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Artigos

 
  • Gripe & Sonho

    Esta gripe está tendo desdobramentos inesperados, proporcionando até oportunidade para que os assaltantes usem máscaras, o que pode fazer bem para a saúde deles, mas é um desastre para o bolso dos assaltados. E, falando em desdobramentos inesperados, olhem só o que escreveu na Folha de S. Paulo o Carlos Heitor Cony, grande escritor, grande jornalista e grande amigo. O título é “Scliar e Bush”: “O Moacyr Scliar, como excelente médico sanitarista, me ensinou que devia lavar as mãos cuidadosamente, várias vezes ao dia, para evitar entre outros males a gripe suína. Não bastava lavar a palma, é preciso lavar as costas da mão, os pulsos, o espaço entre os dedos. Na noite daquele dia, sonhei que estava no banheiro do restaurante Alcaparra, no Flamengo, e lavava as mãos rotineiramente quando entrou, nada mais, nada menos, do que o presidente George Bush, pai. Ele começou a lavar as mãos, na pia dele não havia sabonete, pediu-me o que estava comigo. Passei-lhe o sabonete e ele lavou as mãos com esmero, seguindo os conselhos do Moacyr Scliar e silenciosamente me reprovando o fato de não ter feito o mesmo. O sonho terminou aí, mas passei o dia meditando sobre o insuportável destino humano, que faz um cidadão misturar o Scliar e o Bush pai na sequência de um mesmo sonho. Tenho certeza de que o Scliar não mantém qualquer tipo de relação com o ex-presidente. Penso no meu querido amigo Scliar, preocupado com a minha saúde e com a saúde da plebe em geral. Nunca pensei em Bush, nem no pai, nem no filho nem no espírito deles”. E termina o Cony: “Como fui misturar tudo isso num sonho que me obrigou não somente a lavar as mãos novamente, mas a alma, o coração e o gesto?”.

  • "Cosa mentale"

    Criaram a lenda de que ele escrevia com rapidez capaz de fazer um romance em 11 dias e crônicas em cinco minutos. Era em parte verdade, mas bastava uma olhada superficial na sua produção para avaliar o grau de sua incontinência literária. Uns pelos outros, tudo o que vinha dele tinha o sinal da pressa, até mesmo da afobação em ficar livre do compromisso com uma editora ou com um jornal.

  • Lembrança de Darcy

    Psicólogos de diversos tamanhos e feitios garantem que cada um tende a admirar pessoas e coisas diferentes de nós e das nossas. Acho que não é verdade, mas sempre admirei o finado senador e acadêmico Darcy Ribeiro na sua capacidade de perceber o cheiro das mulheres da Namíbia, lá do outro lado do Atlântico, que o meu amigo Alberto da Costa e Silva chama de rio a separar dois continentes.

  • O mundo de ontem

    Stefan Zweig, um grande escritor austríaco que teve muito prestígio na primeira metade do século passado e morreu tragicamente com sua mulher em Petrópolis, onde se refugiara durante a Segunda Guerra, cunhou a frase-título do seu livro Brasil, um País do Futuro, que deu lugar a um ufanismo igual ao verde-amarelismo de Oswald de Andrade, carro-chefe da Semana de Arte Moderna de 22.

  • "Sim, eu posso!"

    Parece uma tarefa quase impossível vender a ideia de que devemos nos empenhar seriamente na melhoria da qualidade do ensino superior. Colocar de lado velhos vícios trazidos pela cultura do magister dixit, que predominou (ou predomina) no Brasil durante tantos anos, fruto possivelmente da influência bacharelesca que recebemos dos nossos irmãos portugueses.

  • Enfim, uma fórmula salvadora

    HOJE ESTOU disposto a torrar todos vós com algumas considerações sombrias e insossas sobre a nossa estranha realidade social. Tudo começa, obviamente, com a crise do Senado, pasto de cenas que a mídia considera próprias de políticos desalmados, mas, na realidade, pertence à sociedade como um todo, onde se homizia a condição humana.

  • Mito e evidência

    Para muitas pessoas, e sobretudo para aquelas pessoas que estão doentes, o corpo humano é como a caixa de Pandora aquela que, segundo a lenda, continha todos os males do mundo. A alusão à mitologia grega, aliás, é mais que apropriada. O mito é uma narrativa fantasiosa que, no entanto, cumpre uma função: serve para proporcionar uma explicação para coisas que nos parecem obscuras, deste modo acalmando nossa ansiedade. Ora, doença é uma dessas coisas. A gente sabe que alguma coisa funciona mal em nosso organismo, mas que coisa é essa? Será grave ou banal? Como fazer para resolver o problema?

  • Eu tive um pesadelo

    Os entendidos garantem que, em política, tudo é possível. Os não entendidos, como eu, por estranha coincidência, garantem a mesmíssima coisa e nada os espanta na política, tanto na amadora como na profissional: tudo é possível.

  • Ainda há muito terreno pela frente

    Hesitei antes de falar sobre as proibições de fumar que se avolumam a cada dia, mobilizando, como no caso de São Paulo, esquadrões de funcionários públicos, em operações cinematográficas de repressão aos infratores. O sujeito que faz algum reparo às leis antifumo é imediatamente qualificado de vendido à facinorosa indústria do tabaco. Como, pelo menos no meu caso, nunca recebi um tostão de nenhum fabricante de cigarros ou plantador de tabaco, devo ser ainda pior, ou seja, inocente útil, análogo aos do tempo do comunismo, que nem ao menos botavam a mão no celebrado ouro de Moscou.

  • Aprendendo com a professora

    "MEU FILHO : escrevo-te esta carta -carta, não e-mail: sou uma pessoa antiga- no meu duplo papel de mãe e professora. Sua mãe, sempre fui; sua professora, apenas por um ano, na pequena escola em que você cursou o que se chamava, na época, de curso primário. Faz muito tempo que isso aconteceu, quase 40 anos, mas devo lhe dizer que lembro de tudo, de cada aula que lhe dei.

  • Caras & Bocas

    Apesar dos esforços da mídia, pelo menos até agora não houve a mobilização popular, tampouco apareceram os caras-pintadas para exigir moralidade e compostura no Senado Federal. Grupos esparsos e irrisórios aparecem nos jornais e nas tevês, mas nada que faça lembrar a onda que acabou provocando o impedimento de Collor – por sinal, novamente na berlinda, por conta de um olhar que assustou o Pedro Simon e mostrou que o ex-presidente veio para ficar.

  • Corrupção

    A palavra corrupção vem do latim, do verbo corrumpere. O significado originário da palavra é o de estragar, decompor. Na filosofia aristotélica é uma das espécies de movimento que levam à destruição da substância. Políbio, tratando dos modos pelos quais os regimes políticos mudam e, por isso, alteram a sua substância por obra do movimento da corrupção, recorre a uma metáfora esclarecedora. Indica que a corrupção, nos regimes políticos, exerce papel semelhante ao da ferrugem em relação ao ferro ou ao dos cupins em relação à madeira: é um agente de decomposição da substância das instituições públicas.     Valendo-se da "lição dos clássicos", Michelangelo Bovero, ao pensar problemas da política contemporânea, aponta os riscos do movimento da corrupção. Um dos mais significativos é o de favorecer uma kakistocracia, literalmente o governo dos piores, que abre espaço tanto para a demagogia do pão e circo quanto para a plutocracia, na qual prevalece a influência do dinheiro na gestão governamental.     Faço essas rápidas remissões à teoria política com o objetivo de realçar que o tema da corrupção vai além da transgressiva conduta individual de pessoas em esferas e rincões da vida nacional. Transcende, igualmente, a dimensão técnica do elenco de crimes contra a administração pública, tipificados na legislação penal e voltados para apenar as múltiplas formas de ilícitos de que se reveste a corrupção (peculato, concussão, prevaricação, tráfico de influência, etc.). É um sério problema de profundo alcance político. Enseja o que Raymond Aron chama de corrupção do espírito público.     A corrupção do espírito público mina a confiança das pessoas nas instituições democráticas, que nelas não vislumbram uma postura efetivamente voltada para o interesse comum. Com efeito, a corrupção é o cupim que está decompondo as aspirações republicanas consagradas na Constituição de 1988, pois a res publica - o bem comum - está sendo confundida, e não diferenciada, como na formulação de Cícero, do bem privado (res privata), do bem doméstico (res domestica) e do bem familiar (res famialiaris).     Realço o que isso significa nos dias de hoje, pois o declínio de políticas ideológicas e a complexidade dos assuntos que são da responsabilidade de um governo fazem da credibilidade um elemento fundamental da governança. A corrupção é um redutor da confiança na classe política, nas instituições e nos partidos, que tem, assim, consequências para o bom funcionamento do sistema político, pois cupiniza o seu capital simbólico.     Gianfranco Pasquino caracteriza a corrupção política como a prática de comportamentos incompatíveis com as normas que, em consonância com os valores maiores da sociedade, regulam o exercício legítimo do poder na esfera pública. Uma medida da corrupção política é a dada por todas aquelas ações ou omissões dos detentores do poder político que violam normas jurídicas gerais para perseguir interesses e vantagens particulares. Lembro que uma das virtudes do Estado Democrático de Direito é o respeito às leis e, muito especialmente, à Constituição, e uma dimensão da falta de virtude é a complacência no afrouxamento da sua força obrigatória.     Na Constituição de 1988 o artigo 37 é um paradigma de normas jurídicas gerais que regulam o exercício legítimo do poder na esfera pública. Estabelece os princípios a que a administração pública deve obedecer. Destaco o da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade e o da publicidade como os mais pertinentes no trato da corrupção, pois assentam os padrões de conduta que dão a vis directiva do interesse público.     O princípio da legalidade afirma que a atividade administrativa se rege pelo atendimento das normas jurídicas com base na lei, cuja finalidade é sempre a presunção do interesse público. O princípio, que fundamenta o Estado Democrático de Direito, está voltado para embargar os ilícitos da corrupção provenientes dos desmandos e favoritismos no exercício do poder.     O princípio da impessoalidade assevera que a administração pública deve tratar a todos sem distinções, em obediência ao republicano princípio da igualdade. O clientelismo das nomeações, o compadrio, o favorecimento da família, em síntese, as modalidades de corrupção provenientes da confusão entre o público e o privado, entre a Casa e a Rua - para lembrar a formulação de Roberto DaMatta - são alvos desse princípio.     O princípio da moralidade aponta para o fato de que o direito, como a disciplina da convivência humana, sempre tem como piso um mínimo ético. O princípio é a cobertura axiológica da boa-fé e da confiança que deve cercar, na relação governantes-governados, a aquisição e o exercício do poder. Por isso adensa o conteúdo jurídico das normas, cuja inobservância configura a improbidade administrativa como modalidade de corrupção que propicia a associação ilícita entre o dinheiro e o poder.     O princípio da publicidade parte de um pressuposto essencial da democracia: o público, por ser o comum a todos, deve ser do conhecimento de todos, e não ser guardado em sigilo nas arcas do Estado. A transparência propiciada pela publicidade e fortalecida pela liberdade de expressão dá aos governados condição de controle da ação dos governantes. No plano ético, está voltado para embargar as modalidades da corrupção que se escondem no criptogoverno de atividades e atos secretos, que não passam pelo teste da moralidade oferecida pelo sol da publicidade. Como dizia Machado de Assis, "corrupção escondida vale tanto como pública; a diferença é que não fede".     Neste momento, no Brasil, para a cidadania, o cheiro está insuportável.

  • Filho leitor

    Marcantonio, por esses dias, estaria a completar quarenta e sete anos. Nesta saudade que queima os pais em espécie de fogo lento, que dói sem cessar nas labaredas erguidas como soldados impiedosos, do que me lembrei?

  • A caneta e a bala

    RIO DE JANEIRO – As sucessivas crises que a classe política atravessa, seja no Legislativo, no Executivo e até mesmo no Judiciário, colocam uma velha questão em debate: o poder, qualquer tipo de poder, é corrupto por natureza? Ou com outras palavras: o poder corrompe?