
A canoa do corpo
Remo com força para a direita. A canoa é um pouco mais que o corpo.A canoa é o corpo; o rio, alma. A voz das águas tende a vir pelas narinas do sono.
Remo com força para a direita. A canoa é um pouco mais que o corpo.A canoa é o corpo; o rio, alma. A voz das águas tende a vir pelas narinas do sono.
A obesidade é uma patologia. Assistíamos de longe aos esforços de países desenvolvidos, como os Estados Unidos, para combater o fenômeno que atinge especialmente a sua juventude. Agora, isso nos toca de perto. Cerca de 30% dos nossos jovens padecem do mal, sobretudo nas regiões desenvolvidas do país, provando que não nos livramos dos contrastes que marcam a nossa história: de um lado, no Norte e Nordeste, ainda há marcas evidentes da desnutrição que causa a fome, como comprovou o cientista Josué de Castro. No Centro-Sul e no Sudeste, produtos industrializados (frituras, doces e refrigerantes), um grande mal.
Até hoje, o nome de Austregésilo de Athayde é pronunciado com muito respeito na seara cultural. Foi um belíssimo orador, valorizando a arte de falar, que dominou como poucos. Tinha um poder especial sobre as plateias que o ouviam, com um certo embevecimento, pois construía frases de efeito utilizando, em geral, o seu vasto conhecimento sobre a Grécia e os seus mitos. De uma feita, homenageado em São Paulo, pediu a palavra antes do jantar e se prolongou muito, para desespero da dona da casa. Com delicadeza, chamei sua atenção. A resposta foi dada para que todos pudessem ouvir: “Não vim aqui para comer. Podem começar a servir que eu vou continuar falando até cansar...” Praticamente, perdeu o delicioso jantar. Um dos privilégios da minha vida foi ter convivido, por muitos anos, com o grande presidente da Academia Brasileira de Letras, jornalista Austregésilo de Athayde. Dele recebi admiráveis lições, que não saem da minha memória. Uma delas foi a tolerância com os detratores da instituição, muitos deles escritores frustrados. Quando lhe perguntei a causa dessas críticas, ele me olhou com a complacência dos mais velhos, e disparou: “Não se preocupe com isso, meu filho. Assim que eles entram para a Academia, mudam de opinião.”
A aguda crítica de Demétrio Magnoli à campanha de Serra é também antológica quanto ao equívoco que marca a próxima ida às urnas. Não se trata mais de uma escolha entre situação e oposição, em nome de um metafísico direito de voto. O “berro da realidade”, a que se refere o analista, é de uma tomada de consciência nacional quanto ao nosso rumo político: ratificar, ou não, a continuidade do que está aí, como o único e desejável caminho do desenvolvimento sustentado.
Depois que a evolução política da humanidade criou o presidencialismo como uma das mais altas conquistas da democracia, a eleição presidencial passou a ser o mais importante evento do exercício democrático. O voto é a síntese de toda construção que se processa no sistema político. Uma eleição presidencial é uma soma de ambições, que vão das mais legítimas até à do poder partidário, que se resume no direito de proporcionar mandos menores.
Clausewitz, o maior filósofo da guerra, afirmou ser ela uma continuação da política por outros meios. No Brasil Colônia (séc. 16 e 17), no enfrentamento com os índios, até os padres falavam em guerra justa, destinada a salvar as almas dos indígenas do diabo. Anchieta foi um encabulado adepto dessa linha.
A ideia segundo a qual os artistas são meio malucos é antiga. Para os gregos, o impulso artístico resultava de uma possessão, verdade que pelas gentis Musas, mas possessão. E de possessão a loucura vai um passo, o que explica o comentário do poeta inglês Lord Byron: “We, of the craft, we are all crazy”, nós, desse ofício, somos todos loucos. O diagnóstico vale não só para a poesia, mas para todas as artes. Na pintura não foram poucos os casos de franca doença mental. Num ataque de loucura, Vincent Van Gogh cortou uma orelha. O norueguês Edvard Munch, de O Grito, era alcoólatra, sofria de alucinações e foi internado numa clínica psiquiátrica. Andy Warhol tinha um grau moderado de autismo.
Bernardo Cabral, ele também um grande orador e jurista de renome, relator dos trabalhos da Constituinte de 1988, fez uma apreciada conferência no Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Recordou, com muita propriedade, o que Rui Barbosa representou para o Brasil, nas várias atividades nacionais e internacionais em que se envolveu. Sem dúvida, uma figura estelar, como o jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho demonstrou de forma competente no livro “O brasileiro Rui Barbosa”, há pouco editado pelo jornal “A União”.
O brado de dom Pedro I no 7 de setembro sintetiza um desafio que também aparece em lemas, em canções, em hinos, em poemas: ou a liberdade ou a luta, luta encarniçada, mortal. É algo universal: se vocês entrarem no Google e digitarem a (aproximada) versão em inglês desta expressão, “freedom or death”, aparecerão nada menos de 68 milhões de referências, que incluem o título de um livro do grego Nikos Kazantzakis (autor de Zorba, o Grego), o nome de uma banda, e a inscrição de uma camiseta apreendida no aeroporto de Londres sob a alegação de que incitava ao terrorismo. “Independência ou morte” expressa o indignado desejo coletivo de um país, de um grupo humano; no caso de dom Pedro havia também o drama pessoal, desencadeado pela carta recebida junto ao Ipiranga, em que o pai lhe ordena que retorne a Portugal. O príncipe era muito jovem e tinha emoções à flor da pele – suas paixões eram célebres. Certamente, e quem sabe movido por um sentimento edipiano, tomou a determinação paterna como medida opressora, tirânica. E, aí, sacou a espada e soltou seu brado, aclamado entusiasticamente pela comitiva; o povo, como de costume, não estava presente.
Enxaqueca, todo mundo sabe, é um tipo de dor de cabeça que, em geral, é sentido em um lado só do crânio; daí o termo “hemicrânia”, criado pelo famoso médico Galeno de Pergamon há quase dois milênios – o problema, portanto, é muito antigo. De hemicrânia surgiu o vocábulo migraine, em inglês e francês, uma das palavras mais empregadas na linguagem médica, o que não é de admirar: cerca de 10% das pessoas têm esse problema.
Há muitos anos, lá em Itaparica, todos os presentes a uma seleta mesa no bar de Espanha mostraram grande surpresa e mesmo incredulidade, quando, convidado a participar de um joguinho de biriba, Zé de Honorina se recusou e fez uma revelação de impacto.
Dificilmente uma obra de ficção terá tido mais repercussão em nossa cultura do que o Dom Quixote, que, em matéria de número de traduções, só é superado pela Bíblia. E no entanto o propósito de Miguel de Cervantes Saavedra ao escrever o livro era relativamente modesto; não pretendia mais do que satirizar os romances de cavalaria então muito populares.
Helena, que trabalha na área da Engenharia, encantada com Ciências Humanas, nos pede que comentemos como as línguas funcionam. A indagação de nossa leitora nos oferece a oportunidade de dizer algumas coisas de interesse aos demais leitores desta nossa coluna. Comecemos por lembrar que nosso primeiro gramático, Fernão de Oliveira, já em 1536, afirmava que os homens fazem a língua, e não a língua os homens. Isso nos leva a concluir que uma língua é essencialmente um objeto cultural, conquista da inteligência e labor dos seres humanos. Este passo nos pennite lembrar outra lição de Oliveira, que as línguas são o que os homens fazem dela; isto significa, portanto, que as línguas acompanham os acontecimentos históricos, de glória ou de fracasso, por que passam as comunidades que as falam. A língua é patrimônio de cada indivíduo, mas também patrimônio de cada comunidade em que cada um está Inserido. Isto significa que todo Indivíduo tem limitado seu poder de criatividade; seu sucesso vai depender da aceitação do grupo a que pertence, porque a língua é também um fato social.
Há três dias a Fundação Joaquim Nabuco lançou, no Palácio do Planalto, um livro que se destina a ser raro e fazer escola: dois volumes de entrevistas com os chefes de comunicação da Presidência da República, desde JK a Lula. É, no fundo, a primeira publicação sobre os segredos do poder presidencial, como se tomam decisões, e os bastidores de como elas chegam ao público. Foi uma inovadora iniciativa do ex-porta-voz André Singer com fotos de Orlando Brito. As entrevistas são excelentes e revelam a tensão permanente entre o governo e os comunicadores, jornalistas em síntese.
A leitura do livro do educador paraibano Itapuan Bôtto Targino, "100 Anos do Ensino Industrial Brasileiro", mostra a necessidade de repensar a profissionalização no nosso país, através dos seus fundamentos.