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Discurso de posse

DISCURSO DO SR. PEDRO LESSA

Permiti, senhores, que, antes de vós exprimir o meu profundo reconhecimento, eu desempenhe este outro dever, o de penitenciar-me solenemente. Nunca, presumo, recebestes um confrade, que tenha sido tão contrário à Academia, como fui eu, na época de sua fundação e nos seus primeiros tempos. 

Uma boa parte das censuras e alusões satíricas, em que se desentranhou a velha, mas não cansada, maledicência indígena, a propósito da criação da Academia e da utilidade do seu concurso para o progresso intelectual do Brasil, eu repetia com aplausos, acrescentando-lhe de minha lavra algumas notas, de que ressumbrava um certo malquerer. Felizmente, não teve a minha crítica a menor publicidade; escoou-se na intimidade das palestras entre amigos. E a um observador perspicaz não teria sido talvez impossível vislumbrar nas minhas frases e nas dos outros detratores da Academia, no tom e excepcional interesse com que falávamos dela, qualquer coisa, que lhe recordasse um desses jovens que, nos romances e na vida real, abespinhadamente murmuram, ou deblateram, contra aquela por quem mais tarde se mostram doidamente apaixonados.

Não haveria em toda essa dicacidade um grão de inveja, ou de despeito? No que me toca julgo difícil responder à pergunta com segurança. Muito embora não acompanhe os filósofos, que condenam, por impossível, ou pelo menos sujeita a freqüentes erros, a observação subjetiva, reconheço de que árdua contensão precisa o espírito humano para ser ao mesmo tempo o sujeito e o objeto do estudo, apreendendo nitidamente certos fenômenos internos com¬plicados, e formulando com imparcialidade conceitos verdadeiros acerca da exatidão de alguns dos nossos juízos e raciocínios, em que não raras vezes penetram sutilmente sentimentos, bons ou maus, a perturbarem a pura função do entendimento.

O que posso assegurar-vos, é que ao cabo de algum tempo se deu um completo reviramento nas minhas idéias, e creio que ainda aqui o meu estado d’alma resumia fielmente o pensamento comum dos nossos compatriotas. Comecei a anelar ardentemente a Academia sem refletir na inópia dos meus títulos. Tanto pôde comigo essa instante aspiração, que afinal assumiu modalidades e formas inesperadas. Assim, por exemplo, de há muito não me aproximava de um acadêmico sem um certo temor reverencial.  É, pois, fácil imaginar com que prazer e orgulho recebi a notícia de vossa generosidade para comigo, isto é, de minha eleição.

A Lúcio de Mendonça, o iniciador da idéia de se instituir a Academia, coube, o que era natural, o maior quinhão nos louvores de alguns e nos epigramas de muitos.
Até então eu não conhecia pessoalmente Lúcio. Quando fui matricular-me na Faculdade de Direito de São Paulo, já ele concluíra o seu curso jurídico.  Mas, lá estava ainda bem luminoso o sulco aberto pela passagem do jovem poeta e jornalista democrata: o seu nome, envolto numa auréola de estima, de admiração e de respeito, enchia a Faculdade de São Paulo. Nessa quadra da mocidade foi Lúcio de Mendonça, intelectual e moralmente, o que sempre continuou a ser, e qual o tratastes na idade madura.
É raro conhecermos um homem, no decurso de cuja vida, ao lado de uma incessante leveza de espírito nas produções literárias, se note uma tão inalterada coerência e perfeita unidade nos princípios, nos sentimentos e no caráter, coerência que ele sempre zelou com ufania e, algumas vezes, com excesso.

Na cidade acadêmica daquele tempo, toda impregnada das tradições românticas de Álvares de Azevedo e seus companheiros, e da glória alvorecente de Castro Alves e Fagundes Vareja, cidade acadêmica tão bem descrita por Alfredo Pujol, na conferencia Mocidade e poesia, ser poeta era a primeira das distinções da aristocracia intelectual. Creio que para os moços de hoje a poesia não tem a fascinação com que dominava os estudantes daquela época.  O belo talento de Lúcio facilmente se amoldou à sedutora influência do ambiente.

Percorrendo-lhe as poesias, mesmo os olhos profanos, como os meus, vêem que ele não fazia parte dessa família, nascida mais tarde, de cinzeladores do verso, dominados pelo culto meticuloso da forma e pela obsessão da arte, que tão fina e tão profundamente sabem combinar a análise e a síntese e da qual são membros preeminentes. Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Olavo Bilac, Augusto do Lima e alguns poucos mais. Filiava-se a fase inicial do poetar de Lúcio em uma feição literária, muito brasileira, que tem suas origens em remoto período de nossa história. Não lhe podemos reler as primeiras trovas, sem recordar a impressão que teve Machado de Assis, o mestre inolvidável, quando  lhe prefaciou o livro de estréia: sendo o amor o assunto predileto do poeta, a nota predominante em suas composições é a nota elegíaca. Nos belos sonetos de Cláudio Manuel da Costa e em várias poesias de Silva Alvarenga vemos despontar bem manifesta essa tendência romântica, transformada depois em verdadeira escola, de numerosos adeptos.  O que não me parece suficiente é a explicação que do fato dava o padre Sousa Caldas, o príncipe da poesia sacra entre nós:

Nos climas do Brasil, onde o amor vive,
De esquisitos deleites, de finezas...
E de ternas meiguices rodeado.

O meio físico poderia, quando muito, explicar a freqüência com que esses poetas cantaram os seus amores. Mas, o amargo prazer de lastimar as infelicidades íntimas do sentimento, a constante reiteração da nota elegíaca, isso cuido que só se poderia atribuir ao que Machado de Assis, na delicadeza do seu aticismo, denominou urna intimidade intelectual, ou a influência resultante da assídua leitura de certos poetas.

Na verdade, senhores, conquanto não se possa bem ajuizar da sinceridade dessas revelações, de outro modo não se compreende por que, sendo tão vasta a profusão dos assuntos líricos, o que não se esqueceu de assinalar o velho Hegel em um dos cânones sagrados da sua Poética, hão de tantos dos nossos poetas ser tão pervi¬cazes nas confidências acerca das suas mágoas de amor.
Em relação a Lúcio de Mendonça não exagerei no que disse. Ainda por certo não esquecestes, entre muitos outros, estes versos, colhidos a esmo nas Névoas Matutinas, todos de um lirismo saturado de tanta melancolia:

À terra morta num inverno inteiro
Voltam a primavera e as andorinhas...
E nunca mais vireis, ó crenças minhas,
Nunca mais voltarás, amor primeiro!

Penso que aqui não é necessário um grande esforço para descobrir qual era a maior intimidade intelectual do poeta, quando aos dezessete anos assim desafogava o seu pessimismo romântico. Do cantor d’O Evangelho nas Selvas, o imortal patrono desta cadeira, em que os excessos da vossa magnanimidade permitem que eu me assente, há versos, escritos quase na mesma idade, repassados desse prematuro desengano:

Os aromas me despiram,
E as ilusões que fugiram
Nunca mais hão voltar!

O que não é possível desvendar nas poesias de Lúcio, é o sin¬cero desapego à vida, que levou Fagundes Varela a invocar a morte, chamando-lhe calma e carinhosamente:

Pobre noiva tão formosa
Que nos espera amorosa
No termo da romaria.

Os mais sentidos queixumes de Lúcio são mesclados a uma certa volúpia, que bem revela o amor da vida e o intenso desejo de viver. É só depois de cantar os inestimáveis dotes de Alice, o sorriso da criança, todo candura, e junto à meiguice de um sorriso de mãe; o olhar, mistério e sonho, cheio de luz, de glória, de doidice; a voz, uma grave melodia, tão doce como nunca mais se ouviu; o andar, comparável ao movimento do cisne que fende o lago, ao da pomba-rola na clareira, ou à névoa que desliza na planície; a boca, a macia pétala corada de rosa que de todo não abrisse, o mimo da conchinha nacarada; que o poeta volve ao seu sentimentalismo lírico a propósito da insensibilidade do coração de tão formosa e gentil criatura.

A própria natureza inspira a musa romântica dos dois poetas, diversificando-lhes o sentimento: em Varela mais profundo e eivado de pessimismo, em Lúcio mais à superfície d’alma e a exprimir uma modalidade poética transitória. O mais belo e risonho quadro da natureza não tem o poder de lenir o sofrimento íntimo de Varela:

O céu de azul me iluminava a fronte
Com torrentes de luz, as flores todas
Me incensavam de aromas suavíssimos.
Mas o riso da flor, o som das brisas,
A criação pejada de perfumes,
Contando aos astros em linguagem doce
Suas lendas de amores e sorrisos,
Não podiam sequer matar-me n’alma
O negro viso de uma dor sem termos!

Descrevendo-nos com expressões vivamente coloridas a flor do ipê, a loira filha da mata, de um vicejar tão luxuriante e tão passageiro, na qual

De ramo em ramo o tié
Cai, como uma gota de sangue;
E a coral se enrosca langue
Nos teus braós, flor de ipê.

Lúcio apenas lamenta uns amores extintos:

Eis-te da sorte à mercê,
Já sem viço, já sem flores...
Aqueles pobres amores
Foram como a flor do ipê!

Uma outra expressão do estro de Lúcio de Mendonça é a poesia de combate, inspirada em teses sociais e políticas, especialmente nestas últimas.
Se aos que, como eu, tendo o espírito constantemente voltado para outra ordem da idéias, apenas acidentalmente são forçados a versar assuntos literários, fosse lícito ter uma opinião nesta matéria, eu diria que não estou com o autor dos Esmaltes e Camafeus, no exclusivismo com que preconiza a pura arte, a arte pela arte, nem com o ardente e convencido apóstolo da doutrina radicalmente oposta, Tolstoi, nessa generosa proclamação em que se evangeliza a teoria da arte como veículo, ou pregão, de verdades científicas e princípios éticos. O castigo, a excomunhão, que Théofile Gautier fulminou contra os poetas, que lhe transgredissem o mandamento, é terrível: a musa tem a altivez de uma deusa. Repugna-me sujeitar-se ao serviço de uma idéia:

“...se o poeta, seu único soberano, a constrange a caminhar à frente de uma facção, cantando hinos, ou fazendo soar uma fanfarra, cedo ou tarde dele se vinga. Não mais lhe inspira os sons alados, que zumbem ao ar como abelhas doiradas, retira-lhe a harmonia sagrada, o número misterioso, balda-lhe o timbre das rimas, e permite que se lhe introduzam nos versos frases pesadas como o chumbo, somente próprias do jornal do panfleto.”

Houve quem afrontasse a temerosa combinação, no próprio momento em que ela baixava das alturas de que foi lançada. É verdade que esse era um atlante, com uma inquebrantável confiança em sua predestinação, certo de que nenhum dos contemporâneos o atingiria.  Victor Hugo respondeu com uma esmagadora demonstração prática, escrevendo Les Châtiments.  Desde esse período literário parece que, exceto para uma exigente minoria ficou o pleito definitivamente encerrado.  Posto que, com diversa emoção, lemos com igual encanto os versos impessoais do mais impassível dos poetas e as poesias em que se condensam todas as cóleras e todos os ódios, que podem inflamar e sombrear o estro de um revoltado; os versos descritivos, plásticos, dos Poemas bárbaros de Leconte de Lisle, ou dos Troféus de Heredia, e essa tremenda “Expiação”, dos Châtiments.  O que é indispensável é que nos versos haja poesia.

No Brasil, durante todo o longo ciclo do Segundo Reinado, por infortúnio dos poetas revolucionários, não houve um tirano, cuja atrocidade, ou cujo arbítrio sequer, fosse bastante para acender a indignação de um patriota. Versando, não há muito, a admirável síntese de história pátria, Da Independência à República, de Euclides da Cunha, notei que nem o talento impetuoso e a coruscante imaginação desse vosso saudosíssimo confrade lograram descobrir e revelar-nos no segundo imperador traços cesarianos perceptíveis. Do que todos se queixavam, era da ausência nos partidos políticos de idéias bem acentuadas, servidas por caracteres fortes e resistentes.  Esse mal a República se encarregou de provar que não era devido ao regime político, mas ao nosso atraso intelectual, e talvez a outras causas ainda menos confessáveis.

Como, dada esta sensível falta de um poder despótico, cultivar ¬com espontaneidade, vigor e brilho, a poesia social, ou política? Nos meus belos tempos de estudante, costumavam alguns poetas novéis, neste passo imitados por alguns oradores estreantes, evadir a dificuldade, pedindo inspiração à Revolução Francesa. Incendiavam-se contra a tirania brasileira na contemplação da eloqüência de Vergniaud, da convicção pertinaz de Robespierre, da infatigável e corajosa dedicação revolucionária de Madame Roland, das incisivas e curtas arengas que Danton trovejou diante da plebe de Paris. Esqueciam-se de que não raros dos protagonistas da tragédia de 1789, por não verificarem no indeciso e tímido Luís XVI os caracteres conotativos de um déspota sanguinário, tinham sido forçados a aquecer a imaginação na história de reinados anteriores, ou na própria história romana.

Em um meio político, especialmente assinalado pela escrupulosa tibieza de quem encarnava a monarquia, não podia ser muito fecunda a musa revolucionária de Lúcio. Legou-nos algumas sátiras a altas personagens do regime imperial, e versos mais de uma vez sugeridos por fatos estranhos ao nosso país.

Aos que não conheceram pessoalmente Lúcio, certas composições das Vergastas e das Visões do Abismo, dão uma falsa idéia do caráter e dos sentimentos do poeta, notáveis pela afetuosidade e pela doçura. Tais são, por exemplo, estes versos da “Morte do Czar”:

Graças! louvado seja o braço niilista,
Que acertou, afinal!
Matou-se a velha fera, o abutre da conquista,
O urso imperial.

Este rubro e truculento republicano, que no verso tão ferozmente aplaudiu a morte do Czar, não cessou durante toda a sua vicia, na intimidade da família, de lamentar profundamente, pungido por verdadeiro e sincero remorso, o ter uma vez, quando pequeno, com alguns companheiros de jogos infantis, por um gesto imprudente, furado os olhos de um passarinho.
Se quisermos aquilatar o talento de Lúcio para a poesia social, havemos de nos deter diante do admirável quadro, em que, com a fidelidade de um naturalista, nos desenha um dos aspectos do instituto civil que por algum tempo nos infamou, a escravidão. Começa por estes versos:

Na senzaIa, no chão, numa esteira amarela,
Jaz o filho de Cam, o maldito. É um velho.
No mal coberto ombro os vestígios do relho
Traçaram-lhe uma cruz, a única que o vela.

Lúcio não era somente poeta, mas também prosador, sobretudo prosador. Ensaiou o romance, deu-nos O marido da adúltera, cujo defeito capital foi não ter animado o autor a prosseguir no gênero.

O romance, escrito num estilo espontâneo, simples e atraente, é a explanação de uma tese moral, e todo composto sob a forma de cartas, o que não ficava mal a um discípula e admirador do cidadão de Genebra. Apenas, as cartas, em vez de serem de Saint¬-Preux a Júlia e de Júlia a Saint-Preux, são muito brasileiramente dirigidas à redação do Colombo, em Campanha, Minas. Uma senhora casada, por um grave deslize da ética, foi causa do suicídio do marido. Aguilhoada pelo remorso, e querendo desoprimir uma profunda angústia, e ao mesmo tempo convencer aos amigos do esposo de que, posto muito tarde e para sua irremediável desgraça, chegou a compreender o homem honrado que foi seu marido, resolveu escrever e publicar a história de sua grande desventura. Conta-nos, então, como lhe correu a infância e a juventude, as más companhias que teve, às quais, fora supérfluo acrescentar, atribui uma boa parte de suas culpas, o relativo bem-estar e a decadência econômica da família, seguida logo da queda moral de uma irmã, e depois da grande falta, já precedida de outras, que determinou a terrível catástrofe, o suicídio do marido, moço, de brilhante talento, poeta admirado, e um caráter nobre e altivo.

As cartas da desconhecida são entremeadas cartas de um colega e amigo do suicida, o qual nos descreve a vida acadêmica de Luís Marcos, tal o nome do marido da adúltera. Este, quando estudante em São Paulo, já havia formulado a sua doutrina acerca da punição do adultério da mulher, que mais tarde pôs em prática. E, não tivesse ele revelado essa coerência, certo não merecera a simpatia e admiração com que Lúcio lhe traçou o retrato moral. Foi numa república de estudantes, a propósito do Processo Clemenceau, de Dumas Filho, que Luís Marcos expôs as suas idéias sobre o assunto. A conclusão era oposta à de Dumas. O marido enganado não deve matar a esposa que o enganou; deve suicidar-se. Embora à primeira vista pareça extravagante, a teoria é engenhosa, e assenta num interessante raciocínio filosófico. O marido da adúltera é um homem desonrado. Pode haver injustiça no conceito social; mas o fato positivo e incontestável é este: o marido da adúltera e um homem desonrado, ainda que injustamente. Sendo assim, oadultério da mulher é um fato, que o homem deve prever e evitar, como se deve prever e evitar a prevaricação, a calúnia, o estelionato. Se o não prevê e evita, é culpado.
Pode-se prever sempre. Na vida do homem não intervém a Providência, nem a fatalidade. É dominada unicamente pela previdência do indivíduo. Primeiro que tudo, importa escolher cuidadosamente a esposa, o que rio é difícil, quando se atende a que a hereditariedade é uma lei inflexível. Escolhida a esposa pela família, resta a educação da eleita pelo esposo. Essa educação é de extrema eficácia. A própria nobreza de caráter do marido constitui maravilho preservativo contra os desmandos da mulher; custa mais do que imaginamos rebelar-se contra a influência da honra: há altitudes morais, que a infâmia não atinge, assim como há alturas físicas, a que não chegam as infecções. Quanto à punição do sedutor e da família da seduzida, enquanto não se moraliza a sociedade e não se aperfeiçoa o direito ao ponto de equiparar ao homicida o causador imediato do suicídio e a família da adúltera, e puni-los todos pelo crime de morte, temos a sanção moral; a reprovação pública há de cair como um estigma formidável no autor da desonra, e na família que mal educou a esposa infiel: o marido da adúltera, eliminando-se, deixará os outros culpados inteiramente expostos à condenação da sociedade. O criador desta doutrina se casa, naturalmente, com os olhos fitos na lei da hereditariedade, e escolhendo a consorte pela família.
Ao cabo de alguns anos sucede o irreparável desastre, e o jovem esposo põe em prática a sua teoria. Assim como na discussão entre rapazes, tem Lúcio o cuidado de acrescentar, nem um só momento lhe faltou a réplica, assim na trágica realidade nem um só instante vacilou na ação. Laura, a bela pecadora, recolhe-se, arrependida e envergonhada, a um canto de sua província, donde divulga, para completar a própria expiação, e reabilitar o infeliz esposo, a comovente história dessa miséria moral.

Aí está, em síntese, todo o romance. O que não é possível reproduzir, e muito menos resumir, são os vários trechos de uma forma encantadora, pela simplicidade, pela veracidade e pelo modo leve de revelar uma minuciosa análise penetrante. Poucos melhor do que Lúcio terão descrito o interior de uma família que de um viver de relativo bem-estar se vai despenhando na voragem do infortúnio econômico, predecessor do infortúnio moral: as gradações por que passa a crescente penúria, a acridez de espírito, prenhe de convícios, que a cada passo explodem sem motivo, e a progressiva diminuição da resistência moral.

A teoria de Lúcio pode ter grandes defeitos, e creio que os tem, como a tese contrária do autor do Homem-Mulher. Nesta complicada matéria a doutrina completa seria provavelmente a resultante da combinação das duas, devendo-se pôr em prática, está subentendido, primeiro a de Alexandre Dumas, e imediatamente depois, em ato contínuo, a de Lúcio de Mendonça.

O que não posso admitir, é uma certa crítica literária, que condena e proscreve os romances, assim como os dramas em que se ensinam, ou, pelo menos, se estudam, os remédios para os males sociais, que com aplausos dessa mesma crítica são minuciosamente descritos, meticulosamente analisados, rigorosamente dissecados, em outra ordem de romances.  Se as questões sociais podem ser discutidas nas produções literárias, ao lado da exposição da moléstia deve estar a indicação do remédio.  E, se este freqüentemente não cura, é porque tal tem sido a função normal da maior parte dos remédios, tanto dos terapeutas como dos sociólogos.

Por alguns anos consagrou-se Lúcio à imprensa de propaganda democrática, redigindo o Colombo, de Campanha, em Minas. Quase todos os artigos, então escritos, reuniu em um livro, a que deu o título – A caminho.

Republicano fogoso e intransigente, aos que têm notícia desse período da história dos nossos partidos políticos não é difícil conjeturar, com probabilidade de acerto, o que foi o ardente jornalista. Havia então um documento político, em que se compendiavam as idéias aceitas por todos os adeptos da forma republicana: o manifesto de 3 de dezembro de 1870. Para esse decálogo do início da propaganda democrática duas reformas sobrelevavam todas as outras, por se reputarem a expressão das mais prementes necessidades políticas do país: a abolição do poder moderador, apontado como causa primordial, senão única, de todos os nossos males sociais, elimináveis pela atividade política, e a instituição do regí¬men federativo, que se afirmava ser imposto pela natureza, pela topografia do Brasil, pela diversidade de zonas em que se divide, climas vários e produções diferentes. Desses dois pontos essenciais do novo credo político de então era a crítica do poder moderador, teórica e praticamente examinado, a tarefa absorvente da imprensa democrática. O regímen federativo, por quase todos os republicanos ardentemente almejado, por quase nenhum era estudado, ou conhecido, superficialmente sequer. Eis uma verdade, da qual nos têm ministrado provas abundantes as vacilações, os avanços e recuos, e os desvios dos três poderes constituídos, o legislativo, o executivo e o judiciário. Com a mesma descuriosidade quanto ao presidencialismo, que nunca foi objeto de um estudo comparativo, aliás imperiosamente exigido pelo método positivo, o único hoje aplicável ao conhecimento dos fenômenos sociais, propugnavam não poucos a adoção desse sistema.

O espírito revoltado de Lúcio, impelido pelo influxo do meio, também se interessava de preferência pelas polêmicas concernentes às atribuições e ao exercício do poder moderador, “o único poder ativo do país, onímodo, onipotente, perpétuo, superior à lei e à opinião”. Consistiam, em geral, os escritos do jovem e infatigável jornalista em uma censura sem indúcias dos atos desse poder, acoimado de usurpador de todas as funções políticas.

Nos seus artigos não faltavam de vez em quando algumas arremetidas imprevistas, que deviam provocar ao adversário um irreprimível movimento de surpresa. Aludindo a uma das mais consideráveis personagens da política imperial, escreveu de uma feita: “Efetivamente, ele é um Luculo, depois de voltar do Oriente, forrado de Cartouche, e tendo aprendido a amar com D. João e a discursar com Tartufo.” Por mais habituado que estivesse à linguagem de nossa imprensa diária, cuja liberdade nos últimos tempos do Império D. Pedro II manteve ostentosamente, com certeza o velho servidor da pátria não pôde evitar um gesto de espanto, ao ver-se, em idade já avançada, e em meio de suas graves ocupações, comparado simultaneamente a Luculo, Cartouche e d. João Tenório.

Lúcio voltava sempre aos seus primeiros amores: o jornal e a advocacia não o fizeram esquecer a literatura. São desse período muitos dos contos, que depois se enfeixaram no livro Esboços e Perfis, a que se seguiu mais tarde um outro volume – Horas do Bom Tempo.
Alguns desses contos são primores de observação e de estilo, e nele temos a melhor parte da produção literária de Lúcio de Mendonça. Distingue-os, geralmente, um acentuado brasileirismo, naturalmente explicável por muitos anos de vida provinciana, e de contato quase ininterrupto com a natureza e com os habitantes do nosso interior. As viagens, que Lúcio apreciava, eram as viagens na província. “Viajar, escreveu ele nos Esboços e Perfis, é uma bela coisa, não lhes parece? O simples verbo evoca um bando de imaginações deliciosas... – a estrada vermelha, orlada das verduras do mato; ou os campos extensos, onde os fortes bois pensativos lembram Virgílio e a Écloga; ou; além, no fundo do vale, a água tranqüila, à sombra dos ramos vergados, em plena poesia bucólica; ou, na estrema do horizonte, a linha azulada das serras longínquas, por onde o nevoeiro vai arrastando os seus fantasmas lendários...” As próprias personagens, por ele criadas, amam as viagens pelos nossos sertões exprimindo o seu entusiasmo por frases como estas:

Quem já viajou de madrugada, na província, na minha principalmente, pelos extensos chapadões forrados de verdura, donde os primeiros beijos do sol erguem tênues brancuras de nevoeiro das moitas de capim, onde a noite entesourou as pérolas do orvalho; quem, nas frias manhãs mineiras, já viu adiante e por todos os lados o horizonte vastíssimo, limitado pelas serranias que a distância azula, respirando a plenos pulmões o fino ar puríssimo, perfumado como se dormira a noite no seio das flores; rodeado das vivas alegrias da alvorada ouvindo a música dos pássaros, admirando as pompas com que o céu se veste para a chegada do sol; forte, repousando, sentindo-se vigoroso e armado para todos os combates; esse compreenderá o estado de espírito em que eu me achava...

Não se procure nos contos de Lúcio uma observação paciente, trabalhados exames psicológicos, que denunciam uma investigação aturada, longa, poderosa, o estudo profundo, que nos dá os tipos compreensivos, a intensa preocupação artística, um conjunto sistemático. São quadros da vida, desenhados com dois traços leves, a reproduzirem rapidamente, em um instantâneo, caracteres e fatos, não raro vulgares, as alegrias fugazes de todos os dias, e as decepções, as tristezas, as dores comuns, que compõem o tecido da existência humana. Bem se poderia dizer dele o que a propósito, de um célebre mestre no gênero, cujo nome várias vezes, em escritos e na conversação, tem sido lembrado pelos que se ocupam de Lúcio, escreveu Anatole France, notando que toda a sua filosofia está encerrada nesta pequena canção, que as amas repetem às crianças:

Les petites marionettes,
Font, font, font,
Trois Petits tours,
Et puis s’en vont.

O escritor, a que aludi, é Guy de Maupassant, e a comparação, senhores, não claudica.  Ambos desenham os tipos que se lhes oferecem, sem preocupações de qualquer espécie. Em ambos a linguagem é espontânea, sóbria, simples, natural.  E, se fosse preciso um traço particular, que aproximasse um do outro, ainda o teríamos nessa predileção e rara felicidade, com que Maupassant nos descreve o camponês do seu país, e Lúcio o nosso caipira. Lúcio no-lo apresenta palpitante de realidade, com as suas qualidades e os seus defeitos, com uma. grossa camada de superstição, vingativo, dissimulado às vezes, violento até ao homicídio, mas probo em geral, com o seu inerradicável fundo de honestidade, a sua rude compreensão da honra e da justiça e sempre com a sua tosca linguagem de um sabor peculiar, tão expressiva, tão pitoresca. João Mandi, o barqueiro, “um robusto homem de calças arregaçadas até os joelhos, mostrando as fortes pernas musculosas, e a camisa desabotoada no pescoço, deixando ver o peito cabeludo”, casado com a bonita “morena, cujo cabelo negríssimo emoldurava uma testa admirável, pensativa e tranqüila; mas, a grande maravilha daquele rosto acabadamente mineiro, eram os olhos, amplos, luminosos, idílicos, tão afogados em ternura que se diriam lâmpadas misteriosas, acesas por magia divina para alumiar os momentos supremos da paixão”; João Mandi, que afoga o seu galante  hóspede, pelo motivo que bem se adivinha; e, voltando do rio, quando “a chuva engrossara e caía uma carga d’água violentíssima, entre fuzis e trovões horríveis”, ao ver a mulher prostrada e arquejante junto de um círio aceso “à imagem grande de Nossa Senhora do Socorro”, lhe brada, com uma sombria entonação de blasfêmia: “– Não perca o seu tempo: com um temporal destes, todos os santos do céu estão surdos”; o tipo de João Mandi não se apaga da memória dos que leram os contos de Lúcio. E que melhor sinal de uma boa criação literária? Igual impressão nos deixam o Coração de Caipira, o Defunto alegre, cuja leitura nos traz à lembrança La Roche aur Guillemots, de Maupassant, o Luís da Serra e alguns outros.

O espírito leve, juvenil, de Lúcio, comprazia-se em recordar os episódios da sua vida de estudante; e mais de uma vez o seu bom humor, ressuscitando esse passado, no-lo descreveu com a frescura e o interesse primitivo.  As cenas da vida boêmia, em geral, só nos prendem o espírito, e excitam o riso, quando somos adolescentes, e as presenciamos. Trasladadas em livro, formam um dos gêneros literários mais difíceis. Tentando dar-nos a conhecer a vida do estudante coimbrão na biografia acadêmica de João Penha, Gonçalves Crespo narra-nos como um dos culminantes eventos dessa quadra boêmia o “famoso duelo” em verso do poeta do Vinho e Fel com o autor da Morte de D. João; mas, os improvisos dos dois vates não merecem sequer a honra de ser transcritos na obra poética de ambos. Se Eça de Queirós, o divino Eça, nos faz ler de uma assentada, com um sorriso ininterrupto, que traduz um intenso gozo intelectual, as suas anedotas acerca de Antero de Quental, em Coimbra, vemos bem, logo depois, que o sucesso do narrador é devido quase exclusivamente ao mágico poder do seu espírito e ao encanto particular do seu estilo. Reconheço que sou um pouco suspeito ao emitir estes juízos: nós, os que somos, ou fomos professores, raras vezes descerramos os lábios, num começo de sorriso, ao ouvirmos contar essas farsas e aventuras de rapazes. Estamos habituados a ter notícia de novos gracejos e zombarias, algumas vezes mais picantes do que os antigos, e nutrimos sempre um íntimo receio de ser vítimas desses lances de vindita dos nossos alunos. Daí o estarmos continuamente em guarda, quando lemos essas histórias.  Pois bem: os contos de Lúcio, tão cheios de vida, e escritos com uma certa ingenuidade, são lidos com prazer pelos moços e até por alguns velhos professores.

Nem sempre é a nota alegre que sobreleva nessas ligeiras memórias e fantasias.  Pela Exumação perpassa continuamente um sentimento de afeto e de ternura. É a amizade de Lúcio ao seu companheiro de Academia em S. Paulo, há tantos anos e tão prematuramente morto, o poeta das Flores do campo. Aí temos o vosso saudoso confrade a vaguear sobre um assunto em que muito poucos poderiam competir com ele; pois, a muito raros é dado escrever, ou falar, da amizade com um coração tão sensível e tão franco.

De fato, senhores, era o coração de Lúcio um tesouro inesgotável de afetos para os amigos. Para ele a amizade nunca foi isso que Edmundo de Amicis nos descreve minuciosamente, em uma longa resenha das várias espécies de amigos:

“...a pobre amizade de todos os dias, incerta como o tempo, móbil como o ar, continuamente atormentada de mil pequenas e míseras paixões, hoje afetuosa e gentil, amanhã desconfiada e vingativa, algumas vezes generosa, muitas outras bisbilhoteira, quase sempre leviana, não raro mentirosa, por nós mesmos julgada de cem modos vários, que fazemos servir a fins inúmeros, ora objeto de mofa, ora tomada a sério, já atirada para um canto, já requestada com amor, constantemente concedida, recobrada, recusada, profusa, extinta, implorada, conforme as nossas disposições de ânimo, as nossas necessidades e caprichos, demasiadamente volúvel como o amor, complexa, profunda, maravilhosa, como o próprio coração do homem.”

Não era, tampouco, a amizade que Emilio Faguet, esse outro monógrafo, tão sintético, da amizade, reduziu toda a este conceito: defender-nos diante dos que nos acusam, ou nos ridicularizam. Não direi que fosse a amizade destes versos de Gonçalves Dias:

Meus prazeres
Foram só meus amigos; meus amores
Hão de ser neste mundo eles somente.

O espírito de Lúcio ora bastante complexo, e dotado de bastante alacridade, para se encerrar em um prazer, ou em um sentimento exclusivo. Mas, foi com certeza a amizade da Ética Magna de Aristóteles, ao mesmo tempo um espontâneo e profundo sentimento e uma grande virtude. Quem não lhe conhece a dedicação comovente ao irmão mais velho, que o iniciou em todos os estudos, desde os mais tenros anos, o vosso eminente confrade Sr. Salvador de Mendonça?... Iniciou em todos os estudos... não disse bem. Lúcio nunca teve professor de primeiras letras. Na idade de cinco anos, ouvia ler um pequeno trecho de um jornal, ou de uma carta, retinha-o na memória, e depois ia casando os sons com os caracteres gráficos. Foi assim que aprendeu a ler e escrever, sem nunca ter tido mestre.

Nos fatos mais insignificantes revelava-se a afeição e o carinho de Lúcio para com os amigos. Tinha delicadezas de sentimento, que pareceriam impossíveis a quem só conhecesse as bruscas irrupções do seu temperamento quase impulsivo.  Quando estudante em S. Paulo, moravam na mesma casa ele, o eloqüente e ilustre orador sagrado padre Francisco de Paula Rodrigues e mais um ou dois companheiros. Um dia, Ezequiel Freire, o amigo inseparável de Lúcio, a quem já me referi, lia um romance, em que abundava excessivamente a nota crua, em um dos aposentos da casa; e Lúcio, que foi sempre livre-pensador, tão cioso de sua coerência em princípios filosóficos e políticos, bruscamente interrompeu o leitor com estas palavras: “Vamos ler no meu quarto; nesta sala o pa¬dre Chico lê o seu breviário.”

Vede agora o reverso da medalha, sem o qual não vos daria idéia exata do que foi Lúcio de Mendonça: não era raro dizer-lhe algum colega na Faculdade de Direito: “Parece que estás ficando católico; a convivência com o padre Paula Rodrigues vai pouco a pouco modificando as tuas crenças religiosas.” Já estavam todos certos de que no dia seguinte apareceria infalivelmente na Província de S. Paulo, o jornal de Rangel Pestana e de Américo de Campos, um tremendo e descabelado artigo contra a religião e contra os padres.

Proclamada a República, o mais ardente sonho... (aqui, por ser a exata expressão da realidade, bem pode ser permitida a tão estafada frase), o mais ardente sonho de toda a sua mocidade, não quis Lúcio ocupar nenhuma posição política de combate, o que tão bem se ajustaria à sua índole e qualidades de lutador.  Depois de exercer alguns cargos burocráticos e de auxiliar da magistratura, veio afinal refugiar-se nesta. Que se teria passado naquele nobre espírito, dominado sempre até à obsessão por estas duas idéias, que foram os lemas supremos de toda a sua vida: coerência e independência? Menos feliz do que o trovador da Aquitânia, que, embalado nos braços de sua princesa adorada, mas não possuída, ouviu, à guisa de consolação extrema, estes versos sonoros e de um conceito tão verdadeiro:

Tu n’auras pás connu celle tristesse grise
De l’idole, avec qui l’on se familiarise.

Ele viveu muitos anos em íntimo contato, a familiarizar-se com o seu ídolo, cujos defeitos, erros e delitos, assim foi constrangido a conhecer.

De Lúcio, juiz, muito pouco direi.  Não receeis que eu cometa a profanação de, no recinto da Academia, aludir às suas opiniões acerca do hábeas corpus e do recurso extraordinário. Notarei unicamente que a sua variada cultura jurídica, a pureza do seu caráter, a sua grande elevação moral e o próprio exaltado sentimento de independência haviam forçosamente de fazer dele o digno e eminente magistrado, que foi.

Uma das mais úteis e patrióticas obras de Lúcio de Mendonça (desculpai-me, senhores, se neste momento vo-lo digo) foi a fundação da Academia. Num período histórico, em que um vão desejo de notoriedade perturba tantos espíritos, arrastando-os a singularidades injustificáveis, e a anarquia das idéias pede meças a extravagâncias da forma; quando é preciso, para me servir das palavras de Ferdinand Brunetière, “defender os direitos da tradição contra o assalto tumultuoso da modernismo”; que mais eficaz instituição, que melhor autoridade moral, a única possível no caso, do que a Academia, onde, em um terreno neutro, se encontram os velhos e os novos, sempre que as inovações destes não se traduzem em investidas contra o bom senso e o bom gosto? Se, antes de uma longa tradição, que o grande morto de ontem, Joaquim Nabuco, julgava indispensável para o prestígio de uma academia, já a vossa fama fascina o espírito dos homens de letras e dos cientistas do Brasil, ao ponto de um mero cultor do Direito, que apenas teve como título de apresentação a vossa benevolência e magnanimidade, considerar o seu ingresso nesta companhia o maior prêmio do seu amor ao trabalho; é fácil presumir o que será a Academia, quando ao renome dos seus mais ilustres consócios se aliar a consagração do tempo, o poder ampliador da tradição e a idealização por que a história faz passar os seus eleitos.

Ainda quando se limitasse a Academia a zelar a pureza da língua pátria, a vedar que se enxovalhasse, pelos iconoclastas da vernaculidade, que se perdesse, ou se diminuísse, a energia, a frescura, o perfume e a cor, que ela sempre conserva, quando tangida por uma pena hábil e carinhosa, que maior ou mais patriótico serviço fora possível prestar à nossa pátria?

E sob esse aspecto moral que eu julgo boa a última criação de Lúcio.  Foi uma obra eminentemente patriótica; pois, quando lhe negassem todos os benefícios que pode trazer-nos, nunca fora possível contestar à Academia o mérito que o ceticismo galhofeiro de Camilo Castelo Branco não recusou às academias congêneres do século XVII, o de “estimular algumas ambições honrosas”.