"Encontro com Romancista" traz João Ubaldo Ribeiro
Publicada em 11/11/2007 (atualizada em 12/11/2007)
Publicada em 11/11/2007 (atualizada em 12/11/2007)
Publicada em 05/10/2007
Publicada em 28/09/2007
Publicada em 28/09/2007
Publicada em 26/09/2007
Não é que eu imagine que vocês estão tremendamente interessados, mas creio que devo explicar por que, de repente, vim parar em Berlim outra vez. Afinal, faço parte dos equipamentos urbanos do Leblon e tenho minhas obrigações de componente do mobiliário do famoso boteco Tio Sam todos os fins de semana. Ontem e hoje, por exemplo, imagino a perplexidade que tomou conta de todos os afetados pela minha ausência e, possivelmente, a revolta expressa por alguns, ao constatar que mais um irresponsável se junta ao vasto rol que já nos aflige imemorialmente.
-Bernd, você toma sua cerveja aí e eu fico aqui quieto. Você não se esqueceu do que aconteceu na Copa? Se não seguram aquele francês, eu hoje no mínimo estaria enterrado no Túmulo do Torcedor Desconhecido.
Não sei por que, algo me diz que a frase acima ("que mentiroso!", em alemão) será das mais proferidas entre alguns círculos intelectuais de Berlim, nas próximas três semanas, ou coisa assim. Hoje embarco para lá, onde devo passar uns 20 dias. (Receio que nenhum de vocês possa comemorar o fato, porque, a não ser que meu bravo quão idoso notebook negue fogo, pretendo mandar a coluna a partir de lá, não contavam com a minha astúcia.) Como sempre, nessas ocasiões, não sei bem para o que me convidaram e o que vou fazer, mas, apesar de inicialmente atarantado, acabo por não envergonhar Itaparica e os amigos, digo lá minhas coisinhas em que eles prestam atenção.
Acho que tenho de dar umas explicações antes de começar, principalmente para os que não gostam muito de baianos. O que vou escrever pode parecer até uma carta - e, de certa forma, é -, mas uma carta de interesse público. E interesse de todo o Brasil, razão por que ela não merece ser tida como apenas um papo da baianada, que devia ficar circunscrito a ela, sem chatear quem não tem nada com isso. Mas podem crer que todos os brasileiros têm alguma coisa com isso, até mesmo os que não a enxerguem ou admitam.
Sou do tempo - ai de mim - em que a missa era em latim e nós, meninos, dizíamos ''''confiteor'''', antes de tremulamente confessarmos ao flamívomo (dicionário, dicionário; quem leu Euclides da Cunha deve saber) padre Brito, o qual nos lembrava sem cessar como eram espaçosas as portas do inferno e ardilosas as mil trapaças enredadas pelo Inimigo, que havíamos espiado a vizinha tomando banho. Então achei por bem confessar-lhes alguns pecados meus, involuntários embora, bem-intencionados certamente, mas isso - ai de mim outra vez, porque se esperam grandes lamentações da parte dos penitentes - não impede assistir razão ao bom São Bernardo, que, segundo me ensinaram, foi quem pela primeira vez observou que o caminho do inferno é pavimentado de boas intenções.
Quando escrevi, há dois domingos, uma coluna com este mesmo título, não imaginava que iria, pelo menos tão cedo, abordar o assunto novamente. Peço desculpas a quem não leu o primeiro ´capítulo´, pois é claro que não posso repeti-lo. Mas não tem importância, porque ele, em última análise, procurava apenas lembrar como o Senado e a Câmara de Deputados são hoje, de modo geral, malvistos ou mesmo abominados pela maior parte do povo, e uma das conseqüências é a extinção do primeiro já ser amplamente sugerida, o que abre um caminho talvez tortuoso, mas claro, para a extinção da segunda.
É claro que não tenho certeza, mas creio que a grande maioria dos brasileiros se sente enredada num clima de bandidagem, no qual avultam em maior destaque os políticos. Que se espere, talvez, de pessoas mais esclarecidas ou informadas, uma distinção entre os poucos bons e os muitos maus. Mas não se espere isso dos muitíssimos que nem dinheiro têm para comprar um jornal barato, ou nunca viram um jornal, ou não sabem ler, ou estão mais preocupados em conseguir um copo com água para beber, daquela que há séculos vem sido prometida a seus antepassados e sempre foi para os açudes dos coronéis ou para o saco sem fundo de administradores e empresas delinqüentes. Acredito que essa maioria de brasileiros não vê mais indivíduos entre os políticos. Vê uma massa amorfa, buliçosa e esquiva de ladrões, mentirosos, escroques, assassinos, vivaldinos - o que lá se pense de condição criminal ou moralmente execrável.
Vocês vejam como, em volteios e ironias, a vida nos dá constantes lições de humildade. Faz poucas semanas, argumentei aqui que não havia golpismo nenhum no Brasil, a não ser numa cabeça desvairada ou outra. Gira o mundo, passam os dias, e agora me encontro na obrigação de engolir minhas palavras. Fosse lá no bom sertão de onde vem o dr. Renan Calheiros, talvez um coronel me obrigasse a literalmente comer o jornal, como é detruz. Nem é preciso trabalhar muito, porque a de 37 está aí mesmo, para ser copiada ou servir de modelo, retiradas as partes mais progressistas. A admiração do presidente Lula por Getúlio Vargas vai ficar bem mais fervorosa.
Jornalisticamente, creio que o assunto que vou abordar está velhíssimo. Qualquer coisa hoje em dia fica velha em questão de horas, ou mesmo minutos, especialmente notícias e as breves discussões que elas motivam, logo antes de serem substituídas pela novidade mais recente. E o de que vou tratar já tem ou vai fazer umas duas semanas, o que, para um editor de notícias, é sítio arqueológico. Contudo, há aspectos que não ficaram velhos e mal foram examinados, quando se noticiou o fato. Falei até com alguns dos amigos da mídia (por sinal, com a maior dificuldade em encontrá-los; essa conspiração da mídia está uma bagunça, ninguém sabe o número do telefone de ninguém, ninguém me passa tarefas, não fazem reuniões e nem sequer elaboraram um manualzinho elementar de golpismo, é uma zona), com o objetivo de escandalizá-los como eu havia me escandalizado, mas a maior parte deles me ouviu com a amável condescendência que se reserva aos que sempre estão por fora, embora não sejam de todo tapados.
É uma pena que o presidente Lula não seja nordestino e, portanto, não conheça bem a farta presença sociocultural do caju naquela remota região do país. Talvez devamos creditar aos poucos anos passados em Pernambuco a epifania que parece tê-lo acometido, quando ele, enquanto o Supremo avaliava denúncias gravíssimas contra velhos companheiros seus, sopesou um caju como Hamlet ao crânio de Yorick e, talvez emocionado, sentiu-se filosófico. Presumimos isso porque chegou a iniciar um solilóquio, em que, evocando em quem o via outra imagem hamletiana ("há algo de podre no reino da Dinamarca"), queixou-se de injustiças que suspeitava haverem sido praticadas contra o caju.