
A lição de Faoro
A ciência jurídica brasileira está de luto, há vários dias, com a morte de Raymundo Faoro, ocorrida cinco meses depois do falecimento de seu grande amigo Evandro Lins e Silva.
A ciência jurídica brasileira está de luto, há vários dias, com a morte de Raymundo Faoro, ocorrida cinco meses depois do falecimento de seu grande amigo Evandro Lins e Silva.
Na notícia da morte de Raymundo Faoro, revezaram-se os epítetos. Perdemos na sua grandeza, de marca de uma geração, o historiador ou o cientista social, ou, até mesmo, no impacto do outro livro, "A Pirâmide e o Trapézio", o ensaísta e crítico literário. A tônica repetida em avalanche é a do constitucionalista, do príncipe dos advogados, chamado ao compromisso - limite de liderar a Ordem, no período decisivo de 77 a 79.
O escritor Paulo Coelho tornou-se um dos fenômenos mais extraordinários da literatura brasileira de todos os tempos. Seus pais, Lígia (já falecida) e o engenheiro Pedro Queima Coelho de Souza, felizmente entre nós, estimavam para o filho uma profissão convencional, na área do Direito. Mas o destino lhe reservava o caminho por ele sonhado - ser escritor.
Evandro Lins e Silva vai nos fazer muita falta - a nós, da Academia Brasileira de Letras - porque era o proprietário de uma cultura suficientemente esclarecida e sólida, para resolver os problemas de natureza regimental, estatutária ou jurídica, que surgiam nas nossas reuniões das quintas-feiras, quando sempre propunha uma solução pertinente, correta e sensata. Ele ocupava a Cadeira nº 1, que tem Adelino Fontoura, como patrono; Luís Murat, como fundador; e, como sucessores, Afonso Taunay, Ivan Lins e Bernardo Elis.
Sua carta me sensibilizou, trazendo-me palavras muito amáveis. Mas não participo das suas apreensões ante a perspectiva da presidência Luiz Inácio Lula da Silva. Por tudo o que representa a sua esteira de compromissos político-administrativos com lideranças não-petistas, não vejo o que temer. Além do mais, a equipe que o assessora é da melhor qualidade, e não tem, até pela formação intelectual e política, qualquer vínculo com o trabalhismo predatório. Basta citar dois exemplos: Antônio Cândido e Cristovam Buarque, indicado para o MEC.
Neste Natal, muitos de nós, uma hora lá qualquer da noite, vamos ficar meio de beiço pendurado e ânimo melancólico. Sempre que converso com mais de uma pessoa sobre o Natal, pelo menos uma delas me diz que partilha comigo desse sentimento um tanto indefinido, não propriamente tristeza, mas uma certa dor difusa, uma certa saudade de nada, uma certa melancolia, enfim. É algo, como as doenças de antanho, que vem com os pneumas, os fluidos misteriosos que enchem o ar sem que nos apercebamos. Tanto assim que contagia até quem não é cristão, como sei que acontece.
Com a morte de Evandro Lins e Silva, o Brasil se vê privado de um cidadão modelar, exemplo para várias gerações. E eu perco um companheiro muito querido, velho amigo da minha família, que extraiu Virgílio de Melo Franco dos cárceres no Estado Novo. Das nove décadas de sua vida irreprochável, toda dedicada à justiça, aos interesses maiores e mais legítimos do País, limitar-me-ei, aqui, à passagem breve, mas significativa, que empreendeu pela política internacional.
Antes que me acusem de propaganda enganosa, apresso-me a esclarecer que os que esperarem aqui uma análise profunda da chamada "lei da mordaça", ou mesmo de uma explicação pormenorizada do que é a tal lei, se decepcionarão. Estou tão confuso sobre o assunto quanto a maior parte de vocês, se é que a maior parte de vocês, nesta época do ano em que somos forçados pela tradição a devolver à circulação o dinheiro que achamos que é nosso e ficamos com um riso besta estampado nas nossas faces ovinas, tem tempo para se preocupar com a lei da mordaça.
O caso quem me contou foi meu querido amigo Raimundo Pessoa: o daquele conhecido que fora passar uns dias em Belo Horizonte e logo à primeira noite reuniu-se com velhos amigos no antigo bar, recordando os tempos de mocidade.
As primeiras declarações dos Sem-Terra, após a vitória estrondosa de Lula, mostram toda uma nova arquitetura da espera da saída da marginalização social dos 25% de brasileiros, ainda deserdados de todo futuro. Disciplinados, os liderados de Stédile começam até por avaliar o comportamento dos seus próprios membros, como José Rainha, no Pontal de Paranapanema. Querem evitar toda ação provocadora, situar os movimentos de protesto, da dita "ação afirmativa" e até mesmo reposicionam-se na discussão, em profundidade, de um novo modelo de real reforma agrária.
Nada mais previsível que a boa química resultante do encontro inicial dos presidentes Lula e Bush, ocorrido nesta semana. A embaixadora americana definiu-a com franqueza incomum, ao justificá-la pelo fato de nenhum dos dois ser um intelectual. O que, de outra parte, explica também o complexo de inferioridade maldisfarçado que o americano simplório sempre demonstrou pelo sofisticado Fernando Henrique, e a antipatia prevalecente entre ambos.
Escrever sobre Otto Lara Resende é recordar uma amizade que começou nos idos de 1955, quando ele dirigia a revista Manchete. Jovem repórter esportivo, comecei a trabalhar na Manchete Esportiva, compondo a equipe dos três Rodrigues: Augusto, Paulo e Nelson. Desses, Augusto felizmente ainda está vivo, para testemunhar o que isso representou para o nosso jornalismo.
Acabou o ano, ficaram poucas novidades para este restinho diante de nós, a principal das quais será a perspectiva da subida ao poder de um novo presidente e uma Câmara de Deputados e um Senado parcialmente renovados. Claro, ainda haverá os fogos de fim de ano, certamente um atentado ou dois e os Estados Unidos talvez não agüentando mais, de tanto se coçar para invadir o Iraque, partam para a guerra, acompanhados dos ingleses. Ouvi em um noticiário que os gastos americanos com armas subiram para a estratosfera, a começar pelo estoque de bombas inteligentes, daquelas em que ouvimos falar desde a primeira guerra do Golfo, que iam cair numa refinaria e, por leve equívoco, explodiam num hospital a cem quilômetros de distância da refinaria. A morte e destruição que virão já causam grande e sagrada alegria em certos círculos.
Todo início de novo governo, após as vicissitudes do acirrado debate eleitoral, é tempo de esperança, uma das primordiais emoções do ser humano, ensejando o estudo crítico dos acontecimentos vividos.
Guimarães Rosa morreu há 35 anos (em 19 de novembro de 1967), depois de haver dado, à literatura brasileira, um novo caminho. Nossa ficção jamais foi a mesma depois do lançamento, em 1956, de "Grande sertão: Veredas", que mudara nossa maneira de ver o Brasil. A novidade era tanta que, no começo, houve quem não soubesse o que dizer. Ou escrever. A estranheza de muita gente do ramo perturbava os julgamentos.