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Artigos

  • Circulação Zero

    O Globo (Rio de Janeiro), em 19/12/2004

    Têm aparecido nos jornais, com certa freqüência, excelentes notícias sobre como algumas cidades brasileiras vêm minorando de forma notável seus problemas de segurança e violência, através de medidas singelas e de fácil execução. Tão marcante parece o êxito dessas providências que possivelmente serão propostas para outras cidades. Ou impostas, o que se pratica muito aqui, pois que vivemos numa ditadura, apenas do tipo “com direito a chiar” - se bem que estejam querendo tirá-lo, mas acho que vão deixá-lo de enfeite, aqui e ali, até porque cai sempre bem para mostrar às visitas e nas inspeções e classificações a que estão sempre nos submetendo.

  • Nós somos meusmo é um bando de ladrões

    O Globo (Rio de Janeiro), em 12/12/2004

    Admito que a afirmação acima é um tanto forte e pode indignar os leitores, que, em sua esmagadora maioria, tenho certeza, nunca furtaram nada na vida. Ao mesmo tempo, manda o diabinho que sopra besteiras nos ouvidos de escritores e malucos correlatos que eu pense duas vezes, antes de ter essa certeza toda. De perto, ninguém é normal, disse Caetano, não sem razão. E, segundo me contam, disse Nélson Rodrigues, coberto de razão, que, se todo mundo soubesse da vida sexual de todo mundo, ninguém se dava com ninguém. Não sabemos com certeza o que os outros fazem. Podemos saber ou achar que sabemos muito, mas geralmente não sabemos nada. É até bem freqüente - e está aí a turma analisante/analisanda que não me deixa mentir - que nós mesmos não saibamos, ou não lembremos, o que fazemos ou fizemos.

  • Eles cuidam de nós

    O Globo (Rio de Janeiro), em 05/12/2004

    Já vivemos tempos mais chiques, em que artigos de jornal às vezes ostentavam epígrafes em língua estrangeira, sem tradução. Senti um pouco falta desses tempos agora, porque quis tacar aí em cima a epígrafe que, de qualquer forma, taco aqui embaixo, embora assim não seja mais epígrafe: will wonders never cease ? - jamais cessarão as maravilhas? É o que me pergunto, mais uma vez, ao tomar conhecimento das medidas que vêm sendo adotadas para nossa segurança, bem como dos conselhos que a experiência e o know-how (lá vem inglês de novo, devo ter-me exposto em excesso ao sereno na Barra da Tijuca) das nossas autoridades nos ditam. É uma demonstração cabal de que, ao contrário do que espalha a canalhocrática mídia, está tudo sob controle e nossa segurança, na verdade, só depende de nós mesmos.

  • Luiz Inácio não veio ver Celso

    O Globo (Rio de Janeiro), em 28/11/2004

    No domingo passado, esperei pôr os olhos no presidente. Não de muito perto, como na primeira vez, porque soube que a segurança dele está mais rigorosa e, além de tudo, não acredito que nem ele nem eu fizéssemos essa questão toda de estar perto um do outro. Mas esperei que ele aparecesse, sim. Era o enterro de um grande homem, cuja vida, até mesmo na FEB, em que se alistou ainda estudante, foi dedicada ao país. Vivemos numa era onde o cinismo e a descrença parecem dominar a maneira pela qual se vê a realidade, mas nessa era Celso Furtado jamais ingressou. Tive a felicidade, embora escassamente desfrutada, de partilhar de sua companhia e lembro que, mesmo fisicamente debilitado, conservava vigoroso o espírito e seus olhos faiscavam, quando falava no que lhe movia o coração. O que lhe movia o coração era o amor, a quase obsessão, pelo Brasil e seu povo, em cujo futuro sempre acreditou com veemência e combatividade, munido da erudição e da clareza de raciocínio que o tornaram um pensador consagrado e reverenciado em todo o mundo. Na época em que minha geração despertava para os problemas nacionais, ele foi mestre e exemplo, e exemplo e mestre continuará pelo resto de minha existência.

  • Confissões de um escrevinhador contrafeito

    O Globo (Rio de Janeiro), em 21/11/2004

    Já contei a vocês que, desde a primeira vez, resolvi que jamais escreveria a tradicional crônica sobre falta de assunto e venho cumprindo a decisão. Não que já não tenha enfrentado esse pavor, pois houve tempo em que escrevi três por dia, eis que a necessidade é a mãe da porcaria. Mas sempre dei um jeito e, na verdade, nunca deixa de haver assunto. Agora mesmo, o que não falta é assunto. Mas que tipo de assunto? Só assombração. Basta folhear este ou qualquer outro jornal, ou assistir ao noticiário da tevê, ou ouvir as rádios. Claro, nas tevês, por exemplo, tem a reportagem do fim, a que se encerra com um sorrisinho terno dos apresentadores, sobre como Seu Lalinho, de Cobrobó, aprendeu a ler depois dos 86 anos e, lépido e lampeiro aos 93, mantém uma escola para os pobres da cidade, onde dá aulas de capoeira, brinca nas onze na pelada anual de confraternização e é vocalista do conjunto de roque-xaxado Ketchup na Rapadura, em companhia de Edelzuíta Fole Ousado, mocetona de 44, que por sinal está esperando o segundo dele.

  • Vamos comemorar!

    O Globo (Rio de Janeiro), em 14/11/2004

    Não é para ficar reclamando outra vez, não, mas a verdade é que, de modo geral, não tenho sentido em torno uma grande disposição para comemorações. Há a notável e exuberante exceção do presidente, que quase sempre se mostra risonho, bem-disposto, com ar festeiro, de bem com o mundo e confiante no futuro. Razões pessoais bem sabemos que ele tem para isso, já que agiríamos do mesmo jeito, se estivéssemos todos com a vida tão garantidinha quanto a dele, além disso ornada por vantagens legal e naturalmente decorrentes da posição a que galgou, sem que sobejos méritos lhe possam ser negados. E tem razões de ordem cívica também porque, embora eu raramente saia, não me inclua no fechado time dos “bem-informados” e seja visto com paciente condescendência por meus colegas que sabem das coisas, já me garantiram que, na sua (dele) opinião, ele está fazendo um excelente governo, tão excelente que há pouco o levou, num justo arroubo de entusiasmo, a proclamar algo que não escutávamos desde os bons tempos: “Ninguém segura este país!” Carecem de fundamento, contudo, os rumores de que o “Ame-o ou deixe-o” vai voltar - até porque dizem que quem pôde já deixou.

  • A lição das urnas num boteco do Leblon

    O Globo (Rio de Janeiro), em 07/11/2004

    Nós tamos ficando velhos mesmo, hem, cara? Prestei atenção umas duas semanas, em todos os jornais, e não peguei nem uma notinha, quanto mais um editorial. Tu não tem saudade de certos editoriais, não?

  • O rinha zero vai dar certo

    O Globo (Rio de Janeiro), em 31/10/2004

    Ultimamente, como devem ter notado os pacientíssimos leitores que visitam este espaço, dei para me preocupar com os entrelinhistas, o pessoal que lê nas entrelinhas. Espero tratar-se de um surto passageiro, que vá embora depois do segundo turno eleitoral. O entrelinhismo, afinal, é uma postura filosófica ou metodológica arraigada em muita gente e, se quiser continuar a escrever e publicar, vou ter que conviver com ele o resto da vida. Mas hoje, particularmente, faço questão de deixar claro aos entrelinhistas que, além de não ter recebido oferta de suborno nenhuma, não posso ser acusado de defensor das brigas de galo e Itaparica está aí, para não me deixar mentir.

  • Tranquilizemo-nos

    O Globo (Rio de Janeiro), em 24/10/2004

    Ninguém vai negar que temos fartas razões para um certo nervosismo, uma certa ansiedade, uma certa vontade de que parem o planeta para descermos. Confusão demais, controvérsia demais, pressão demais, informação demais, medo demais, tudo demais. Outro dia li que nós, brasileiros, como em outros terrenos notáveis, nos destacamos pelo consumo de bolinhas para acalmar e dormir. Dispomos de grande acervo de médicos compreensivos, capazes de dar receitas de ansiolíticos e similares qual candidatos distribuindo santinhos, e existem aqui e ali farmácias mais camaradas, onde o pessoal se recusa a participar da palhaçada e vende a bola que sabe que acabará sendo vendida de qualquer forma. Para não falar nas bolinhas paraguaias, que também são consumidas. Tudo pode ser paraguaio e, no boteco, me garantem que o Viagra paraguaio, bem mais barato, vem tendo circulação cada vez mais intensa, até porque não é só coroa que toma, são praticamente todos os homens, tudo morrendo de medo das mulheres e portando o aterrador e traiçoeiríssimo HMLV (sigla em inglês de Human Male Limpness Virus - peça aí a um amigo para traduzir, se você não entendeu; eu tenho vergonha de falar nessas coisas, só falo se for em inglês, que é chique). Contam-me, aliás, com perdão da digressão, que outro dia, num boteco aqui do Leblon, ouviu-se a revoltada voz de um cavalheiro, gritando lá de dentro do banheiro:

  • Sobrevivendo legal

    O Globo (Rio de Janeiro), em 17/10/2004

    Hoje eu ia escrever novamente sobre o assunto do momento, o qual, goste-se ou não de política, é a eleição em São Paulo. A prefeitura da maior cidade do país já é importante em si e foi transformada por “eles” em mais importante ainda. A disputa, pelo menos na minha modestíssima opinião, se federalizou, virou queda-de-braço nacional. Tudo obra “deles”. Não sei bem quem são “eles” e, aliás, já falei bem mais do que acabei decidindo falar, que era nada. Preciso resolver certas questões éticas preliminares, tais como conspirações e esquemas nos quais me disseram que estou envolvido, mas, talvez por contar entre meus inumeráveis defeitos a distração excessiva, não tinha notado. No momento, acho que me encontro enredado em tramas cavilosas com o núcleo da novela de não sei bem que horas da Globo. Preciso de mais informações, estão me escondendo alguma coisa, acho que o núcleo da novela está me desprestigiando e não me chamou para qualquer sessão de conspiração ainda. E, o que é pior, ninguém me deu dinheiro nenhum até agora.

  • Bom domingo

    O Globo (Rio de Janeiro), em 03/10/2004

    É hoje. Não sei quanto a vocês, mas já cumpri o dever. Acordo cedo, sou ansioso e, possivelmente, terei aparecido em minha seção até antes dos mesários. E espero que ninguém esteja me lendo na fila, não só porque as filas hoje são raras e rápidas como porque ouvi falar que as autoridades estão muito rigorosas e qualquer observação que eu publique aqui poderá ser levada na conta da nefanda prática de boca-de-urna, que, aliás, como vocês devem ter visto ou verão hoje, foi praticamente abolida. Não quero cometer nenhuma irregularidade eleitoral. Sei que isso não tem importância e que basta pedir desculpas depois, mas assim mesmo é mais seguro não facilitar, porque não sou presidente nem tenho filha delegada, de maneira que me apresso em dizer que não estou pedindo que vocês votem em partido ou candidato nenhum, não estou sugerindo que votem em branco ou anulem o voto e, enfim, não estou dando palpite eleitoral. Isto é especialmente importante para o pessoal das entrelinhas. Eles são danados, peguei muita experiência com a elite deles durante os tempos da censura que não volta mais (figas, batidas na madeira etc.). Eles são capazes de ler “saia” onde está escrito “calça”, contanto que achem uma boa entrelinha. Mas não há nenhuma aqui, garanto a vocês.

  • Já estamos nervosos?

    O Globo (Rio de Janeiro), em 26/09/2004

    Sim, é no próximo domingo e se nota uma vibração intensa na atmosfera, pressente-se um coração palpitante em cada peito, o clima, está, digamos, elétrico. Não está, não? É, receio que não, estragou o começo do que pretendia ser uma esforçada tentativa de crônica sobre nossos brios cívicos, às vésperas da escolha dos nossos governantes mais próximos, dos que vão ser responsáveis por nossas cidades, nossos bairros, nossas ruas. Quer dizer, aqui no Rio, em certos lugares, cada vez mais numerosos, os governantes são escolhidos por métodos menos convencionais, mas nada neste mundo é perfeito e não se vai estragar a festa somente porque quem manda cada vez mais é o tráfico, até porque, segundo ouvimos, quem quer que seja eleito resolverá todos os problemas, não há motivo para preocupação.

  • Vai sair uma reforma

    O Globo (Rio de Janeiro), em 19/09/2004

    Abem da verdade, a palavra “reforma” já não me dizia muita coisa. Desde que me entendo, ouço falar em reformas. Algumas gozam de status especial, como a agrária, cuja menção sempre esculpe semblantes graves nos que a ouvem e gestos de desalento de etiologia diversificada, conforme as convicções do autor dos gestos. Ela é certamente a decana, vê-se logo que não é uma qualquer, tem aquele quê (lembrei agora do tempo em que se falava em “it”; alguém aí ainda manja o “it”? Tudo bem, esqueçam) dos aristocratas, do dinheiro velho e das tradições. Acho que, se chamada a complementar rapidamente o substantivo “reforma”, a grande maioria dos brasileiros, exceção feita a dois ou três dos que me lêem que dirão “do banheiro”, proferirá automaticamente “agrária”. Todo mundo ouve isso desde pequenininho, é uma coisa meio pavloviana, embora Pavlov se tenha celebrizado por pesquisas com cães, não carneiros - mas isto já é outra história.

  • Basta acender um charuto

    O Globo (Rio de Janeiro), em 12/09/2004

    Todo dia a vida nos ensina alguma coisa, embora gente como eu costume demorar a aprender. Por exemplo, há muitos anos me é mostrado como não adianta planejar nada: a vida vem e leva tudo por um caminho diferente. Faz pouco eu estava planejando o que ia escrever hoje: uma nova e cuidadosa defesa da imprensa, porque o negócio está feio para o nosso lado outra vez, estão voltando a botar a culpa de tudo em nós. Recebi até cartas nos responsabilizando pela eleição dos governantes atuais. Foi a imprensa que elegeu o governo e, por conseguinte, é culpada dos erros ou desmandos que porventura ele esteja cometendo. Sensação chata, ser culpado de tudo. Quase nem saio para comprar os jornais, por temer não agüentar a culpa pelos infelizes que sempre encontro dormindo nas calçadas.

  • Mais uma festa da democracia

    O Globo (Rio de Janeiro - RJ), em 05/09/2004

    Tempo de eleição sempre me deixa nostálgico. Além de cretino topográfico que se perde em qualquer lugar, sou cretino cronográfico e nunca me lembro de datas, do que foi antes ou depois, há um mês ou um ano. Aceito até alegações de que sou cretino completo mesmo, pois não somente acho que pode assistir razão a quem alega, como, de qualquer forma, estou inclinado a entrar nessa de paz e amor também, chega de reclamação, ao menos hoje. Embora, a julgar pelo pessoal que me fala na rua, venham gostando de minha recente postura meio sem paciência com o que continuamos a enfrentar. Mas como reclamar, agora que parece que já não vamos enfrentar os ventos siberianos das últimas semanas e o fulgurante astro-rei já faz espargir seus raios dourados sobre nossas cabeças tropicais? E, principalmente, como nos queixar do que lá for, se estamos começando a viver, com as campanhas eleitorais em andamento e as eleições chegando, mais uma festa da democracia?