Livro "Poesia Completa”, de Odylo Costa, filho, chega às livrarias
Publicada em 09/12/2010 (atualizada em 10/12/2010)
Publicada em 09/12/2010 (atualizada em 10/12/2010)
Ao que parece, o ser humano (quase escrevo “serumano”, neologismo que, quem sabe, pode vir a ser adotado, pois outro dia ouvi na TV que um casal era “dois serumanos”) precisa, pelo menos de vez em quando, alterar sua percepção da chamada realidade, mexer com a própria mente e as emoções. Prisioneiro de seus cinco limitadíssimos sentidos, não consegue perceber, em condições normais, aquilo que suspeita ou sabe existir além deles. E quer sair da prisão, quer sensações que ordinariamente não estão a seu alcance. Outra necessidade, que corre paralela, é alterar o comportamento habitual e quem for tímido tornar-se extrovertido, quem for melancólico tornar-se alegre, a moça que hesita em dar resolver dar e assim por diante.
“Privacidade” é uma palavra recente na língua portuguesa. Quem a procurar num dicionário velho, aí de seus 30 ou 40 anos para cima, não vai encontrá-la. Antigamente se usava “intimidade”, que, na minha opinião, quebrou bem o galho durante muito tempo. Não obstante, do mesmo jeito que muitas outras palavras nossas, “intimidade” teve todos os seus anos de bons serviços ignorados e foi amplamente substituída, via Estados Unidos, por uma inglesa de som e uso considerados chiques, como ocorre entre nós em relação a qualquer coisa em inglês. “Privacidade”, aportuguesamento de “privacy”, já foi naturalizada e correm bem longe os tempos em que seria xingada de anglicismo e, se usada numa prova escrita, baixaria a nota. A bem da verdade, ela não deixa de comportar-se como uma boa cidadã brasileira e talvez mereça a popularidade que obteve, talvez nós estivéssemos precisando dela mesmo.
A gente se acostuma a tudo. Os biólogos dizem que a repetição do estímulo inibe a resposta. Provocar continuadamente uma reação no organismo ou na mente acaba não surtindo mais efeito. Pode-se fazer uma analogia com a nossa desaparecida indignação, que, de tão cutucada, já não se manifesta e, em alguns de nós, parece ter-se convertido em resignação e cinismo amargo. É isso mesmo, os políticos são ladrões, os administradores são incompetentes, os serviços públicos são abomináveis, a educação é um desastre, a saúde é uma calamidade e a insegurança é geral - acabou-se, nada a fazer, o Brasil é assim mesmo. É triste ver a amada cidade do Rio de Janeiro, orgulho de todos nós, transfigurada numa Bagdá à beira-mar, carros blindados conduzindo tropas de assalto e armamento pesado, soldados de fuzil em punho se esgueirando em ruelas, como víamos somente em filmes de guerra. Entre metralhadoras, granadas, carros e ônibus em chamas, repórteres usando coletes à prova de balas e gente espavorida, é como assistir à cobertura da Guerra do Golfo. Isto é, enquanto uma bala não estilhaçar o televisor, caso em que teremos também recebido, como tantos outros concidadãos, nosso batismo de fogo.
Pelo menos no meu caso, a leitura dos jornais vem provocando uma leve tontura, por vezes não tão leve assim. Estou seguro de que os governantes eleitos não pensam em outra coisa que não o bem-estar da coletividade, pois haverá de ter sido esse ideal o que os moveu a candidatar-se, enfrentando a canseira, o estresse e a despesa de uma campanha, para depois padecer sob a rotina estafante e ingrata da vida pública. Sabemos que, até neste talvez enganosamente sereno domingo, estão ocorrendo reuniões pressurosas em todos os cantos do País, buscando o que fazer para começar desde já a trabalhar pelo bem comum. Também sabemos que os eleitos estão agora mesmo se debruçando com afinco sobre diagnósticos, estudos e planos para a solução dos problemas nacionais, querem trabalhar, querem fazer por nós tudo o que prometeram e mais alguma coisa.
Há quem sustente que, em janeiro de 1890, Itaparica ainda não tinha certeza de que a República fora proclamada no ano anterior, notadamente o filósofo e tribuno Nabucodonosor Pontes Ferrão, autor de valente discurso intitulado “Onde se encafurna ela, que não aparece?”. Com essa alocução, pronunciada no Largo da Quitanda, em arroubado improviso ornado de lindas ordens inversas, e tida por alguns como apócrifa, mas não obstante ainda venerada como peça de estilo e civismo, o orador, segundo se diz, chegou a convencer grande parte de seus concidadãos de que a República não existia, era uma invencionice de poetas, desocupados e loroteiros.
De uns tempos para cá, não sei se me engano, começaram a proliferar normas destinadas a controlar nossa conduta individual.
Minha primeira lembrança política é de um comício comunista, em noite muito remota, na Praça Pinheiro Machado, em Aracaju. Nossa casa ficava na praça e meu pai resolveu que ia dar uma espiada e me levar com ele. Não lembro oradores, só lembro uma aglomeração de silhuetas agitadas, em frente do palanque armado sobre o coreto. Ficamos pouco tempo, mas me impressionei com o coro dos participantes, repetindo o que para mim soou como “luí-cálu-pré!”, “luí-cálu-pré!”, “luí-cálu-pré!”. Apesar do medo de que ele me remetesse ao dicionário e, a depender da veneta, me mandasse copiar o verbete com boa letra, perguntei o que queria dizer aquilo.
Em Itaparica, não se pode dizer que o clima político está muito animado. O itaparicano, como sempre, permanece atento ao panorama nacional, mas os outrora inflamados debates que ocorriam no bar de Espanha deram lugar a considerações de outra ordem. O dr. Serra ficou em terceirão nos dois municípios que compõem a ilha, mas ninguém comenta muito o fato, pois, como observou Xepa, não convém tripudiar, ainda mais que tem segundo turno e nunca se sabe o que pode acontecer, tudo neste mundo é possível. De repente o homem se elege e aí vem tomar satisfações, já basta ele ter levado essa surra no primeiro turno, vamos respeitar a cabeça inchada alheia.
Madrugada meio metida a primavera berlinense, muito clara e ensolarada, mas cortada por um ventinho gélido, desses dos quais se diz fazerem com que descubramos partes do corpo que antes não sabíamos que tínhamos. Descubro algumas e lembro, não sem mágoa, que hoje em dia também percebo ossos de que na juventude não tinha consciência. Mas espano da cabeça pensamentos importunos, estufo o peito na medida do possível e me disponho a começar bem o dia, que afinal, apesar do frio, se anuncia belamente. Não passa muito das 5 e Salvatore ainda deverá estar arrumando sua prestigiosa banca de revistas, de que sou freguês leal.
-Cara, eu vou te contar, parece perseguição, caso pensado do destino contra mim.
Ainda peguei o tempo em que, em dia de eleição, os jornais estampavam um sentencioso editorial com o título acima, ou bem semelhante.
Há muitos anos, lá em Itaparica, todos os presentes a uma seleta mesa no bar de Espanha mostraram grande surpresa e mesmo incredulidade, quando, convidado a participar de um joguinho de biriba, Zé de Honorina se recusou e fez uma revelação de impacto.
Sou do tempo do furo de reportagem e, embora há muito tempo afastado das redações, ainda vibro com a oportunidade de dar uma notícia em primeira mão, o que agora faço através do título acima, ao qual não resisti adicionar um ponto de exclamação. É a pura verdade. De volta a Itaparica, depois de sua temporada de inverno, em consagradoras rodadas de pôquer com magnatas até de Santo Antônio de Jesus, Zecamunista apareceu inesperadamente no bar de Espanha, durante o happy hour das 10 da manhã, e anunciou a abertura do Comitê Eleitoral Tamos com Ela.
Na campanha eleitoral que, a despeito das aparências, transcorre no momento, tenho sentido falta de previsões de pais de santo, videntes, astrólogos e outros que enxergam o futuro.