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Discurso de recepção

Discurso de recepção por Abgar Renault

Personalidade – eis a primeira palavra que sugere ou desperta a figura intelectual, moral e física de Marcos Almir Madeira. Ele é incomum e sua personalidade também o é. Baste-nos considerar os seguintes aspectos da sua figura: é incomum em tom, em modo de ser, é incomum no trato com os amigos, é incomum no conversar, não por ser pedantesco, senão por ser sempre exato, preciso e correto – qualidades muito raras na conversa brasileira dos dias de hoje.

Mas que é personalidade? A palavra tem sua origem no latim persona, que significa “pessoa”; observe-se que de pessoa se tira “pessoalidade”, palavra que tem evidente parentesco com “personalidade”, mas não guarda o sentido desta e é pouco usada.

Daí nasce a figura de Marcos Almir Madeira tal como a conhecemos, tal como é no seu conjunto geral, e não como pessoa apenas.
 
Esta não é diversa na qualidade, e falo em pessoa intencionalmente, pois personalidade não é o mesmo que pessoa. Esta pode existir sem aquela, mas personalidade não existe sem a pessoa, que é, sem dúvida, a sua raiz.

Esse observador exímio, que é Marcos Almir Madeira, iniciou cedo a sua escrita literária: por volta dos vinte e poucos anos deu início a uma obra que viria desdobrar-se ao longo da vida: estudou Machado de Assis na flor da idade. O seu estudo não é longo, mas é bastante para ajuizar o poder crítico e descritivo que o inspirou. Não é o tamanho que faz o valor da obra, senão esta em si, no seu desdobramento por parte de um leitor digno desse nome.

Marcos Almir Madeira é, assim, figura realmente singular que se desdobra e se multiplica em cada um dos pequenos capítulos do seu primeiro livro A Ironia de Machado de Assis e Outros Temas.

A sua vocação literária teve o ímpeto de suas raízes, acelerado pela influência de seu pai, que o levou a conhecer figuras como Alberto de Oliveira, o maior dos nossos parnasianos, a meu ver, Oliveira Viana, Levi Carneiro, Afrânio Peixoto, Humberto de Campos, Raul Fernandes e outros.

Esse convívio erudito deve ter dado origem, sem dúvida, à finura do seu gosto literário e à feitura de tantos livros de valor em que a feição crítica é a face capital.
 
São numerosas e extremamente significativas as opiniões de importância sobre a figura de Marcos Almir Madeira. Algumas delas figurarão neste discurso.

O que caracteriza especialmente o conjunto da obra de Marcos Almir Madeira é a pureza da linguagem e a beleza do estilo isento de lugares-comuns. A crítica é o seu motivo capital, e dela constitui-se o último livro que publicou, belamente intitulado Fronteira Sutil – Entre a Sociologia e a Literatura, em que se encontram notáveis estudos críticos, como nos capítulos “Educação e Cultura”, em que aborda o problema do falso pragmatismo e da descaracterização cultural, a propaganda exógena e a ruptura dos valores endógenos; Aspectos da Regressão Social; Arte e Indivíduo; Palavra e Cultura: Anchieta, sua Escola e seu Teatro; Modernidade e Psicanálise na Obra de Raul Pompeia.

Nesse pequeno grande livro, aparecem outras figuras admiráveis, como Gilberto Amado, Afonso Arinos de Melo Franco e Antonio Candido, todos objeto de exímios estudos críticos.

Antes, porém, de Fronteira Sutil, Marcos Almir Madeira já publicara outros livros importantes, cujos títulos e apreciações não podem deixar de ser lembrados aqui e agora. Assim, rememoramos: Oliveira Viana e o Espírito da sua ObraBacharelismo e TecnicismoCompreensão de Euclides da Cunha; Um Generoso Inquieto: Lúcio de Mendonça; Posições Vanguardeiras da Sociologia Brasileira; Romance e Trópico; Atualidade Política de Três Poetas Victor HugoFernando Pessoa e Garcia Lorca; e Homens de Marca, que pode ser havido por obra da maior importância entre as realizadas por Marcos Almir Madeira. Também merece menção especial A Revolução Francesa – O Sentido e o Rumo das Ideias, a Mensagem e o Momento, notável estudo publicado em 1991.
 
Mas isso não é tudo, como não é tudo a agudeza crítica do autor. Constitui imperiosa justiça lançar em alto relevo a linguagem e o estilo de Marcos Almir Madeira, qualidade a que fizemos até agora escassa referência de passagem, insuficiente em face dos valores singulares de uma e de outro.

A respeito de Marcos Almir Madeira como escritor são realmente consagradoras as opiniões de Alceu Amoroso Lima, em alocução de 1958, nesta Academia, comentando o ensaio sobre Lúcio de Mendonça: “Pena de alta finura [...], de verdadeiro estilista”; de José Américo de Almeida, em discurso no Pen Clube (1974): “Homem de Ideias e de Fina Expressão Literária”; de Cassiano Ricardo, também em alocução no Pen Clube (1965): “O espírito literário de Marcos Almir Madeira revela-se até em conversa de telefone”; de José Guilherme Merquior: “Uma sageza quase erasmiana, de tão lépido e lúcido” (em discurso de posse no Pen Clube do Brasil, 1984); de Roger Caillois, membro da Academia Francesa: Un écrivain à la tribune et, j’ose le dire, un orateur discipliné par l’orateur (de uma conferência pronunciada em 1973, no Pen Clube).

Hoje, escrever no Brasil é estropiar a Gramática, é desvalorizar a Linguagem e enxovalhar o Estilo. Marcos Almir Madeira é exemplo magnífico do contrário. Toda a sua linguagem é exemplar, e exemplar é também o seu estilo. Aliás, não é apenas no escrever que esse autor desperta vivos admiradores: é também no conversar; não é que seja pedante e gramaticante: é sempre simples, exato, seguro e elegante. Não se vê diferença de qualidade entre o que diz e o que escreve: é sempre admirável.

Assim, se tomarmos A Ironia de Machado de Assis e Outros Temas – o seu primeiro livro publicado em 1946 e escrito a partir de 1938, quando contava apenas 24 anos –, ou se nos voltarmos para Oliveira Viana e o Espírito da sua Obra ou Um Generoso Inquieto – Lúcio de Mendonça, ou Homens de Marca, encontraremos igual talento crítico e conhecimento histórico, acontecendo o mesmo se preferirmos a mesma incisão crítica, queremos dizer a mesma finura, o mesmo valor de estilo e de segurança gramatical.

Marcos Almir Madeira é o mesmo valor em todas as suas obras.
 
Não é fácil esgotar a descrição ou indicação das atividades intelectuais de Marcos Almir Madeira, além do que encontra expressão em seus livros já citados.
 
A primeira de tais atividades aparece na Presidência do Pen Clube do Brasil, a cuja finura social e literária imprime vigor sem igual, conferindo-lhe expressão nacional e repercussão internacional. Não é apenas o presidente desse grêmio: é, por igual, o seu coração e a sua voz.
 
Ao lado de tal figura, surge fulgurante o professor que exerceu o seu rico magistério na antiga Universidade do Brasil, na Universidade Federal Fluminense, na Fundação Getúlio Vargas e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
 
Além disso, seria erro não mencionar o causeur admirável, que traz na sua fala incomum a capacidade de atrair e prender qualquer companheiro de convívio em qualquer auditório, por mais disperso que seja.
 
Fechado tal ciclo, lembrarei o orador exímio que é Marcos Almir Madeira e o seu humor invencível.
 
Por esse conjunto de motivos, raríssimo numa só pessoa, tenho a segurança de dizer, como Presidente desta Casa ilustríssima e como um dos seus membros mais antigos, que a presença de Marcos Almir Madeira honra a Academia, que ora gloriosamente se abre para ter a honra de recebê-lo. 
   

11/11/1993