às urnas do país do desencanto ou do cinismo sofisticado, em mal que acossa sobretudo as elites extremas, tanto do statu quo quanto da utopia revolucionária. A candidata, aliás, não tem feito concessões à visão de um modelo socialista, de par com a volta clássica às rupturas internacionais e à declaração de guerra à economia global, e ao que continua, do acordo de Washington.Da mesma maneira, a senadora satisfaz o conservadorismo mais atilado na bofetada que inflige ao presidente e a violência da crítica petista. "Só não me mate" é o grito em que o PSOL se quer ver como o castigo do PT confrontando a reeleição de Lula e a prática efetiva da mudança. Por outro lado, o dr. Alckmin não deixa dúvidas quanto ao bem comportado dos seus reformismos, na definição mais complacente do que possa ser um centro, sem causar mossa, nem susto ao cisco de votos do pefelê e do tucanato.Dentro da inércia que parece tomar conta do avanço das preferências eleitorais, reduz-se a dúvida, de ainda uma quinzena, de se chegaríamos a um segundo turno para a vitória do presidente. É claro que o voto de Heloísa Helena se embarrica nas classes A e B, de expressão numericamente reduzida no quadro de massa do eleitorado brasileiro. E o voto que tem não se transfere naturalmente para o PSOL que ameaça sobrar na cláusula de barreira e submergir na condição ainda de partido nanico, com menos de 5% do eleitorado. É o mesmo contraste que define hoje a posição de Lula, cuja avalanche de votos vai à vitória sem ao mesmo tempo consagrar, como em 2002, o PT como partido dominante de um novo situacionismo. A legenda não assumiu a indigitada culpa do mensalão purgando-se ou modificando os seus quadros, ou aceitando uma proposta de refundação. O resultado será cada vez mais a vitória de Lula sem o PT e enfrentando todo um novo mosaico de partidos para o comando do Congresso, no qual avultará, sem dúvida, a importância do PMDB.De toda forma, o segundo mandato põe em questão este fundo de apoio irrestrito ao presidente, e ao seu eleitorado de fé, inabalável. Continua na plataforma dos 33% do País que reiterará o seu voto em Lula. Não se abalou com o mensalão, nem com as cargas do moralismo onde o statu quo tentava quebrar a era inaugurada pela vitória incisiva do petista. Este eleitorado é o de todo aquele Brasil ainda da marginalidade básica que se mantém no umbral do mercado e do acesso ao emprego e à melhoria de renda. O enorme peso dos desmunidos, por sua vez, não se confunde com o proletariado, de onde saiu a primeira matriz sindical do PT. A vitória de 2002 se fez com estes dois eleitorados, a que cumulou um enorme setor da classe média tentada pelo "Lulinha paz e amor", e pela chance de um governo diferente, ainda que não necessariamente mudancista.Todo este setor soçobra, agora, na nova opção eleitoral para a Presidência, sem, de fato, atingir os segmentos de base, responsáveis pela nova vitória de Lula. O que é mais importante, entretanto, é o quanto este Brasil da marginalidade manteve a sua esperança, mesmo se não obtivesse o prêmio esperado da entrada no mercado de trabalho, e na garantia do emprego que lhe permitiria somar-se às classes sociais e aos sindicatos no país. Receberam o toque, entretanto, da mudança decisiva e da ruptura da inércia, pelo acesso aos serviços sociais imediatos e ao ingresso nos benefícios da educação, e, cada vez mais, da saúde. O Bolsa-Família refletiu esta nova realidade e, por ela, o ganho de uma sensação de mudança e de acesso social, independentemente da perspectiva clássica em que se deveriam realizar a primeira esperança do destituído.O apoio a Lula vai, por isso mesmo, independer das taxas pífias de aumento de emprego, vindas ainda do começo do mandato. Mas tal se o entendermos como a garantia de carteira, já que o salário informal se expandiu em condições surpreendentes, e remunera a mão de obra saída de vez do descarte social. Ou mesmo, em larga parte, do biscate como sua melhor fortuna.Não sabemos ainda até onde o extraordinário sucesso do Bolsa-Família, nos seus 11 milhões de contemplados, teve um efeito de irradiação que leva a confiar numa nova etapa de mudança. Ou de se o sucesso já alcançado define o novo e surpreendente estado de satisfação social, capaz de renovar o mandato do presidente. É, talvez, nesta vertente que se assenta a solidez do novo governo. E os caminhos inventivos para atender a esse seu eleitorado particular que lhe dá outros prazos de sucesso e paciência nos resultados. Sobretudo abre para consolidação do "Lula lá" expectativas diversas das predições de colapso, do agouro das oposições ou dos moralismos de capa e espada.

  • Poder aquisitivo

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 02/08/2006

    Os governantes, em geral despreparados, continuam convencidos de que tudo podem. É quando o poder se torna obra de "ficção"TODOS MAIS ou menos sabem o que o poder pode. Poucos, o que o poder não pode.Não pode, por exemplo, subtrair, privilegiar uns em detrimento de outros, falsificar resultados, divulgar estatísticas fantasiosas, privatizar o espaço público, deixar de fora esses pré-requisitos. Ao cultuar a auto-estima excessiva ou o despreparo exagerado, ele habita feliz a sua ilha de fantasias.

  • Tupi or not tupi

    Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), em 01/08/2006

    Quando muito jovem tive enorme curiosidade - que depois se transformou em entusiasmo - pela língua tupi, o que me levou a estudá-la. Era o tempo em que as idéias da Semana de Arte Moderna ainda não tinham 20 anos e a frase de Oswald de Andrade, "Tupi or not tupi", ainda significava alguma coisa.

  • Declaração de voto

    O Globo (Rio de Janeiro), em 30/07/2006

    Devo admitir que ando um pouco nervoso, com essas eleições que vêm aí. Há várias razões para meu estado de espírito, algumas das quais, suspeito eu, meio disfarçadas até para mim mesmo, tanto que nem consigo formulá-las direito. Em momentos inesperados, entro num estado aproximado do que leio descrito como síndrome do pânico — a sensação de uma iminência sinistra cujo teor exato desconheço, mas que me assusta. Tenho que parar e fazer uma autolavagem cerebral, remoer umas filosofias baratas sobre a fugacidade da existência e lembrar que não adianta nada ficar nervoso, porque o que tiver de acontecer acontecerá e em bem pouco ou nada posso influenciar o futuro.

  • Sobre o passarinho Mario Quintana

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 29/07/2006

    Convidado pela ABL para falar sobre o centenário de nascimento de Mario Quintana, o professor gaúcho Sergius Gonzaga veio de Porto Alegre e, em sessão coordenada pelo acadêmico Moacyr Scliar, discorreu na Sala José Alencar, para um auditório repleto e atento, sobre a obra do grande poeta que, infelizmente, não pertenceu aos quadros da Academia.No correr da sua história, a ABL viu-se obrigada a escolher, em determinadas eleições, entre grandes figuras da literatura brasileira. Mario Quintana concorreu em três ocasiões à ABL nos anos 80, mas as razões eleitorais da Instituição não lhe permitiram alcançar os vinte votos necessários para ter direito a uma poltrona.Em que medida este fato alcança a sua imortalidade? Em nada. A glória que fica, eleva, honra e consola não é privilégio dos quarenta. Grandes nomes da literatura brasileira ausentes do Petit Trianon podem ser contados às dezenas, sem que essa circunstância nem de longe alcance o valor da obra reconhecida pela crítica e pelo público.Este é, sem dúvida, o caso de Mario Quintana. E quando lembro seu verso "enquanto os outros passarão, eu passarinho", penso que talvez tenha sido melhor assim. Quintana passarinho necessitava de mais espaço para o seu vôo, hoje e sempre a encantar todos os que, ao passar pelo efêmero da vida, descobrem a essência da obra imortal.

  • Ganhamos a Copa

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 28/07/2006

    A catástrofe na Alemanha marcou pontos inéditos no sentido do amadurecimento da cultura brasileira. Delineava-se, de saída, o pior presságio sobre o desabar da auto-estima nacional, pelo horror da derrota ante a França, e seu impacto sobre o paísão colado na TV. De repente, não mais que de repente, nos soltamos do fantasma. Não era o Brasil que estava em campo, mas um bando de profissionais mastigando o hino, dispersos em toda série de clubes bilionários da afluência européia. Ou a pedir já o passaporte estrangeiro e ir à lobotomia da lembrança nacional.O Dunga que ora vem à nova seleção é claramente de uma virada de página diante dos facilitários da glória com que buscamos de maneira tão pomposa o hexa. É um Brasil que volta sem empáfia à confiança no que seja o seu futebol e os valores de começo, fora do eterno retorno dos bonzos gordos do Real Madrid ou do Barcelona. O futebol não saiu da tela interna dos brasileiros, e aí está a fiabilidade sadia com que nos debruçamos sobre os campeonatos e o despertar de novos craques.Não se abalou de forma alguma a confiança interna de que continuamos intactos no sentimento de melhores do mundo. E mal nos demos conta dos estoques de guirlandas, fogos, impressos, camisetas, pendões antecipados para a festa-monstro da vitória em Berlim. As guirlandas de rua continuam nas ruas do país. Não se as retira no desencanto, mas aí ficam à chuva e sol na certeza última de que a equipe de Dunga vai à sua verdade em 2010.Não nos demos conta, e é fenômeno estourando após a última Copa, do distanciamento objetivo que as nossas estrelas assumiram, diante do país das peladas de origem, frente aos deslumbres do dinheiro europeu à compra dos nossos astros brasileiros. Nenhuma outra equipe pôde entremostrar 22 dos 23 jogadores, todos craques europeus, e alguns já prazerosamente acenando a nova binacionalidade.

  • Óleo de copaíba neles

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 28/07/2006

    A Câmara de Representantes (de deputados) dos Estados Unidos aprovou uma moção estranha e preocupante, que pede a criação de uma força tarefa, da qual participariam os EUA, na Tríplice Fronteira Brasil, Paraguai e Argentina. Há muito se especula que ali está um possível braço da Al Qaeda, por mais que todas as vigilâncias e realidades apontem para nada existir.

  • A universidade brasileira

    A Gazeta (Vitória - ES), em 28/07/2006

    O ensino superior está em crise – e das mais sérias da minha longa carreira de educador.Chegamos com distorções variadas a cerca de 5 milhões de universitários, número que nos deixa atrás de nações próximas, como a Argentina, o Chile e o México. Temos cerca de 17 mil cursos, 67% dos quais destinados a formar para profissões regulamentadas. A vontade oficial de controlar tudo (ou quase tudo) é tamanha que, no recente decreto-ponte do Ministério da Educação, utiliza-se diversas vezes a palavra "catálogo", o que é inusitado em documentos desse gabarito. Catálogo tem características de tempo curto, de retrato efêmero de uma realidade, não pode ser levado a sério.Pensa-se pouco no conteúdo da educação, sendo comum jovens chegarem ao diploma salvador sem os mínimos conhecimentos básicos, especialmente em História, Literatura, Ciências, sem nos aprofundarmos na tragédia que representa, pelos seus resultados, o desconforto com que é tratada a Língua Portuguesa. Quantos advogados falham primariamente na elaboração de um parecer? Tudo ocorre em função da volúpia da formação profissional de qualquer jeito, quando isso não é mais tolerado no mundo desenvolvido. Defendemos a existência de um bom preparo humanístico e tecnológico, necessariamente nessa ordem, para inserir o país na Sociedade do Conhecimento. Por enquanto, a caça ao diploma, a qualquer preço, empolga a comunidade universitária. Ainda não existe uma percepção bem clara de que as coisas estão mudando, os jovens querem cursos mais curtos, exigem melhor ensino enquanto vêem sua poupança definhar. Preenchemos as vagas dos filhos das classes A e B. Agora, é a vez dos desprovidos de recursos financeiros, característica das classes C e D. São os interessados no ensino superior, mas que não podem pagar mais do que 300 reais de mensalidade.Com a natural conformação dos tempos, as escolas superiores privadas, que correspondem a 75% do total, sujeitam-se ao fenômeno do mercado. Reduzem os preços e, conseqüentemente, a qualidade do ensino, pois recrutam professores menos qualificados, em geral sem mestrado e doutorado. Caímos em pleno círculo vicioso. O governo exige melhor qualificação dos mestres, para isso tem o respaldo da LDB, mas a realidade é outra. O recrutamento dos professores se faz sem os devidos cuidados, pois não há recursos para pagar adequadamente. Vive-se hoje uma aguda crise financeira, de um lado sacrificando o empenho das escolas oficiais, cansadas dos recursos minguados e de uma interpretação equivocada do que seja o conceito universal de autonomia. De outro lado, a perplexidade das escolas privadas.O decreto-ponte do MEC não corrige esses pontos, preocupando-se mais com o destino do PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional) e uma discutível divisão interna de atribuições burocráticas, sacrificando as funções do Conselho Nacional de Educação, ora transformado em fórum de discussão dos nossos magnos problemas. Ou seja, virou figura de retórica.

  • Heloísa Helena ganha em Ipanema

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 26/07/2006

    A surpresa da subida eleitoral de Heloisa Helena não engana quanto ao recado desse voto, nem de como repercute o balanço final da escolhas de 1° de outubro. É uma escolha que mobiliza brasileiros de ganho acima de cinco salários mínimos e vai, portanto, atingir já a base das classes médias e dispara nos setores abastados da população. É o voto de protesto, somado ao de desencanto que desmonta parcela do eleitorado bem que, em 2002, deu uma chance a Lula. Seu contingente, que já vai a 10% dos eleitores, e pode até superá-lo, teve a função fundamental de frear o voto nulo no país. Neste aspecto, o crescimento do PSOL reduz a passagem do desânimo ao cinismo, e mantém um coeficiente de cidadania ativa, sôfrega de resultados e punições.