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Artigos

 
  • A hora de pagar

    Certa vez,li as revelações de um ex-deputado que teria recebido o auxílio de alguns milhares de dólares para a sua campanha eleitoral. Através de telefonemas gravados, ficou revelada a mecânica dessas contribuições. O candidato ao Congresso queixava-se ao seu maior, no caso o candidato à Presidência, de que estava sem verba para azeitar a sua própria campanha, que garantiria 30 mil ou 40 mil votos para a eleição do novo presidente da Repúbüca. Recebeu a promessa de uma ajuda. Dias depois, o tesoureiro-chefe do partido comum, o indestrutível homem da mala, discutiria o "quantum", estabelecendo as prestações semanais, fazendo uma única exigência: o destinatário deveria procurar um empresário de multinacional para agradecer a colaboração, mas sem entrarem "detalhes". Tudo feito à risca, o candidato agradeceu os dólares e os recebeu a tempo de lubrificar a própria campanha. Da dívida ficou a dúvida: ele, candidato, recebeu a doação de alguns milhares de dólares, agradeceu "sem entrarem detalhes"e logo suspeitou de que estava agradecendo a doação de 1 milhão de dólares, embora só tenha recebido 100 mil.

  • Aprendendo a conviver com a morte

    Numa semana que teve em seu início o Dia de Finados a pergunta até que cabe: como aprendem os médicos a conviver com a morte? De forma gradual, é a resposta. Coisa que constatei por experiência própria. Nosso curso começava, classicamente, com a disciplina de anatomia. Depois de algumas aulas teóricas, fomos um dia levados para o necrotério da faculdade, que ficava no andar inferior do prédio da Rua Sarmento Leite. As portas se abriram; sobre as mesas de alumínio, estavam cerca de 20 corpos, rígidos, à nossa espera. O cadáver que tocou a nosso grupo era o de uma mulher, ainda jovem, fisionomia inexpressiva. Muitas vezes interroguei-me a respeito de quem, afinal, teria sido essa pessoa; mas nunca consegui pensar nela como um ser humano, mesmo porque, preservado pelo formol, o cadáver adquiria uma aparência de coisa sintética. Algo, se não benéfico, pelo menos pragmático: à entrada do necrotério, bem poderia estar inscrita uma paráfrase de Dante: “Deixai de lado todas as emoções, ó vós que aqui entrais, e pensai exclusivamente no aprendizado da profissão.” A morte agora tinha penetrado em nossas vidas e delas não mais sairia. Na fase clínica do curso estagiávamos na Santa Casa, onde casos graves eram a regra. Muitas vezes chegávamos de manhã e víamos, sobre o leito que até a noite anterior havia sido ocupado por nosso paciente (uma pessoa com a qual não raro estabelecíamos laços de amizade), o colchão enrolado. Cena tão eloquente como desanimadora. Como desanimador, apesar de instrutivo, era proceder à necropsia desses pacientes. Obedecendo a uma necessidade interior, íamos construindo nossas defesas contra a angústia, resultantes do conhecimento técnico e científico, que condicionava nosso modo de pensar, e até o de falar, o jargão médico: “Ele fez um edema agudo de pulmão...” Ele fez: era o paciente que tinha feito o edema agudo de pulmão, o seu corpo. Desse corpo era a responsabilidade do óbito que aliás raramente presenciávamos. A mim, particularmente, o momento da verdade chegou quando eu já era residente em Medicina Interna. Uma noite atendemos, no Hospital São Francisco, uma mulher que havia sido internada por grave insuficiência renal. Seu estado era absolutamente desesperador, e ali estava o grupo de médicos lutando para salvar a pobre criatura. Esforço inútil porque, como previsto, a paciente acabou morrendo. Curvado sobre ela, presenciei o momento exato do óbito: o relaxamento da musculatura facial, uma súbita e impressionante palidez, e pronto, a vida a deixara, dissolvera-se nas trevas da noite lá fora.

  • O novo livro de Scliar

    Leitor compulsivo até os 40 anos, lendo tudo o que podia e não podia, comecei a esmorecer quando meti na cabeça que eu próprio podia escrever livros. Nos últimos tempos, prefiro reler - daí que não estou atualizado com a literatura que agora se fabrica. Mesmo assim, tive um momento de verdade ao ler o último romance de Moacyr Scliar, 'Eu vos abraço, milhões'.

  • Monteiro Lobato

    Monteito Lobato foi um notável escritor.Seus livros, que primam pela imaginação e pela visceral ligação ao modo de ser brasileiro, fizeram a cabeça de muitos leitores, entre os quais  me incluo. Mas ele não estava imune aos estereótipos de seu tempo.Uma nota do Conselho Nacional de Educação (CNE) aponta referências consideradas desrespeitosas em relação aos negros, do livro Caçadas de Pedrinho (1993).

  • Literatura & medicina

    O próximo dia 20 assinala o centenário de falecimento de um grande escritor, o russo Leon Tolstói, autor de obras primas como Guerra e Paz e Anna Karenina, romances monumentais. Mas Tolstói também escreveu textos mais curtos, e entre eles está A Morte de Ivan Ilitch, por muitos críticos considerada a novela mais perfeita da literatura, uma história que deveria ser lida por todas as pessoas e, em especial, por médicos e estudantes de medicina (há uma excelente edição de bolso da nossa L&PM). Conta a história de Ivan Ilitch, membro do judiciário de São Petersburgo, uma história que, sabemos pelo título, terminará com a morte do protagonista. Mas isto não é importante. Importante é a vivência da enfermidade que, para o arrogante Ivan Ilitch, se constituirá num suplício pior que o da própria agonia. Gravemente doente, Ivan Ilitch consulta médicos que o atendem de forma distante e autoritária, a tal ponto que, numa das consultas, ele se sente como um réu diante do tribunal. Colegas e a própria família também o tratam de maneira indiferente, quase hostil. A única pessoa que o ampara é um empregado, um camponês semi-ignorante que, no entanto, se compadece do sofrimento do patrão e procura ajudá-lo. Ivan Ilitch descobre que sua vida foi despida de sentido, que suas relações com outros seres humanos eram superficiais. Somente um profundo conhecedor da alma humana como foi Tolstói seria capaz de, em poucas páginas, resumir de maneira tão fantástica o drama da existência diante do fim próximo. Particularmente importante é a questão da relação médico-paciente. Naquela época, a medicina ainda não tinha chegado à sofisticação tecnológica que hoje é a regra e que aos poucos vai deslocando os aspectos humanos da prática médica. Neste sentido, podemos dizer que Tolstói foi profético. E esta é mais uma razão para lê-lo. O dr. Carlos Alberto Feldens, do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Ulbra, viu sua tese de doutorado sobre alimentação infantil e cáries ser agraciada com o Prêmio Capes para a melhor tese de doutorado em Saúde Coletiva/Saúde Pública/Epidemiologia do Brasil. E o dr. Mario Leyser, comentando o texto sobre a carência de pediatras no Brasil, diz: “O pediatra, na cabeça dos responsáveis, fica em plano secundário porque falar sobre as vantagens do leite materno, mamadeiras, vacinas, cuidados mínimos, alimentação adequada ou prevenção das doenças, isso não dá prestígio.” 

  • A memória que falha

    Estou ficando cismado comigo mesmo. Todos os dias, leio nas folhas ou na internet que os suspeitos de corrupção têm um ponto em comum: todos, sem exceção, invocam o passado de lutas contra o arbítrio, a ditadura, a repressão. Numa carta em que explicou os motivos do pedido de licença do cargo, um senador invocou o seu passado de combate ao regime militar. Nos tempos de FHC, que, como Lula, foi acusado de tolerar a corrupção, seus defensores argumentavam que eles eram perseguidos enquanto seus detratores de então estavam no poder. Impressionante o número de resistentes ao golpe de 1964. Puxo pela memória e constato que ela me trai. Pelo que me lembro, naquele ano foram poucos, pouquíssimos, os que reagiram contra o movimento militar. Mais tarde, em 1968, com o AI-5, o número aumentou consideravelmente, mas coube todo nas celas das PMs e dos DOI-Codis e nos aviões que transportavam os banidos. Mortos e feridos foram bastantes. Humilhados e ofendidos foram muitos. Mas a maioria, pelo que recordo e vejo nos livros e jornais da época, cruzava os braços e tratava de aproveitar o Milagre Brasileiro.

  • Globalização e diferenças emergentes

    A primeira década deste novo século nos mostra o seu passivo de espantos: a queda das torres de Manhattan; a sobrevinda de um terrorismo exasperado, até o martírio, pelos testemunhos vingadores de um reconhecimento coletivo sufocado; o retorno das teocracias, trazendo de volta o político ao transcendente; o recuo da cidadania diante do desfraldar migratório e da possível irrupção de novas "guerras de religião". Uma nova arquitetura da globalização está sendo desenhada, voltando-se, no longo prazo, às coexistências internacionais não hegemônicas e questionando esta expansão do multiculturalismo, " cujo imperativo da diferença se junta ao da liberdade, modelada pelo imperativo contemporâneo da democracia.

  • De volta, o PT

    A reação partidária do começo do governo Dilma aí está. Se a popularidade de Lula é de 84%, a militância petista não passa dos 37%. As coligações aliadas do governo já começaram com o descarte e o isolamento do partido de Lula. Ledo engano, entretanto, o de pensar-se que é das frentes parlamentares comandadas pelo PMDB que vai depender a iniciativa do novo Executivo. Dilma não precisa, para levar adiante o que herdou, de nenhuma legislação básica, de imediato, e sabe que a reforma tributária ou a eleitoral vai ser obra da maturidade do seu governo, e do avanço do desenvolvimento sustentado, que só necessita do próprio Executivo, no reforço já assegurado do PAC. O que importa, sim, é desencalhar o partido histórico, e retemperá-lo, nas suas fontes de origem, dos movimentos sociais. Deparamos o avanço alarmante do corporativismo sindical na entrega, praticamente, de um Ministério a cada força trabalhadora, às vezes num clientelismo inquietante das retribuições do ganho eleitoral. E aí está a distância dos sem-terra, na interrogação que se dirige aos comandados de João Paulo Stédile, de saber se prosseguirão no sentido comunitário da reforma agrária, ou se se concentrarão no sucesso dos assentamentos, nesse empuxe social básico contra a marginalidade nacional.  

  • O bicho do Oriente

    Não sei por que associação de ideias, ao olhar e meditar sobre o imbróglio em que se meteram os Estados Unidos nas guerras do Oriente Médio, me veio à cabeça o "Manual de Zoologia Fantástica", de Jorge Luis Borges, livro em que repassa uma visão poética na construção dos animais imaginados, mistura de todos os que vivem com os que foram criados pela mitologia. Ele os compara ao que pensa um menino quando pela primeira vez freqüenta um zoológico e vê águias, girafas, bisões. Tudo aquilo tem uma aparência de fantástico e de misterioso.

  • O sucesso da Fliporto

    Não faltou criatividade à Fliporto, realizada este ano na ensolarada cidade de Olinda (Pernambuco), aliás considerada, com muita propriedade, "uma Jerusalém dos trópicos", tamanha a sua luminosidade. Com vários espaços muito bem montados, pela organização dirigida pelo escritor Antônio Campos, o público pôde se deliciar, por " exemplo, com a "lídiche Shul", reprodução de uma escola judaica, onde eram contadas muitas histórias sobre a presença dos judeus no estado de Pernambuco. Desde o período holandês até os nossos dias. A escritora Clarice Lispector, que nasceu na Ucrânia, passou toda a sua adolescência em Recife, que amava _ como se lá tivesse " nascido. Estudou na Escola Israelita e jamais deixou de cultuar, sobretudo na sua apreciada obra, os valores nos quais foi formada. A apresentação de "O olhar judaico na obra de Clarice Lispector" arrancou aplausos da enorme platéia do "Espaço Literário", onde foram realizadas as sessões principais. Uma das maiores atrações da Fliporto, a nosso ver, foi o dramático depoimento da escritora austríaca Eva Schloss, sobrevivente de Auschwitz. Apresentada e inquirida por Geneton Moraes e o acadêmico Moacyr Scliar, ela recordou seus terríveis pesadelos: "Preferi colocar no livro "A história de Eva" tudo o que vi e sofri, sem jamais perder a minha fé original." Mas faz um alerta: "Apesar do Holocausto e da insanidade que o cercou, ainda existe antissemitismo na Europa. Por isso, dedico a minha vida ao trabalho de educar." 

  • Casos especiais de uso do hífen

    Recebemos algumas perguntas sobre o emprego ou não do hífen em determinados casos especiais. Vamos responder a elas em conjunto por estarem mais ou menos relacionadas.Uma leitora nos indaga se os vários tipos de queijo (parmesão, por exemplo) levarão hífen, como aparece na tradição lexicográfica mais recente, bem como no Vocabulário Ortográfico da ABL, o tipo "queijo-cavalo". Nessa mesma tradição os diversos tipos de queijo comparecem seguidos de locução (queijo do reino, queijo de minas, queijo de soja) ou de adjetivos (queijo parmesão, queijo flamengo, queijo prato - isto é, da cidade italiana Prato, donde se tornou conhecido), todos hoje escritos sem hífen, em conformidade com o novo Acordo. Desta norma diverge o tipo "queijo-cavalo" com hífen, que cremos dever acertar o passo com seus irmãos congêneres e perder a grafia com hífen. Nada há nele que justifique essa exceção; portanto, "queijo cavalo". 

  • A guerra que não vai acabar

    Ao que parece, o ser humano (quase escrevo “serumano”, neologismo que, quem sabe, pode vir a ser adotado, pois outro dia ouvi na TV que um casal era “dois serumanos”) precisa, pelo menos de vez em quando, alterar sua percepção da chamada realidade, mexer com a própria mente e as emoções. Prisioneiro de seus cinco limitadíssimos sentidos, não consegue perceber, em condições normais, aquilo que suspeita ou sabe existir além deles. E quer sair da prisão, quer sensações que ordinariamente não estão a seu alcance. Outra necessidade, que corre paralela, é alterar o comportamento habitual e quem for tímido tornar-se extrovertido, quem for melancólico tornar-se alegre, a moça que hesita em dar resolver dar e assim por diante.

  • A moda dos braceletes

    É um mistério saber a razão pela qual certas coisas de repente se tornam moda, propagam-se rapidamente, são adotadas por milhões de pessoas e subitamente somem. Onde andam os bambolês, numa certa época verdadeira coqueluche entre crianças e adolescentes?