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Artigos

 
  • A Copa, de vez, sem deuses

    Os melhores cálculos retificam que mais de 1 bilhão de pessoas, coladas às televisões ou às telas públicas, presenciaram o desfecho da Copa do Mundo. Jogaram os países com a sua auto-estima, diante das surpresas em campo, nunca a por tanto à tona o brio das nações que entravam no gramado. Os finalistas provaram na carne o quanto as equipes podiam mudar até a visão política dos governos nas suas crises imediatas. O mau desempenho inicial do time de Domenech viu-se como metáfora da crise do Ministro Villepin, mas o país saiu do marasmo cada vez mais ao se referir à “equipe de France” e ao desempenho extraordinário da sua segunda fase. A Itália esqueceu o impasse das maiorias milimétricas do seu governo e o sucesso final é de uma retomada única de confiança no futuro.

  • Torcedor e candidato

    Este atravessar junho-julho tem sido um tempo de sofrimento. Para o povo brasileiro, a provação de ver a seleção de ouro tornar-se pó sem fazer uma partida que pudesse lembrar de leve o brilhante futebol brasileiro, que encantava a todos nós e fez fama e escola pelo mundo inteiro. Os "experts" -e eu não sou nem de leve um- dizem que tínhamos excelentes jogadores, mas que não tínhamos equipe. Para mim, é um paradoxo, mas, para os entendidos, faz sentido. Até torcedor sou contido e, às vezes, relapso em assistir às partidas de maior impacto.Mas ao nosso sofrimento juntou-se o de espanhóis, alemães e portugueses, para não estender a lista -restando a perspectiva da coroa final da glória a França e Itália. Ao vencedor, repitamos Machado de Assis, as batatas.

  • O beijo dos Mindlin

    Naquela tarde, José Mindlin fora consagrado por uma votação unânime para a cadeira ocupada anteriormente por Josué Montello na Academia Brasileira de Letras. Tradicionalmente, como sempre acontece após as eleições, ele estava convidando os seus confrades para comemorar a vitória e a perenidade acadêmicas.

  • Uma família

    A contribuição da presença, no Brasil, de imigrantes da Rússia, da Polônia e outras regiões da Europa de população predominantemente judaica, foi de tal maneira que nos é possível hoje termos toda uma bibliografia sobre eles e seus descendentes em vários setores da vida brasileira. São brasileiros como Clarice Lispector, como os Bloch (Adolpho e Pedro), como os Niskier (Arnaldo, Odilon e Celso), como os Scliar (Moacyr e Carlos), como os Sauer e como tantos outros que nos ajudaram a criar o Brasil de hoje.

  • Incentivo

    Um determinado mosteiro atravessava tempos difíceis. Ninguém queria ser noviço. Os antigos monges tinham morrido. Apenas cinco deles ficaram no imenso edifício. Desolados, procuraram um sábio e lhe contaram suas dificuldades. “Que pena”, respondeu o sábio. “Porque um de vocês está destinado a ser santo”. Os monges voltaram espantados. Seria aquele irmão que sempre ajudava nas dificuldades o tal santo? Seria o outro, que rezava sem parar? Os monges passaram a se comportar da melhor maneira possível. Aos poucos, a gente da cidade começou a notar o entusiasmo e a devoção daqueles velhos. Um jovem pediu para acompanhá-los. Outros fizeram o mesmo. E, graças ao comentário do sábio, o mosteiro recuperou a dignidade perdida.

  • O exemplo de JK

    Ainda acho que a provável reeleição de Lula, já no primeiro turno, se deva mais à desorientação ou fraqueza dos demais candidatos. Falta-lhes uma idéia básica e aglutinadora, um programa de metas, como o de JK quando eleito, em 1956. Reuniu equipe de técnicos, elaborou um roteiro que sacudiria o Brasil e cujos resultados até hoje desfrutamos.

  • Relendo Machado de Assis

    As versões dadas ao narrador e também protagonista das Memórias Póstumas de Brás Cubas são várias e chegam a desnortear o leitor dessa obra inesgotável de Machado de Assis. Três versões, pelo menos, vêm mostrando notável capacidade de resistência. Tento retomá-las na expectativa de perceber até onde poderiam captar aspectos significativos de um dos romances mais originais de nossa literatura.

  • O caminho da santidade

    O conceito de santidade ocupa um lugar definido no modo como são julgados os representantes da raça humana que hajam conseguido abandonar o natural egoísmo que nos cerca a todos os que da terra viemos e a ela voltaremos. E o sentimento geral de devoção que é a eles dedicado faz parte da história de cada recanto do mundo habitável. Os santos de cada região são lembrados, reverenciados, suas histórias são contadas e repetidas, de tal modo que uma estatística aponta, para São Francisco de Assis, por exemplo, um número considerável de milhões de livros, orações, lembranças, igrejas que, nas mais variadas partes da terra, lembram sua presença e sua poeticamente santa existência. 

  • Vida e memória em ação

    Romances, poemas, ensaios são feitos com palavras. E estas, as palavras, descansam ou se agitam na memória. Quando se diz que a memória é a base de qualquer história - ou poesia, ou depoimento, ou análise, ou previsão, ou prédica, ou declaração de amor - é porque na palavra repousa tudo o que o tempo colheu e guardou. O passado como que espera na memória pela hora de sua ressurreição. Daí o poder dizer-se que todo livro é um produto da memória, seja qual for sua classificação técnica do ponto de vista literário.

  • Um surrealista brasileiro

    Nesta vida agitada de ler livros e mais livros, principalmente brasileiros, dos que possam elevar nossa literatura a nível mais alto - e a nós mesmos, como leitores, a um plano maior de entendimento - encontramos de vez em quando obras que abrem caminhos.

  • A batalha do bom senso

    Há uma generalizada reclamação, no Brasil, de que as nossas crianças estão chegando à quarta série do ensino fundamental sem os adequados conhecimentos das propriedades de ler, escrever, contar e raciocinar com autonomia. Isso traz reflexos em toda a carreira da aprendizagem. Gostaria de defender uma tese: é possível que isso seja decorrência dos processos adotados de alfabetização em nossas escolas, especialmente as públicas. Há 25 anos que a criatividade tropical inventou o "método Piaget", batizado de construtivismo, quando na origem o autor suíço produziu uma teoria - e não um método.Repetidas vezes temos denunciado o fato, com variada repercussão. Ora recebemos aplausos, ora somos criticados, como aconteceu, na Baixada fluminense, quando a maioria das professoras presentes a uma conferência quase se revoltou contra as nossas idéias. "Que coragem de criticar Piaget" repetiram as simpáticas mestras, quando não era esse o caso. Piaget deve ser sempre elogiado por sua educação pela inteligência, mas daí a virar método de alfabetização é um grande equívoco.Encontramos a professora Zoé Noronha Chagas Freitas, que se debruça há muitos anos sobre educação infantil. Foi uma pioneira na educação artística, ao lado do pintor Augusto Rodrigues. Discípula da genial Helena Antipoff, não concorda com a adoção do método global (construtivista) e confirma que as crianças, nesse caminho, decoram uma frase e repetem até a quarta série, sem conhecer o seu exato significado. É francamente favorável ao método silábico e aponta o que está ocorrendo na França, onde há uma vigorosa virada de perspectivas, depois de ter ocorrido o mesmo na Inglaterra, como pôde verificar.O ministro Gilles de Robien, no início de 2006, como registra a revista Le Figaro número 1318, publicou uma circular, impondo o retorno do bê-á- bá, na aprendizagem da leitura. Não trata da escrita, nem da gramática, da ortografia ou do cálculo. Ele prioriza a "batalha do bom senso", mais oxigênio na educação francesa, com a adoção do método silábico, que concretamente produz resultados apreciáveis a partir de três meses de uso. Voltamos a Helena Antipoff para lembrar o que hoje repete D.Zoé: "Obrigar a criança a aprender a ler só por um método é não aceitar as suas diferenças." Essa volta também está ocorrendo nos Estados Unidos.Retomamos as palavras do ministro Gilles Robien, hoje com grande popularidade entre os pais de alunos franceses: "As pesquisas sobre o funcionamento do cérebro determinaram a minha decisão. Por que a maior parte dos países utiliza o método silábico? Não é impossível aprender a ler com o método global, mas há uma clara preferência pelo silábico. Deixar os alunos irem adiante sem saber ler é condená-los à exclusão."Afirmando que "a nostalgia não é o fermento do meu ideal", o ministro francês (não esqueçamos, é língua latina) está estimulando os professores, no seu ofício apaixonante, a produzir materiais silábicos ou fono-sintéticos, no que já se empenham as grandes editoras do país. Só falta mesmo saber quando o Brasil caminhará nesse sentido, com bom senso, mesmo que preservando o seu estilo descentralizado e mais livre de agir, no que se refere aos fatos da educação.

  • Zorra Total

    Quando ninguém se entende, com quem fica a razão? Em pleno mês de junho de 2006, o presidente Lula decidiu enviar novamente ao Congresso Nacional o projeto de lei da reforma universitária. Sem grandes modificações em relação à castigada versão do MEC e também com uma estranha recomendação: para ser examinada sem pressa, ou seja, com a convicção de que não é para ser votada num ano eleitoral. Vai dormitar em algumas gavetas das comissões da Câmara.De todo modo, cabe um comentário sobre o documento, que não é exatamente um complemento ao chamado "decreto-ponte" há pouco trazido a lume pelo Ministério da Educação. Confirmamos o comentário feito em conferência na Associação Comercial do Rio de Janeiro: ele é inoportuno, cheio de lacunas e perigosamente omisso em relação à autonomia universitária, especialmente das universidades federais. Até hoje não se pôde entender exatamente a razão da sua existência, a não ser que seja para marcar, com tinta forte, que ninguém se entende sobre a matéria, nas diversas instâncias do governo federal. Se o projeto de lei estava pronto para subir ao Congresso, para que um incompreensível decreto-ponte? É estranhíssima essa terapia ocupacional, enquanto os grandes problemas nacionais relativos ao ensino superior permanecem como desafio imbatível.O projeto de lei, na sua quarta versão, cortou as polêmicas cotas para a rede pública. É certo que existe outro projeto tramitando na Câmara dos Deputados a respeito do assunto, mas aí se caracteriza bem a colcha de retalhos em que se transformou a educação brasileira, com tiros em todas as direções. Enquanto isso regrediu, o que nos parece uma barbaridade foi mantido: de todos os recursos financeiros do MEC, nada menos de 75% serão destinados ao ensino superior. Não se fala em aumento de percentuais para a educação como um todo, mas numa nítida despreocupação oficial com a educação básica, que ficaria à mercê de Estados e Municípios combalidos. Onde fica a lógica? Parece mesmo configurar um tempo de zorra total.Mantém-se a lista tríplice nas eleições para reitor, cabendo a escolha final ao presidente da República, no caso das instituições oficiais. Tirar o primeiro lugar, na decisão soberana da comunidade, de nada adianta. O tema continuará escandalosamente politizado, como é hoje, de pouco valendo o que se entende por mérito. Como a confusão é um estilo, o projeto estima novas regulamentações para a oferta de cursos e a abertura de instituições de ensino, nessa babel criada agora pelo decreto-ponte, que só conseguiu um resultado concreto: desmoralizou o Conselho Nacional de Educação, atribuindo-lhe papel secundário naquilo que foi durante tantos anos a razão principal da sua existência.São 58 artigos que estarão em discussão no Congresso, com o propósito caricato de "democratizar, garantir o financiamento, ampliar o acesso e qualificar as universidades brasileiras". Seria uma espécie de marco regulatório do ensino superior com uma incrível novidade: até 30% das nossas instituições poderão pertencer a organizações ou pessoas físicas estrangeiras.Há exigências de mestrado e de doutorado e prevê-se a participação da sociedade civil nos órgãos colegiados, ainda que de forma obscura. Enfim, o texto ensejará muito pano pra manga.

  • Europa sob medida para Bush

    Nunca se vira, até os 2 x 2 contra o Togo, um mal-estar da França com seu time na Copa, numa verdadeira metáfora do clima de pessimismo e incertezas que rondaria, neste momento, o próprio futuro do país no grande horizonte europeu. Claro, o gol de Zidane contra a Espanha abriu nova clareira. Mas a lamentação inicial do povo francês contrastava com a incrível mobilização alemã, que não joga só no próprio chão. Faz destas partidas, inclusive, o símbolo mais exuberante deste país que, de vez, superou a dificuldade, de mais de uma vintena, em absorver o seu Leste, empobrecido durante toda a Guerra Fria. O desencanto francês inicial, passando do jogo à política, deflagrou-se na vindita única do Primeiro Ministro Villepin, apostrofando o líder socialista Xavier de Holande, e acusando-o, sem rebuços, de covardia, senão de desonestidade política.Era como um último desabafo final da frustração continuada em que o governo, desde a queda da lei de facilitação do primeiro emprego, vem tornando sombria a sucessão de Chirac, e, de vez, a truncar toda a esperança do seu atual Chefe do Executivo. Villepin troou na Assembléia, em Paris, meneios da juba, olhar poderoso, todo aplomb do delfim do regime, ainda há um ano, seguro no savoir faire de futuro, mesmo fosse o único pretendente sem ter merecido, como parlamentar, uma prévia sanção dos turnos. . Seu antecessor, Raffarin, não lhe poupa crítica, do quanto os gestos de Narciso, somados à vitalidade da tribuna, deixam-no à exposição dos adversários, e ao jogo demasiadamente ostentatório para ganhar, de fato, a liderança do machucado situacionismo francês.

  • Democracias e eixos do mal

    O meio do ano desarma as perspectivas críticas da estabilidade mundial, avivadas desde o começo do ano pela vitória do Hamas na Palestina, às primeiras declarações de Ahmadinejad de ameaça de confronto nuclear com os Estados Unidos. Mas venham-nos as boas novas inesperadas pela aposta direta no próprio jogo da persuasão e da democracia quanto aos jogos feitos da hegemonia e a fatalidade dos proclamados abates dos "eixos do mal". De saída, pelo tino de estadista do Presidente Abbas, no veio de Arafat, entendendo o quanto à força das eleições só se sobrepõe a da consulta plebiscitária à população. A vitória do Hamas em eleições indiscutíveis e fiscalizadas pelas Nações Unidas trazia ao poder a facção sofrida pela luta anti-Israel e a ganhar votos após o desgaste do partido de El Fatah, mantendo-se no embate crônico com o governo de Jerusalém.À força da mudança seguiu-se o da consolidação, pelas próprias regras do jogo, destas maiorias inesperadas vindas ao poder, e mantendo de saída a nova radicalidade do confronto com Israel. Venceram-se as pressões externas contra o governo, a eliminação dos subsídios a partir dos Estados Unidos,ao risco até da queda da máquina burocrática da Palestina e seus 165 mil funcionários. Demorou, por outro lado, o atendimento da promessa dos países árabes,em pagar a conta deixada em aberto pelo Ocidente. Mas a pertinácia do respeito às instituições sob a inaudita pressão da hegemonia do Salão Oval vem agora, pertinaz, de pagar os seus frutos. À democracia, mais democracia. E dentro de semanas o povo da Faixa de Gaza vai responder ao plebiscito para confirmar, ou não, o propósito radical do governo eleito há um semestre.É embalde, aliás, que, revelando a sua afoiteza de chegada ao poder, o Hamas considere que o seu eleitorado já resolveu a questão, não adianta voltar às urnas. Ao contrário, as primeiras sondagens de opinião mostram que 77% deste mesmo eleitorado vão ao plebiscito com a gana da paz e com a dissuasão de soluções violentas para a desocupação do colonato de Israel ou do reacerto das fronteiras com o vizinho.A democracia mostra o quanto é o único caminho para responder ao nervo de uma tensão social e que esta de fato é vista com senso comum pelo povo muito mais do que com as elites comprometidas com o jogo paroquial de poder. Com o apoio já pressentido Abbas deverá conduzir o seu tino político à conciliação da convivência, de vez, com Israel e adaptação do Hamas à realpolitik e à possível virada de página do mais pertinaz e contundente dos conflitos internacionais de nossos tempos.