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Hélio Lobo

DIPLOMATAS E CÔNSULES

Não se limitou o Circulo de Diplomaticos y Consules Universitarios da Nação Argentina a admitir-me em seu seio como sócio honorário, senão também abriu-me os degraus desta tribuna. Se aquela distinção muito me desvaneceu, esta me deixou, na verdade, confundido. Aceitando-a, como ora faço, digo-vos mui sinceramente que me não julguei na altura dela: apenas desejei, escudado na vossa benevolência, não perder esta ocasião de conversar convosco, neste vosso ilustrado grêmio de palestras e estudos.

Somos, aliás, todos mais ou menos irmãos, nesta vida acidentada de embaixadas e representações. E quando nos reunimos, como hoje acontece, nem sempre é para o desempenho de uma daquelas funções essenciais, que alguém exigiu num bom diplomata, a saber: jogar o bridge, dar um passo de valsa e falar mal do próximo. Quisesse eu executar aqui qualquer delas, e nem vos mo havíeis de permitir, nem o saberia eu, pois jamais blasonei de bom profissional. Não tive nunca queda para o pano verde, alta vai já a idade para o one step, e do próximo costume dizer coisas perversas, não diante de uma assistência brilhante e numerosa como esta, mas aos recantos, em grupos reduzidos, como sabe fazer o murmurador contumaz.

Além disso, aqui se fala e aqui se cuida seriamente da carreira. Não conheço assunto mais grave. É da carreira no seu sentido lato, a carreira da secretaria dos negócios estrangeiros, a carreira diplomática e a carreira consular: carreira, em abreviatura, ou, para dizer na linguagem dela, e consoante o livro célebre que a fustigou, La carrière.

Que evocações nos traz à lembrança essa palavra, que cenas nos reproduz na sua divina magia... Ela recorda todo um cortejo de coisas finas, que morreram, quando o minueto dava o tom, e a graça das senhoras constituía, como ainda hoje, felizmente, o pomo de discórdia entre os homens. Calções de seda magníficos, jarreteiras de pedraria rara, ou ainda o chapéu triforme sobre os cabelos empoados: assim falaram às damas de antanho e fizeram política internacional embaixadores e príncipes. Era o tempo em que se gizavam nos saraus de espavento os destinos do mundo, ao tinir de cristais finos quando não ao som de um velho cravo precioso... Podia, acaso, dispensar-se a capacidade para os negócios, da linha mundana não era permitido abrir mão; o que não impediu que a terra se julgasse bem administrada, e parece que o não foi, porque deu no que hoje vemos. Logravam os mais capazes, cumpre dizê-lo, ocasião de temperar as árduas cogitações nacionais com os múltiplos divertimentos de corpo e espírito, em que tantos se compraziam, como aquele incomparável Príncipe de Metternich, árbitro da Europa e rival de Napoleão, o qual, segundo o depoimento do seu secretário Gentz, empregava dia e noite na recreação. "A que horas repousa e a que horas medita Sua Alteza?" - indagavam, entre atônitos e enleados, seus contemporâneos.

Eu não posso dizer dessa idade de ouro da carreira, sem pensar no que, durante ela, representou em astúcia, graça e sutileza um outro príncipe, este de sangue francês, o Príncipe de Talleyrand. De ontem são seus feitos e chistes, e para nós é um delicioso prazer revivê-los como o jardim florido da profissão. Não possuísse o arcebispo de Autun, no seu ativo de serviços, esse memorável trabalho no Congresso de Viena, com que salvou a França e penetrou na posteridade, e lhe não teriam desculpado os homens as leviandades e ligeirezas, que andou multiplicando à direita e à esquerda. Deveis estar lembrados de que algumas houve de sabor especial, dignas a todo tempo do paladar de um abade da força daquele Coignard para quem os dois maiores prazeres desta terra podiam resumir-se na mesa e no leito: "Il y a deux meubles que je tiens en haute estime, c’est le lit et la table. La table que, tour à tour chargée de doctes livres et de mets succulants, sert de support à la nourriture du corps et à celle de l’espirit; le lit, propice au doux repos comme au cruel amour."

Foi por uma frase de espírito, vós o não ignorais, que Talleyrand penetrou na carreira, e por outras de graça que nela constituiu modelo singular. Quem nô-lo relembra é o seu demolidor Sainte-Beuve, no seu livrinho sobre Monsieur Talleyrand. Estava-se no salão de Madame de Berry, e cada qual narrava a seu jeito a estréia mais ou menos afortunada na vida. Elegante no seu traje curto, o jovem abade, "com uma fisionomia que, sem ser bela, era singularmente atraente, ao mesmo tempo doce, impudente e espirituosa, conservava-se calado. E Vossa Reverendíssima, indagou a favorita, nada diz? Ai de mim, suspirou Talleyrand, eu estava justamente a fazer uma triste reflexão... Qual? A de que Paris é uma cidade onde sempre é mais fácil encontrar uma mulher, que uma abadia..." Foi o dito até Luís XV, e a França, perdendo um cura, ganhou um grande diplomata.

Talleyrand é o tipo do profissional casquilho e ao mesmo tempo operativo. Podiam acusá-lo os rivais, como seu contemporâneo Pozzo di Brogo, "de ser grande, por haver-se colocado entre os medíocres"; mas a verdade é que não carecia desse expediente para crescer, e de vulto foram os que com ele ombrearam. Pode também o sapato de entrada baixa ser compatível com o mais entranhado patriotismo. Mesmo ganhando no jogo, em dois meses, trinta milhões de francos no Club des Echecs, o que àquele tempo parecia uma fortuna, ou recebendo sessenta das grandes e pequenas nações durante sua carreira diplomática, Talleyrand foi grande. Pois não saiu dele o dito de que "la grande affaire est incontestablement d’accroîte sa fortune"? Quereis ver, entretanto, a que extremos de observação ia seu espírito, atentai nesta máxima política: "L’art de mettre les hommes à leur place est le premier peutêtre dans la science du gouvernement; mais celui de trouver la place des mécontents est, à coup sûr, le plus difficile."

Célebres ficaram suas entrevistas com o grande Napoleão, e o modo pelo qual, entre injúrias, segundo sua própria confissão, o destratava o amo nos seus freqüentes acessos de cólera. "Pena é ser Sua Majestade tão mal-educado", dizia sorrindo, aos áulicos, ao deixar os aposentos imperiais. Sua impassibilidade parecia tal que, segundo se gabou, podia suportar, coxo, um pontapé por detrás, sem que ninguém por diante percebesse. Este homem superior, versátil como as estações, não se corria de mudar de opinião como de camisa, e fez o elogio do oportunismo numa profissão de fé que ficou. Dele é, vós o sabeis bem, o pas trop de zèle da recomendação vulgar. "Il y a deux choses, messieurs", falou ao assumir o posto de Ministro dos Negócios Estrangeiros, "que je vous defends d’une manière bien formelle, c’est le zèle et le dévouément trop absolus, parce que celà compromet les personnes et les affaires." Lembra-me certo livrinho francês, traçado com a leveza de que só a raça é capaz, no qual, a cada mudança de credo político ou de princípios em cada grande homem, correspondia, à margem, como signo, uma bandeira tricolor: Talleyrand tinha para mais de quarenta... O primeiro dever do diplomata era mudar conforme as circunstâncias; o segundo medicar o fígado, depois de um congresso. É realmente admirável sua filosofia de transação: "Quand les choses ne vont pas comme on les comprend, le mieux est d’attendre et d’y penser."

Disse certo crítico que a história, para parecer bela, deve ser narrada pela mulher, tal o encanto com que, nas suas Memórias, a Duquesa de Dino, sobrinha de Talleyrand, reabilitou seu ilustre tio. Não foi Madame de Sevigné quem, na velhice, chamou a esse terrível de Retz de "nosso bom cardeal"? E já que estamos em artigo de posterioridade, cumpre dizer que, se não fosse grande em vida, Talleyrand sê-lo-ia, forçosamente, depois de morto, dados os dois atos magistrais, que o precederam no túmulo: a visita real e sua recepção pela Academia das Ciências Morais e Políticas de Paris.

[...]

Eis aí. Nada mais belo, na verdade, que esta posição eminente, topo de carreira. Ministro de estrangeiros, quem o é deve sê-lo durante as vinte e quatro horas do dia, isto é, em vigília constante, sem trégua nem repouso. É um alerta permanente, que não desculpa distrações. Dificuldades internas, internamente se solvem. Erros de casa não passam de caseiros, e em casa se sanam. Não há dano para o Estado em seu renome internacional. Mas os exteriores? Esses comprometem os destinos da Nação, precipitando por vezes crises irreparáveis. É aqui que o temperamento pessoal do diplomata atua com força preponderante. Quantas vezes assim aconteceu, rotulado o desabe dos acontecimentos numa outra causa secundária e artificial? Bem me lembra que, ao penetrar no Ministério dos Negócios Estrangeiros do meu país, e já vai longe essa doce quadra, quando procurava nos papéis dele a linha tradicional de nossa chancelaria, verifiquei para logo como da têmpera de um homem pode para um povo advir, às vezes, situação sem remédio. Ocupava a pasta antigo e distinto deputado e travada tínhamos, com velha nação amiga, discussão a respeito de um caso internacional de menor relevância, quando a linguagem do reclamante se exaltou no Rio de Janeiro. A linguagem do reclamante digo mal, porque quem dava ao debate essa feição pessoal era, não o Governo, mas o seu órgão no Brasil, temperamento candente que se comprazia, inadvertidamente, em expansões menos convenientes. Não esteve o chanceler brasileiro pela refutação, e o diálogo escrito azedou-se. Não podia o Brasil quebrar, por causa do sangue estuante de um representante diplomático, a linha de uma velha amizade internacional, e apelou para onde devia apelar. Foi quando tomou a direção da chancelaria Silva Paranhos, depois Visconde do Rio Branco. Era já Paranhos o maior de nossos guias exteriores, pelo conhecimento dos negócios, o tato, a linha, a moderação. E o engano logo se desfez. É de ver no Relatório do tempo a lava candente ao lado do céu escampo: nem um comentário, nem uma referência, apenas o verso e o reverso de uma mesma página árida... Eu guardei a lição e compreendi que a mão de um chefe de Estado deve tremer quando assina a nomeação do seu ministro dos negócios estrangeiros.

Correu mundo a anedota daquele ministre des affaires qui lui étaint étrangères, epigrama com que um chanceler despedido, glória de seu país e vontade de aço, se vingou de certo portador de pasta internacional, seu substituto, de incompetência reconhecida. Mas não pode a paz dos povos limitar-se ao desafogo do epigrama. Por essa razão é que sempre cuidei que temperamento e cultura são dois equivalentes no meneio da política exterior, e que, quando ambos não possam coexistir na mesma pessoa, seja a segunda sacrificada ao primeiro. Eu estou a falar da carreira em toda a sua extensão, desde o mais alto posto até ao mais reduzido, e sei bem que se o tato sem brilho não é maléfico, a inteligência estouvada pode deitar muita coisa a perder. Aqui está a razão pela qual, às vezes, sobrelevam os pequenos onde os grandes sucumbem. É também esse um argumento em favor da carreira permanente, que sempre quis deitar por terra, e que, entretanto, nenhum país pode sem dano dispensar. Não passa de uma frase de espírito aquele dito do cardeal de Mérance, na Primerose, regressando ao Vaticano, "onde, coincidência rara, a diplomacia se faz por diplomatas..." Digam o que quiserem os descontentes, constitui o fauteuil diplomático uma escola insubstituível de tato, moderação e entendimento.

Foi um grande nas letras portuguesas que, restringindo estudadamente o uso do falar e do escrever, encareceu numa frase perfeita a reserva entre homens. "Nunca me arrependi do que não disse", assentou profundamente convencido, e parece-me que não errou, sobretudo quando se trata, como é o nosso caso, de atitudes e manifestações internacionais. É a discrição elemento indispensável ao êxito, tanto nos indivíduos como nos Estados. Será talvez por isso que só aos varões se permitiu tradicionalmente o acesso à carreira, em todas as suas formas? Eu não o creio, e convencidamente o digo. Porque, então, em vez de gozarem do encanto matrimonial como sucede, seriam chefes e subordinados, embaixadores e cônsules, secretários e chanceleres, companheiros meus nesta amarga via do celibato... Não me proponho a discorrer (e bem vedes que me falta competência total) das relações entre o casamento e as legações, assunto vário, atraente e sempre renovado. Mas digo que, se o temperamento pessoal é elemento de primeira grandeza na carreira, ele não pode exercer-se com eficiência senão através do lar, onde a graça feminina domina soberana. A mesa mundana, presidida pela caseira avisada, pode dar azo a que se liquidem, numa meia palavra, intenções ou casos internacionais, que a conferência protocolar em vão debateu. Pode tanto a morada vazia de um solteirão impenitente? Não, e com triste experiência o confesso. Descrevendo a vida do Príncipe de Lieven em Londres, embaixador da Rússia ali ao tempo de nossa independência, disse certo autor: "Nessa ocasião, era embaixador russo em Londres o príncipe, ou antes a princesa de Lieven..." Não parece lindo. Nada peço às embaixatrizes e consulesas pela reabilitação, que era devida e está nos livros.

Que diremos então da palavra escrita? Aqui o caso releva em importância. Há uma família na carreira, como na carreira há uma linguagem. Aquela nos escusa as travessuras galantes da mocidade, e na velhice nos faz a todos iguais, - monóculo, suíças, cabelos ao meio, ar distante e cansado, tal qual como na caricatura. Esta possui seu estilo adequado, suas formas, suas fórmulas. Cada um de nós teve sua iniciação, sob a chefia de veteranos capazes, na escola torturada da composição. Quantos anos passamos assim, pouco importa, o certo é que os passamos estudando a boa linguagem, aperfeiçoando-a, polindo-a, de modo que se ajuste sempre a palavra ao pensamento, carne e expressão dele. Chamava-se no meu tempo Artur Briggs, e ainda se chama no velho Ministério, de que é o Nestor modesto, o nosso professor de estilo diplomático... Gerações sucessivas já lhe passaram pelos dedos experimentados, e não muda na sua feição de acolher a todos, de a todos ensinar, com o gosto discreto de um trabalhador e de um digno. É de ver o carinho com que se move no acervo de papéis, notas e mais documentos que constituem o orgulho do Brasil que exibe aos moços com uma ternura infinita: "O abaixo assinado, do Conselho de Sua Majestade Imperial e seu Ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros..." A República continuou a boa tradição, e documentos há que alcançaram nomeada internacional. Aqui entre vós também é assim: argumentação perfeita, maestria no dizer, linguagem apurada. Pode ser outra a fala da probidade e da boa fé?

Não quer isso significar, ilustres colegas (e agora cesso de vos importunar com esta minha pequena palestra), que se dispense a carreira de reservas e ponha para o lado códigos e cifras. Como se poderá dirigir um Estado sem os cuidados elementares da confidência? Cousas há, nobilíssimas, que se não confessam. Segredos existem, muito honrosos, que se não publicam. Porque das negociações de reserva abusou a Europa, na manipulação de uma política artificial e maligna, não se segue que devem banir-se. Acaso lançou mão o Brasil, a Argentina, a América toda, em qualquer tempo, da negociação diplomática para tratados e contratratados de ameaça e desconfiança, como esses que no velho mundo começaram em 1815, continuaram em 1875 e desfecharam na carnificina atual? Nunca, nunca e nunca. Neste continente não há, jamais houve, doutrinas de equilíbrio, intenções dúplices, faltas de consciência a esconder. Há, sim, a vida internacional na sua pureza, Estados que vivem uns dos outros e uns aos outros se querem. Aparte-se o futuro congresso de paz desse ditame, e verá ruir sua obra reparadora. Porque da guerra atual não pode sair a futura guerra da humanidade.

Aqui está, senhores, como, ao contrário de falida, muito tem que obrar a carreira pelo bem geral. Nada há como uma reta consciência, e a consciência universal, pagando erros anteriores, há de ver breve o termo dos seus atuais inenarráveis sofrimentos. Como representantes legítimos de um dos mais belos países da terra no cenário do mundo, sereis também chamados a pronunciar a vossa palavra e estou que ela será, como sempre foi, honrada, eficiente e grande. Eu não posso conceber mais nobre tarefa entre homens. Aí tendes o muito que merece o vosso grêmio, e quanto dele espera a civilização.

(Conferência pronunciada no Atheneu Hispano-American, in Conferências, 1918.)

 

UMA VELHA AMIZADE INTERNACIONAL

PRIMEIRAS RELAÇÕES

(1882)

Precederam a quaisquer outras as relações diplomáticas do Brasil com os Estados Unidos da América.

É sabido que, acossado pela invasão napoleônica, teve que retirar-se D. João VI de Portugal, com destino ao Brasil.

Sua permanência no Rio de Janeiro foi a carta de alforria da colônia. Provado nos hábitos do governo autônomo, não volveria o Reino à sujeição primitiva.

E a prova é que, tendo permanecido no Brasil como Regente, logo que regressou seu pai à Europa, publicou o príncipe D. Pedro, futuro Imperador do novo Império, um Manifesto aos Governos e Nações Amigas, no qual escreveu: "Estarei pronto a receber os seus ministros e agentes diplomáticos e a enviar-lhes os meus..." (6 de agosto de 1822).

A 12 de agosto do mesmo ano de 1822 foi assinado o decreto nomeando Encarregado de Negócios do Brasil nos Estados Unidos da América a Luís Moutinho Lima Alves e Silva, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. Era ministro da pasta José Bonifácio de Andrada e Silva.

Foi a nossa primeira nomeação diplomática. Dois decretos posteriores, do mesmo dia, designaram o marechal-de-campo, Felisberto Caldeira Brant Pontes, depois visconde de Barbacena, e Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa, mais tarde visconde de Itabaiana, ministros do Brasil em Londres e Paris. Anterior a essas nomeações só houve a designação, a 24 de maio de 1822, de M. A. Correia da Câmara para cônsul em Buenos Aires.

Nossa representação na América do Norte criava-se assim antes de qualquer outra, e antecipou-se de quase um mês à declaração da Independência.

Esta realizou-se a 7 de setembro de 1822. A proclamação do Império foi a 12 de outubro seguinte.

Era sabido o cuidado que aos homens do Norte inspirava a independência brasileira. Em 1787, em França, Thomaz Jefferson discorrera dela com estudantes brasileiros, à frente dos quais se achava José Joaquim da Maia.

A 15 de janeiro de 1822 foi nomeado cônsul do Império nos Estados Unidos da América, Antônio Gonçalves da Cruz.

O Encarregado de Negócios, Luís Moitinho, não pôde, porém, assumir seu posto, visto achar-se retido em serviços extraordinários na Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Por decreto de 21 de janeiro de 1824 foi nomeado para substituí-lo José Silvestre Rebello, de experiência e luzes, e assim conceituado por Porto-Alegre em nosso Instituto Histórico: "Como enviado aos Estados Unidos, ele desempenhou a sua missão de fazer reconhecer a independência de uma maneira rápida e satisfatória; como homem de letras, possuía raros conhecimentos de história e geografia; como membro do Instituto, era uma coluna firme, trabalhador, zeloso e modesto; além destas especialidades tinha muitas idéias de arqueologia, numismática e estética..." (Elogio dos sócios do Instituto pelo orador Porto-Alegre em 1844).

Silvestre Rebello chegou a 28 de março de 1824 a Baltimore, e a 3 de abril seguinte a Washington.

Presidia o país James Monroe. Suas declarações de anticolonização e anticonquista, feitas em mensagem de 2 de dezembro de 1823, tinham causado sensação. Era secretário de Estado John Quincy Adams.

Escreveu logo a Adams pedindo que fosse marcado dia para apresentação de suas credenciais. Começaram as conferências entre ambos. Deixou o Encarregado de Negócios do Brasil nas mãos do secretário de Estado uma memória justificativa, sob este título: "Succint and true exposition of the facts that lead the Prince, now Emperor, and Brazilian People, to declare Brazil a free and independent nation (20 de abril de 1824).

Poucos dias depois, a 26 de maio, era Silvestre Rebello apresentado a James Monroe e acreditado no caráter de Encarregado de Negócios do Império do Brasil. Frisou a ocorrência o Daily National Intelligence, de Washington, n. 3.354, do dia imediato, 25. A 26 escrevia Silvestre Rebello para o Rio de Janeiro e concluía: "Foi, pois, o Império do Brasil reconhecido por este Governo no dia 59º depois que desembarquei em Baltimore... Dou a V. Exa. meus parabéns."

Eduardo Prado, na sua Ilusão americana, de que se falará adiante, consignou: "Por ocasião da independência do Brasil não recebemos prova alguma de boa vontade dos americanos, e só depois de outros países reconhecerem a emancipação do Brasil foi que os Estados Unidos reconheceram a nossa independência".

Bem se está a apurar como a informação é menos verdadeira.

O autor clássico da nossa lei internacional deixou dito (Pereira Pinto, Apontamentos para o direito internacional, Rio de Janeiro, 1865, II, pág. 386): "Foi a União Americana a primeira potência que reconheceu a independência do Brasil. Enquanto a Grã-Bretanha, impelida de um lado a favor de nossa emancipação pelas suas exigências comerciais, pelo sistema liberal de governo e pelas suas tenazes aspirações a abolir o tráfego de escravos, oscilava, de outro lado, nesse empenho pelas diferenças que era obrigada a guardar com a sua antiga e sempre fiel aliada, a nação portuguesa; enquanto a Áustria, ligada por vínculos bem estreitos ao fundador do Império, era ainda mais ligada aos compromissos da Santa Aliança que encarava com olhos vesgos a independência dos países americanos; os Estados Unidos, conseqüentes com a esclarecida política que haviam adotado em referência a todos os povos que, na América, separando-se da metrópole, se tinham constituído regularmente, estende-nos mão fraternal e convida-nos a tomar assento no grande congresso das nações do Globo. Consagremos, pois, neste momento, um voto de gratidão ao povo dessa, a mais poderosa nação do Novo Mundo."

[...]

(Cousas diplomáticas, 1918.)