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Uma questão política

 

A questão da segurança pública, sobretudo no Rio, mas também no Brasil, é essencialmente política, por isso é preciso que a própria Presidência da República se envolva na formulação de uma estratégia de combate. Pois é a segurança nacional que está em jogo. Até recentemente, os presidentes evitavam se envolver com a questão, pois certamente seriam atingidos pelas consequências dos problemas que afetam milhões de brasileiros.

Como, pela Constituição, a segurança pública é atribuição de governadores e prefeitos, pensavam que as crises não atingiriam diretamente o Palácio do Planalto. Mas governar um país com territórios dominados por milicianos e traficantes, cada vez mais interligados nas ações criminosas, é tarefa que se transforma a cada dia em desafio grandioso.

A aliança branca com a criminalidade, cada vez mais evidente em muitos estados, é a pior solução, pois não resolve o problema, só o adia e amplia sua capacidade de imiscuir-se na sociedade. Como é possível imaginar que um governador corrupto poderia resolver a questão da segurança com as UPPs, se os policiais sabiam que malas de dinheiro transitavam livremente no Palácio das Laranjeiras?

A ideia era boa e continua sendo. Só não poderia ter sido usada como instrumento político para eleger o sucessor. Um estado com nada menos que cinco governadores presos em seguida não pode estar imune à ação corruptora de milicianos e traficantes. Enquanto não houver um governador disposto a enfrentar a corrupção policial na raiz, a questão não será solucionada.

É preciso fazer uma limpeza nas polícias, no Rio e em outros estados, uma ruptura com essa gestão inócua de política de segurança pública. Isso já foi feito, com sucesso, no Espírito Santo, na primeira administração de Paulo Hartung. O crime organizado dominava o estado em seus três Poderes. Houve um trabalho rigoroso de combate à criminalidade, e até hoje o espírito da segurança pública mantém-se, seja qual grupo político dirija o estado.

Tudo se resume a uma decisão política das lideranças locais, e também da Presidência da República, de não permitir que milicianos e traficantes lutem por um território que não é deles, mas da população brasileira, que não pode viver refém de bandidos. Por isso é bom sinal, à espera de uma consequência prática, o fato de o presidente Lula ter assumido nas redes sociais que a responsabilidade pela segurança pública não pode ser apenas dos governos estaduais.

A volta do debate em torno do Ministério da Segurança Pública, ou uma Secretaria Especial, é outra boa notícia. Até o momento, porém, não há forças, coalizões políticas, com disposição de enfrentar o atual estado de coisas. O Rio, que já mobilizou seus cidadãos em passeatas memoráveis contra a violência, hoje está entregue ao desânimo. Como diz um especialista, hoje só as manchetes gritam, mas a sociedade não se mobiliza mais.

O governador Cláudio Castro tem procurado ajuda das autoridades federais, mas não quer a intervenção militar na segurança pública. Parece uma posição sensata se ele apresentar um plano de ação factível, com apoio da Polícia Federal. As sugestões que levou a Brasília são corretas, mas precisam ser acompanhadas de ações imediatas.

O fim da progressão de pena para criminosos com armas de guerra, ou envolvidos em lavagem de dinheiro para organizações criminosas, é medida que teria repercussão em todo o país, e não apenas no Rio. A proposta de asfixiar financeiramente as facções é também correta, mas todo esse trabalho levará anos para desmontar uma estrutura criminosa que já se entranhou nos três Poderes, mais em uns, menos em outros, em alguns casos em nível nacional.

 

 

 

 

 

 

O Globo, 26/10/2023