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Luís Carlos

                        COLUNAS

Colunas - sustentáculos serenos

Dos palácios, dos templos, das estátuas.

Heroínas da arte eterna dos helenos.

 

Colunas- formas fiéis. Em culto acato-as,

Como tipos, na graça ou na firmeza,

De heráldico perfil, sem linhas fátuas.

 

Quero ser forte. Para tanto, presa,

Nelas, minha visão deixo, erigindo

Versos - colunas de outra natureza.

 

Possa eu mantê-las na escalada ao Pindo,

Atravessando os danos do trajeto,

Com lágrimas nos olhos, mas sorrindo.

 

E possa o ideal supremo que arquiteto

Fundar sobre elas, para a Eternidade,

Como um templo de mármore do Himeto.

 

Mas... (temerário intento!) em vão me invade,

Fibra por fibra, este incendido empenho

- Febre viril de fúlgida vaidade!

 

Ah! mísero, não viesse eu de onde venho!

Não me enganasse a fantasia ufana.

Força igual me servisse a igual engenho.

 

Luta que, mal começa, desengana

Que, para deuses feita, aos poetas muda

Em desespero a natureza humana.

 

Vencer é o fim, porém, minha Arte é ruda

Para a conquista da ambição mais alta.

Debalde a espera, a inquire, a explora, a estuda.

 

Nesta cruzada o próprio excídio exalta

Se na virtude há sempre uma vitória,

Não há derrota, muita vez, na falta.

 

Versos que ergueis minha ânsia transitória,

Rolai como as colunas peregrinas

Do Partenon que, mortas, têm mais glória,

Transfiguradas no esplendor das ruínas...

                                                                                             (Colunas, 1920.)

 

                                ATO DE FÉ

Musa, que em mim raiais como um clarão sonoro,

Incendendo-me o ser no ardor de um sonho imenso;

E que, corporizando a essência do que penso,

Em poemas converteis as lágrimas que choro;

 

Não me deis o esplendor de efêmero meteoro;

Condensai-me no estilo a força que eu condenso

Na minha fé - vapor de luminoso incenso -

Quando no ofício da Arte Excelsa me afervoro.

 

Quero a rima tocar; ver se ao mármore irmana,

Na contextura, e , assim, por pedestal do verso

Tomando-a, ter no verso uma coluna ufana!

 

E alto, sobre a coluna, ao sol, no Espaço imerso,

Hastear e defender contra a vileza humana

O pavilhão do ideal em face do Universo.

                                                                                            (Colunas, 1920.)

 

                              TEMPO

Tempo essência do Espaço eterno. Tempo - fio

Da vida, mas que enleia a vida e a morte agoura,

Ligando o que hoje cria à destruição vindoura:

Cada berço nascente a um túmulo vazio!

 

Ilude se é veloz, engana se é tardio,

Porque só se lhe altera a força imorredoura,

Quando encanece o campo ou quando o campo aloura,

Causando o outono, o inverno, a primavera e o estio.

 

Transforma as cousas: cerra um astro e outro descerra.

Mas, sem que a vida enerve e sem que a morte afoite,

Mantém a coexistência orgânica da Terra.

 

Desvenda, aos poucos, tudo o que o mistério acoite.

E ao Sol sempre cingindo o mundo, o mundo encerra

No eterno ciclo - a aurora, o dia, a tarde, a noite.

                                                                                        (Colunas, 1920.)

 

                CONTRASTES DA NOITE

Ver a noite pairar placidamente escampa,

Sem um cirro, sequer, que se adelgace a rastros,

Toda ungida de luar, toda esculpida de astros,

Imitando na Altura o azul que o dia estampa;

 

Ver a noite pairar pela amplidão silente,

Em mística volúpia, eternamente nua,

Parecendo ressoar leves toadas da Lua,

Indefinidamente, indefinidamente...

 

Ver todo esse esplendor do Céu como um proscênio,

Na glorificação sem fim da Eternidade,

E, na ânsia de o tocar, vê-lo que nos dissuade,

Intangível à força, intingível ao gênio.

 

É ver tudo o que prova a inanidade humana;

É sentir a coação tantálica da argila,

Que, em seu cárcere vil, o ser nos aniquila

E aos brutos animais na Terra nos irmana!

 

Mas uma noite, assim... mas uma noite pura

Como esta, que ora, no ar, ao plenilúnio, vibra,

Tanta magia tem que à mais nervosa fibra

Imprime calma e imprime encanto à desventura!

 

Uma noite como esta é uma oblação imensa:

Vão as cousas, parece, empoeiradas de neve,

Num gesto de ascensão etereamente leve,

Que o límpido vapor do plenilúnio incensa...

 

Uma noite como esta é o supremo conforto

E o supremo perdão para a miséria e o crime;

É o Céu que se desvenda e a paz futura exprime,

A um tempo a recordar todo o passado morto.

 

É, pois, uma esperança a uma saudade unida,

Na extrema aspiração em que a alma se transporte:

- Esperança de um bem, que só virá na morte;

Saudade de outro bem, que não vem mais na vida.

                                                                                            (Colunas, 1920.)

 

              CLAUSTRO ABANDONADO

Esta ruína que vês, cujo zimbório abriga,

Na severa feição de venerável urna,

Recalcadas paixões de tradição soturna,

É um claustro, que existiu ao sol da idade antiga.

 

- Entra-lhe a porta e vê: cresce por tudo a urtiga...

Melancoliza o ambiente uma expressão noturna;

Negreja, a cada passo, a boca de uma furna,

Bocejando, ao torpor de secular fadiga.

 

- Ajoelha, pecador. São túmulos daquelas

Que a glória teologal de penitências tantas

Por fim transfigurou na solidão das celas!

 

- Ajoelha, pecador. Nestas ferais gargantas,

Sufocaram-se os ais das místicas donzelas

- Monjas, durante a vida; ao fim da vida santas.

                                                                                            (Colunas, 1920.)

 

                               EQUUS

Pela amplidão da paz bucólica do prado

- Ondulando ao sabor dos zéfiros a crina

Ora meneia a cauda, ora esbelto se empina,

Como se o cavalgasse um cavaleiro ousado.

 

Companheiro imortal do impávido soldado,

Nas tradições marciais da espada e da clavina,

Do alto, as praças, no bronze escultural, domina,

Pelos fastos da lenda heroica eternizado!

 

Calígula... Alexandre... Átila... toda a História

No-lo revela. E afeito à heroicidade cega

Sempre que ouve um clarim na sugestão da glória,

 

Estaca - orelhas no ar! - relincha... resfolega...

E vê-se-lhe no olhar, em clarões de vitória,

Relampaguear a hostil nevrose da refrega!

                                                                                           (Colunas, 1920.)

 

                                O POETA

Ninguém saiba quem sou. Quero viver sepulto

Na minha solidão grandíloqua de asceta,

Preferindo aos clarões do mundo a luz secreta,

Que aclara, quando é sonho, e abrasa, quando é culto.

 

Perpasse eu pela vida aparentando um vulto

Envolto no pudor, como visão discreta.

Mas que surja, por fim, transfigurado em poeta,

Da crisálida azul em que o meu ser oculto.

 

E, através da efusão fecundante do dia,

Suba àquelas regiões, de onde os sóis não se somem,

No equilíbrio imortal da suprema harmonia.

 

E fique no esplendor que as eras não consomem,

Provando, pela glória estranha da poesia,

Como pode caber um deus dentro de um homem!

                                                                                            (Colunas, 1920.)

 

                         SUBSTRACTUM

Formoso ideal com que a sonhar me iludo

- Fraternidade humana, vã doutrina

O homem só por si próprio se fascina,

- Narciso eterno, eis seu mistério rudo.

 

O beijo, o abraço, o adeus, o aplauso... tudo

O que oferece, quando raciocina,

São só disfarces da feição genuína

Do seu caráter cego, surdo, mudo!

 

Amizade, respeito, simpatia,

Misericórdia, amor, saudade, ciúme.

Tudo acaba, se o egoísmo principia.

 

E o homem, vivendo entre outros homens, a esmo,

Vê que a vida, afinal, se lhe resume

No profundo deserto de si mesmo!

                                                                                            (Colunas, 1920.)

 

                        SUPREMO TRAVO

Esta muda tristeza indefinida,

Que prematuramente me envelhece,

Dando-me ao ser a contrição da prece,

Dando-me à vida a sombra da outra vida;

 

Este surdo pesar, que me intimida

E o ânimo quente, aos poucos, me arrefece,

Colhendo lágrimas em larga messe,

Sempre à mesma recôndita ferida.

 

É a condição da minha essência humana.

E sente-a, apenas, quem, no curso incerto

Da existência falaz, nunca se engana;

 

Quem não vibra à ventura, que tem perto;

Quem, no seio de alegre caravana,

Compreende a sós a mágoa do deserto.

                                                                                          (Colunas, 1920.)

 

                      DOR ESTÉTICA

                                                                                  A René Thiollier

A dor dentro da qual vivo em clausura,

Dor que não cede com ser bem sofrida,

Por derivar de incógnita ferida,

Que o bálsamo das lágrimas não cura;

 

Dor de eleição, ventura e desventura,

Vago esplendor de essência indefinida,

É a cristalização da minha vida,

Porque assim me assoberba, assim me apura.

 

Sofre-a quem sonda o arcano, que elabora

A expressão da beleza - estranha aurora,

Que virginiza as flores e o alabastro;

 

E assombra e humilha e acende o heroísmo e eleva

Quando - clarão lustral - exsurge de Eva,

No acordo oculto entre um abismo e um astro.

                                                                                            (Colunas, 1920.)

 

 

                                O CANHÃO

Guardando uma expressão de austera indiferença

Por tudo que o circunda, atento no Infinito,

Queda-se a meditar no destino maldito

Que prende a sua glória a uma tragédia imensa.

 

Não há poder algum que tão de vez convença,

Traz sempre a boca aberta a sugerir um grito,

Deixando, em toda a parte, um pânico inaudito,

— Sinistro núncio, que é, da máxima sentença.

 

Mas resiste no peso ao bélico transporte,

Na inversão do seu fim, como que, por encanto,

Lembrando um condenado a rastros para a morte.

 

E parece, afinal, compenetrar-se tanto

Do seu delito atroz que, em repulsão mais forte

Quando atira, recua, enchendo-se de espanto!

                                                                                           (Colunas, 1920.)

 

                                 SUTIL VENENO

                                                                             A Gomes Leite

Este anseio... esta dúvida... este medo,

Que o coração me traz em sobressalto;

Medo, por ver que aos preconceitos falto,

Para glória e expiação do meu segredo;

 

Dúvida e anseio, porque assim procedo,

Na conquista de um bem por demais alto

Para o surto da mente e para o salto

Do corpo, mente em caos, corpo em degredo;

 

É a condição da minha desventura:

- Trama de invisas lágrimas tecida

Pelos teares da escrita e da leitura!

 

Nunca me dessem asas para a lida!

Nem eu fora atraído pela altura,

Nem tombara, como Ícaro, na vida.

                                                                                            (Colunas, 1920.)

 

                                PÓRTICO

Ó minha esposa, minha mãe, meu filho,

- Santíssima trindade do meu peito -

Se este jardim de sonhos imperfeito

Floresce a pobre lira que eu dedilho;

 

É que deixastes nele o estranho brilho

Do vosso olhar, que me fecunda o jeito

De tratar, como a um casto amor-perfeito,

Vosso perfeito amor, que a nada humilho.

 

O verso... vosso bem é que mo trouxe;

Não me dissera a Musa uma verdade,

Se de vós três a síntese não fosse.

 

Quem quer que leia, pois, meus versos, há de,

Certo, aceitá-los... se aceitar o doce

Mistério da Santíssima Trindade.

                                                                                       (Colunas, 1920.)

 

              SONETO DO CORAÇÃO

                                                   A minha mulher e a meus três filhos

Dizem que a vida é um trâmite orientado

Para a ventura e a glória ou para a escura

Condição de ostracismo e desventura;

E mesmo se é feliz produz enfado.

 

Mas nossa vida corre para o lado

Onde a felicidade se afigura,

E não deixa uma sombra de amargura,

Sequer, pelo caminho palmilhado!

 

A Terra, seara de ouro, até parece

O Céu. Mas por que lei desconhecida

Nunca se encontra joio em nossa messe?

 

É que o amor leva a angústia de vencida.

E quis, em nós, para que exemplo houvesse,

Fazer de cinco vidas uma vida.

                                                                                            (Colunas, 1920.)

 

                             VENTURA

Ventura!... Tanto dizem da ventura!

Uns... que consiste na mulher amada;

Outros... na glória de imortal nomeada,

Que a argila humana em bronze transfigura.

 

O cego diz que é a luz que em vão procura;

O artista - o ideal, como o guerreiro - a espada;

O crente - o Céu, como o suicida - o Nada.

Cada qual na visão que o bem lhe augura.

 

Todos a consideram por um prisma,

Que em complexa feição sempre a revela.

Pois é simples a minha... o verso diz-ma:

 

- Ver a noite através de uma janela,

Tendo comigo, em convivente cisma,

Pena, tinta, papel, cigarro e vela.

                                                                                            (Colunas, 1920.)

 

                 HERANÇA BÍBLICA

Na ambição de subir, tornei-me alheio

A tudo o que rasteja pelo mundo.

Cegou-me a glória, no meu largo anseio

De conquistar o que desejo a fundo.

 

Meu templo de arte no esplendor sonhei-o...

Eis, porém, que, à mercê de um mal profundo,

Os mil encantos desse doce enleio

Se desvanecem todos, num segundo!

 

Teimo... e, oh! dúvida! a empresa acho-a tão alta

Se amor me sobra para o que pretendo,

Para tanto subir força me falta!

 

Teimo... e, afinal, depois de tantos anos,

Cego!... é que vejo que eu andava erguendo

A torre de Babel dos desenganos!

                                                                                            (Colunas, 1920.)