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Discurso de posse

EX.mos SENHORES Acadêmicos:

Minha presença nesta respeitável assembléia das letras pátrias argúi em mim uma temeridade pouco explicável em meus anos, com os meus hábitos e, se me não iludo, também com a minha própria índole; e em vós argúi uma benevolência fina, que me cativa, e um alto bom senso que vos eleva na estima e na consideração do povo brasileiro. Na votação com que acolhestes meu nome, não devo, nem posso enxergar reconhecimentos de méritos literários, que conheço me faltam; e, quando algum pudesse alegar, estaria sempre muito aquém da honra com que me distinguistes. Quisestes antes render preito ao princípio que represento, e, em minha humilde pessoa, honrar o Deus das ciências e da sabedoria. Quisestes que neste congresso, onde se assentam distintos representantes da atividade intelectual, houvesse um que especialmente representasse esta grande coletividade espiritual, que é a Igreja Católica da qual somos filhos, e eu indigno ministro.

Foi infeliz, reconheço, a escolha da pessoa para tão alto encargo, mas vossa resolução foi acertada, nobre e digna dos aplausos dos católicos, em cujo conceito crescestes, e em cujos corações elevastes novo padrão de estima e de afeto. Avulta-se-me, porém, a responsabilidade com este encargo, e me cresce o temor com a certeza de não poder corresponder às expectativas dos que me indicaram, ou me estimularam, e quase me forçaram.

Esse temor, já de si mesmo grande, aumenta-se considerando eu a grandeza do varão cuja Cadeira venho ocupar nesta assembléia. Alcindo Guanabara é um dos maiores vultos literários do Brasil, de tão extraordinário talento e cultura que, aos 18 anos, escrevia artigos, que pelo vigor da argumentação, pelo primor do estilo, pela clareza da intuição, mereceram ser atribuídos às primeiras capacidades literárias desse tempo. Dava vida com seus escritos aos jornais agonizantes, como aconteceu com o Novidades, onde seus artigos lhe deram ocasião a um curioso encontro com o notável político e literato Francisco Belisário, Ministro da Fazenda. Discutia-se no Senado um projeto do Visconde do Cruzeiro e de Lafayette. Combatia-o Alcindo Guanabara em artigos, que produziram abalo e mereceram ser reproduzidos nos mais acreditados órgãos da imprensa nacional. Sai o primeiro artigo; viva sensação. Sai o segundo, sai o terceiro, e Belisário não se pôde ter. Vai pessoalmente à redação a saber quem era o autor de tão brilhantes artigos. Mostram-lhe aquele rapaz ainda imberbe, e de tal admiração se apodera, que o vai apresentar às eminências políticas do tempo, Paulino, Cotegipe e Coelho Bastos, e a ele se conserva ligado até a morte por uma estima que parecia culto.

Engenho universal, escrevia sobre política, economia, finanças, literatura, poesia, agricultura, revelando-se em tudo homem superior pela largueza da concepção, pela clareza da intuição, que quase eu chamaria profética, pela força e viveza do estilo, pela beleza e castigado da frase, merecendo ser classificado entre os príncipes dos escritores brasileiros. O cátalogo dos jornais que esse homem extraordinário fundou, sustentou, acreditou e elevou com seus escritos e artigos editoriais, ou de colaboração, de combate, de crítica, de instrução, sérios ou humorísticos, basta para o colocar em plano dificilmente igualado por primorosos escritores.

Explicável é, pois, meu enleio tendo de levantar o legado deixado pela morte de Alcindo Guanabara, e sentar-me na Cadeira que honrou, Cadeira enobrecida pela personalidade de Joaquim Caetano da Silva, outro gigante das letras pátrias, que na Europa culta fez conhecido e elevou o nome brasileiro; e defendeu com superior entendimento os direitos da pátria, como fez na questão entre o Brasil e a França com obra escrita em francês tão correto e elegante, que, no juízo dos entendidos, não cede a palma a nenhum dos escritores nacionais da época, e com tão sólidos argumentos, que devia deixar por sua vez dirimida e perempta essa questão.

Sem tocar em numerosos escritos desse brasileiro insigne, uns impressos outros manuscritos, em que se revela profundo conhecedor da história e da língua pátrias, e das línguas clássicas, aqueles dois volumes “L’Oyapoc et l’Amazone” sobejam para imortalizar o patrono desta Cadeira, que Alcindo realçou com o esplendor de seu gênio e que eu venho ocupar realçando também, mas como as sombras realçam as cores nos quadros dos grandes artistas.

Uma cousa tem particularmente excitado a curiosidade pública na minha investidura nesta Cadeira. Estão aflitos por ver como se há de haver um bispo, tendo de homenagear um literato de talento superior, mas reputado totalmente profano e inteiramente indiferente ao ideal religioso. Folgo, porém, de declarar que essa dificuldade que despertava os curiosos me ocasionou verdadeiras consolações e contentamento, porque estudando a vida e escritos de meu antecessor me convenci que Alcindo Guanabara não foi um ateu, desconhecedor, quando não desprezador, do Supremo Senhor do Universo, nem um desses espíritos que se dizem emancipados; foi sim um varão deveras crente, e na vida pública nunca procurou encobrir suas crenças religiosas, antes proclamava sua fé sem rebuço, com acentos de vigor pouco comum em nossa atual sociedade.  “Onde não existe a fé, não vibra a paixão pelas cousas superiores, disse Alcindo Guanabara em solene discurso, o que fica é o pântano do interesse espúrio, é um miserável declínio moral que macula os indivíduos, dissolve a sociedade e faz perecer a nação. Não podemos nos submergir, vivendo indiferentes e enervados, roídos pelo cepticismo sem fé religiosa... Daqui desta assembléia, continua ele, levante-se reboando por todo o ângulo do país o clamor quotidiano de nossa religião: Sursum corda!”

Reconhece e proclama o valor da ação do Cristianismo por ocasião de promover uma grande obra de beneficência social, e diz: “nela será honrada a mais alta das virtudes cristãs, e que será o depoimento eloqüente de que a mais nobre das ordens do Salvador à humanidade foi aqui ouvida e obedecida. É uma sublimidade do espírito cristão a devoção pela vida, a abnegação e dedicação pelo próximo”. Expressa ele sua confiança em Deus dizendo: “esperamos firmemente em Deus que nossa obra será abençoada. Deus estará conosco, pois estamos com ele, e receberá com bondade a oblação que lhes fazemos”. Reconhece o valor da bênção dada em nome de Deus pelo pontífice diocesano, e nesse mesmo discurso confessa: “as disposições religiosas dos cidadãos que, sem outros recursos senão os que lhes podiam advir de sua atividade e de sua fé, desejavam afirmar o doce sentimento de piedade cristã e de solidariedade humana.”

Quem tais sentimentos nutre e manifesta não pode ser senão verdadeiro crente, mormente quando a corrente da época parecia arredar dos discursos e dos escritos concepções de ordem sobrenatural.

Longe dessa confiança excessiva nas forças e esforços humanos com que os políticos, sociólogos, cientistas, industriais presumem levar a cabo suas empresas, notai como ele punha no céu a esperança de seus empreendimentos e a Deus acudia para os coroar do êxito desejado. “Quando há sete anos, diz ele, tratando de uma dessas obras difíceis e grandes, quando há sete anos o dever me trouxe, como agora, a esta mesma tribuna, para anunciar que partíamos nesta nova cruzada, eu exorava a Deus para que ela tivesse êxito, que nos não faltasse o amparo dessa força.” Depois desse êxito feliz e desejado, notai como Alcindo se volve a Deus, reconhece o benefício de sua mão e convida os companheiros ao agradecimento. “Agora, continua ele, que chegamos ao primeiro estádio da via que temos de percorrer, agora que inauguramos este templo, cumpramos antes de tudo o doce dever de rendermos numa oração singela o nosso agradecimento pela realização de nossos votos humildes. Graças, Senhor, por haverdes acendido em nossos corações a chama purificadora do amor do próximo!” Uma alma devota e piedosa, dessas que vivem absortas nas cousas espirituais, não se exprimiria com mais fino afeto, com mais doce e cordial candura.

Nem se diga que essas passagens são rasgos oratórios, que nem sempre traduzem os sentimentos reais de quem fala. Para convencer-nos da sinceridade de sua fé, e da íntima persuasão de quanto é a Religião necessária e indispensável na sociedade e mormente na educação da juventude, aí está o projeto por ele apresentado e defendido no Senado Brasileiro a favor da Infância abandonada e delinqüente. Aí, depois de refutar os que pretenderam ser esse projeto inconstitucional, acrescenta estas reflexões que me permitireis transcrever por suas próprias palavras:

Se retirardes do projeto esse perfume de religião e de moral, que vai constituir o ambiente de regeneração que os pequenos miseráveis devem respirar, podeis perder a esperança de vê-los um dia restituídos à higiene da alma e à saúde moral.

A observação e a experiência são mestras da vida, e é apoiado nas lições que elas nos dão, que ouso afirmar que a só instrução literária é insuficiente de todo para essa obra sutil e delicada do combate às taras ancestrais e da reorganização dessas almas deformadas antes mesmo da vida e tão cheias de deturpações e de tortuosidades. Não é verdade que se fechem as cadeias, porque se abrem as escolas, a menos que paire no ambiente das escolas o perfume da religião e as iluminem os raios de sol da moral. A solução do problema não está só na instrução. Não basta ensinar a ler para formar homens honrados. Ia até dizer que a instrução literária, desacompanhada dos freios e contrapesos da religião e moral, pode ser e é muitas vezes um elemento a mais de facilidade ou incentivo para o desregramento e para o crime.

Para me não alongar demasiado, valha por tudo quanto escreveu esta inteligência privilegiada essa conferência sobre a Dor, que, como fonte de sentimentos patéticos expressos em linguagem de primor, e mais como franca profissão de fé, basta para chamar sobre seu nome a admiração dos sábios e as bênçãos dos católicos. Permiti-me repita algumas das suas frases que mais vêm ao nosso intento:

Se sois cristãos, diz ele, a dor não vos abate, mas vos conforta, vos anima, vos eleva, vos engrandece. Jesus, filho de Deus e Deus ele próprio, quis sofrer a dor humana para reabilitá-la e torná-la profícua. Era porém Deus, e toda sua grandeza está no que havia de voluntário nesse sofrimento. Maria, porém, é apenas uma mulher. E Mãe!... Os desfalecimentos d’alma, a paixão, a agonia, as lágrimas, o sofrimento que não há palavra que o descreva, que a pungia acompanhando toda a paixão do Filho Unigênito, desde o Pretório, por essa via dolorosa que se terminou na Cruz donde ele pendia, não nasceram de nenhuma renúncia à qualidade de Deus, senão que foram sentidas em toda fraqueza de sua condição humana pela mulher e pela mãe, cuja caridade e cujo altruísmo são tamanhos, que lhe inspiraram por amor da redenção da humanidade aquela resignação da lágrima muda, que cai do alto do Gólgota pelos séculos em fora, como o bálsamo consolador de todos os corações em chaga. Se há entre vós, se há na humanidade inteira a vítima infeliz de uma dor sem consolo, erga ela o espírito e o coração até essa tragédia sangrenta, e funda a sua dor na maior dor que jamais houve sobre a terra, na dor de Maria... porque tanto quanto a humanidade viva, não haverá dor tão forte que se não amesquinhe, quando o espírito se orientar para esse calvário de redenção, e soarem ao ouvido do infeliz os versos do hino sagrado:

Stabat Mater dolorosa
Juxta crucem lacrimosa
Dum pendebat Filius.

Alcindo Guanabara foi um crente de cujos lábios em momentos solenes brotava sempre o nome de Deus. Teve erros talvez, mas quem há isento deles?  Eu os não conheço e se deveras os teve, mais razão eu tenho para confiar que um coração que tanto fez pelo próximo, que tais rasgos de amor deu pelos infelizes, encontrou decerto misericórdia d’Aquele cuja fé animosamente professou e tão brilhantemente proclamou.

Tratando-se de uma sumidade da imprensa nacional, permitir-me-eis algumas reflexões sobre a matéria que ele tanto dignificou com seu talento – a imprensa – e primeiro sobre a palavra que a imprensa reproduz. Há assuntos que por antigos não perdem sua interessante atualidade. Nesse caso se classifica a palavra do homem e a imprensa, que a corporiza, multiplica e perpetua. A nós, acostumados com as cousas grandes pela substância, grandes pelos efeitos, mas comuns pela freqüente repetição, passam-nos muitas vezes despercebidas maravilhas estupendas. Assim acontece com a palavra do homem. Maravilha que só não espanta por ser comum a todos os homens. Leva a palavra ao entendimento, ao coração, à imaginação dos outros, os mais recônditos segredos de nossa alma. Grandes, variados, estupendos os efeitos da palavra! Move todas as fibras do coração humano; consola, aflige, irrita, estimula, acalma. No balbuciar da criancinha tem encantadora magia, na infância é o enlevo dos pais, nos lábios dos velhos é solenemente triste, como triste é o despedir do crepúsculo cedendo lugar às trevas da noite. No jovem é folgazã e alegre, ponderada e madura no varão. Na boca do general dá ímpeto e ânimo ao soldado, na do mestre ilumina a inteligência, na do orador ora revolve as multidões ora serena paixões exaltadas; desperta os frios, infunde brios ao indolente. A mesma palavra consola, repreende, impera, suplica, aterra e anima. Na boca do poeta a palavra fala à fantasia e ao coração, povoando aquela de imagens, revolucionando o coração de afetos. A ciência que revela os metais contidos nas entranhas da terra é admirável; admirável a que penetra no fundo dos mares, e nos mostra os segredos que lá se ocultam; admirável a que remonta muito acima das nuvens e nos comunica fenômenos não suspeitados; admirável a que chega a penetrar no interior dos astros para nos dar com segurança sua composição íntima. Muito mais admirável, porém, é o dom da palavra que manifesta os segredos da alma humana mais profunda que os mares, mais alta que a atmosfera, mais recôndita que os astros.

A palavra é um dom do céu, quase tão precioso como a mesma razão que constitui a essência humana, e tão apreciável que, se nos faltasse, de pouco nos serviria a mesma razão. Se não tivéssemos a palavra, ficar-nos-iam estéreis a inteligência e a liberdade de que nos ufanamos, e o homem estacionário sem dar um passo para melhorar sua condição na terra. Não nos seriam benefícios senão tormento essas nobilíssimas faculdades de entender e de querer, se não pudéssemos transmitir aos outros nossos pensamentos, nossos desejos, nossas mágoas e nossas alegrias; e nós seríamos como um homem prostrado por envenenada seta, cosido de dores atrozes, sem poder por palavra nem por qualquer movimento dar a entender seu suplício temeroso. Deus, porém, não faz benefícios truncados. Dando-nos a inteligência e a liberdade dá-nos também a palavra, com que a nós e aos outros podemos aproveitar, e de fato aproveitamos. É, pois, a palavra dom mimoso de Deus, e por aí vemos como deve ser por nós tratada.

Mas além deste título de todo o ponto venerando, possui a palavra outra qualidade, que a eleva a superior categoria, e que vós me permitireis não omitir nem dissimular em ocasião tão solene. A palavra não é só um dom de Deus conferido no mesmo ato da criação do homem; é também imagem do mesmo Criador. Estai um pouco comigo.

Na Trindade Divina, mistério inefável que só os cristãos cremos e confessamos, o Pai eternamente se revê e conhece, formando de si uma imagem. Mas esta imagem não é acidental, como produz a inteligência criada; é imagem substancial, eterna, espelho perfeito da pessoa do Padre, seu Verbo, enfim seu Filho. Este Verbo eterno, só do Pai eternamente conhecido, se quis manifestar aos homens, fazendo-se homem como nós e é Jesus Cristo, homem unido hipostaticamente ao Verbo eterno, palavra do Eterno Padre manifestada aos homens. Ora, assim como Jesus é o Verbo de Deus que revela aos homens e aos Anjos mistérios ocultos no seio da Divindade, e que só por Ele nos foram manifestados, assim a palavra do homem nos manifesta os segredos da alma, que só podem ser conhecidos pela palavra do homem, falada, ou escrita ou assinada. Jesus é a imagem substancial da inteligência eterna, a palavra humana que tão preciosa se nos apresenta para si mesma e pelos bens de que é instrumento necessário e indispensável, cobra foros de nova fidalguia, e adquire novos títulos à nossa veneração como imagem constante do mais consolador mistério que nossa fé adora, o mistério da Encarnação.

Por este critério melhor podemos avaliar a dignidade e importância da palavra falada ou escrita, e sondar a causa dos efeitos maravilhosos que produz, e dos benefícios que traz ao gênero humano. É de origem divina; reproduz aos olhos humanos mistérios divinos; e apesar dos contínuos abusos que dela fazem os mortais, não perde os traços de sua origem, que os homens podem perverter, destruir não podem.

Diante deste auditório, onde está congregado o que há de mais alto na cultura nacional, parece cousa sediça lembrar alguém as excelências da palavra falada e mais ainda da palavra escrita, e principalmente da imprensa. E eu daria prova de minguado senso ocupando-me dessa matéria, se um fim muito especial a isto me não conduzisse, como vereis.

A palavra escrita, ou antes a imprensa, que hoje encarna e absorve a antiga escritura, é o maior expoente do poder da palavra humana em nossos dias, incalculável benefício do Criador ao gênero humano, a qual ainda nos seus desvios e nos males que com eles tem produzido manifesta os traços da grandeza que trouxe de sua origem. E quando os mesmos males servem para demonstrar a pujança dessa potência, sobe de ponto a demonstração por pouco que atendamos aos benefícios que ela produz. Pela imprensa se ligam e se comunicam os povos mais extremados do nosso planeta, se propagam as artes, se aproveitam os inventos. Sem ela estaria a humanidade estacionada. Pela imprensa se nos fazem presentes os séculos passados e nós podemos praticar com as gerações que nos precederam, ouvir seus gemidos, presenciar seus feitos, testemunhar suas mazelas e seus crimes. A palavra escrita nos mete no seio os cabedais da sabedoria antiga, as lições dos filósofos, os rasgos dos oradores, a harmonia dos poetas, os brados dos profetas, a pregação dos Apóstolos, a vida, a doutrina, os exemplos e os milagres do Filho de Deus, Jesus Cristo, a quem curvo o joelho e adoro.

À imprensa, benefício providencial com que Deus dotou a sociedade, devemos a difusão da ciência, o progresso espantoso das artes, a correção e polidez dos costumes, essa civilização que nos permite assimilar o que há de aproveitável nos outros povos. Nós lhe devemos o conhecimento da nossa própria história, o prazer de ouvir os rasgos de nossos heróis, a suavidade de nossos poetas, os surtos de oradores; todo o cabedal de nossas letras, o tesouro da ciência pátria, ainda que recente, já tão rico. Sem a imprensa andaríamos às cegas dentro em nossa terra, e no meio de um arsenal opulento estaríamos de todo desarmados. A imprensa é o flagelo da tirania, e é o poder mais temido que conhecem os poderes da terra, os quais dela têm mais medo do que das armadas e dos exércitos. Julgam vencedores seus planos, quando conseguem conquistar para eles a cooperação da imprensa.

A imprensa, quer seja sob a forma de livro, de revista, de jornal, é um tribuno que fala a auditório nunca igualado na terra por nenhum sagrado ou profano. Calculai os milhares de impressos que saem todos os dias dos prelos desta cidade, cada um dos quais pode ter centenas de leitores; calculai que esses impressos penetram nos centro das famílias, no laboratório das oficinas, nos campos, nas tavernas, pregando e apostolando doutrinas, e vereis que jamais houve orador que contasse auditório tão numeroso e ouvintes de tão boa vontade; e poderemos fazer idéia do quanto vale a imprensa aplicada para edificar ou para destruir.

Podemos já avaliar o mal que causa uma imprensa inimiga da fé, da sã moral, do bom senso e da sociedade. Não há veneno tão corrosivo das entranhas da sociedade, tão deletério da pátria como a imprensa corrompida e corruptora.  Envenena a inteligência e o coração do indivíduo, corrompendo-lhe assim a fonte do bem e quebrando os laços que o prendem à virtude, que são a verdade, o temor de um juiz incorruptível, a esperança de recompensa eterna. Ela torna o cidadão impaciente da lei, insubordinado e egoísta; penetra no lar e aí planta a discórdia e a infidelidade; corrompe a infância, ensina o vício, destrói o respeito à autoridade. Se não fosse a resistência que a tantos males oferece a imprensa honesta, estaria a sociedade de todo arruinada, e impossível a vida do homem nesta terra. O mal da imprensa desviada de seu alto destino só pela imprensa honesta pode ser corrigido. Nem as leis, nem os Congressos, nem os oradores, nem os mesmos pregadores poderão sustar os danos por ela introduzidos, se potência igual – a boa imprensa – não lhes acudir em auxílio.

A talho me parecem vir estas reflexões, quando sou recebido na Academia de Letras para suceder a um dos príncipes do jornalismo brasileiro, que tanto e tanto dignificou a imprensa. Temos por empresa o aprimoramento e pureza da língua e das letras pátrias, portanto nenhum cometimento se nos pode oferecer mais próprio de nosso lema, de nosso patriotismo, do que proteger eficazmente a imprensa, que por sua seriedade, independência, honestidade e pela correção da língua, for digna da proteção desta Academia; imprensa que vergaste o vício, castigue os  escândalos, estigmatize com ferro em brasa o despudor da vida pública, repila o anarquismo, e promova o verdadeiro progresso e a grandeza do Brasil.

Na classe da imprensa nobre por sua elevação, independente por seus princípios, patriótica por seus benefícios, se acha colocada uma, que infelizmente é olhada de esguelha por alguns varões de alto merecimento literário. Falo da imprensa católica, e não da imprensa devota que se ocupa especialmente de obras e atos de piedade cristã; ainda que esta pela caridade que cimenta entre os homens, pela prática de virtudes sólidas que promove, pela união íntima que procura estreitar entre a criatura e o Criador não é menos benéfica à sociedade, e nem merece menos nossa estima e gasalhado. Falo, porém, da imprensa católica em sua acepção mais ampla, dessa imprensa que deve encarar do alto os problemas vitais da sociedade, e em princípios superiores haurir força para defender a justiça e a verdade; estigmatizar o vício, proteger a virtude, propugnar pela ordem, pregar não subserviência, mas obediência racional à autoridade, repelir energicamente quanto tende, ou pode favorecer à imoralidade nos costumes ou perversão da fé.  Essa imprensa tem por mira todas as questões que interessam à vida social ou particular, científicas, políticas e econômicas, e resolvê-las respeitando sempre os ditames da razão iluminada pela fé, combater o erro nas idéias e a imoralidade nos costumes, mas não combater o homem a quem deve amar, por maiores que sejam as aberrações de seu espírito e a decadência moral de sua vida. Enquanto defende os sacrossantos direitos de Deus na sociedade, não prescinde os do homem e do cidadão e, mais que nenhuma outra força, promove a paz das famílias, protege a justiça dos oprimidos, cimenta a tranqüilidade social, a união dos cidadãos e assegura a integridade da pátria. Todos esses benefícios promove a imprensa católica com mais eficácia que todas as indústrias da atividade humana.

Para a imprensa católica ouso implorar a proteção desta Academia, e repito que nenhuma empresa é mais própria de sua valiosa proteção. Deve a imprensa ser não só intangível pelo lado moral como correta sob o aspecto literário. Do critério que distingue os membros desta Academia, ninguém tem direito de esperar que aprovem e muito menos protejam escritos ofensivos à moral ou hostis à nossa crença, por mais adornados que sejam de belezas literárias. Do mesmo modo deslustraríamos nosso ministério, se aprovássemos escritos de moralidade irrepreensível, mas apresentados sob forma inculta e bárbara.

Considerando a palavra sob o aspecto em que a temos encarado, nosso ofício nesta Academia toma um caráter quase direi sagrado; e nós exercemos uma espécie de sacerdócio, e rendemos culto ao Autor da natureza, tratando com respeito e carinho o dom precioso que de sua mão recebemos – a palavra falada ou escrita.

Admitindo-me como primeiro representante de um fator até agora não representado neste respeitabilíssimo Congresso, de si se está que me haveis concedido uma liberdade de que eu podia abusar, e talvez tenha abusado. Confessareis contudo que, a mim, Bispo e Brasileiro, não estava mal advogar neste recinto a causa da imprensa vista pelo prisma do interesse patriótico, moral, religioso e literário. Patrocinando esta potência inquestionável nós concorremos para o lustre do Brasil, para sua prosperidade moral, visto como Religião e língua são os mais poderosos laços que conservam as nações unidas; Religião e língua são também as mais infelizes vítimas da imprensa degenerada; assim como recebem assinalados benefícios da imprensa correta, sensata e moralizada, que nesta augusta Assembléia possui abalizados mestres. Apesar destas razões que se me afiguram valiosas, é possível que a algum de meus distintos colegas eu me assemelhe a um frade a cantar fora do coro. Para o bom entendimento dele mesmo apelarei, e espero que desculpará no velho algum delíquio de juízo próprio da idade; e alegarei por mim a sentença que outro com menos razão alegou em ocasião não menos solene: Liceat seni delirare!

Foi fidalga generosidade, Srs. Acadêmicos, a honrosa distinção de escolherdes a mim, Bispo, para ter assento neste templo de letras. Dai então que, para vos mostrar quão bem avalio essa honra, ofereça a Deus, de quem sou servo inútil, toda glória, toda honra, toda distinção que advém a mim ao entrar os umbrais da Academia de letras pátrias.