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Uma Nova Europa?

 

Ouço em Budapeste, e não somente aqui onde me encontro, uma exaltação quase febril pelos profetas que cantaram os últimos dias da Europa. Dentre todos, "A decandência do ocidente”, de Oswald Spengler, lembra um cartório abandonado e  coberto de poeira, onde se guarda, nas prateleiras apocalipticas, o certificado de óbito da comunidade europeia, o fim do novo e derradeiro  império romano, abatido e cansado, vítima de uma crise de identidade sem precedentes. Como se houvesse uma Roma simbólica, duplamente vazia,  nos dias que correm, onde César e o Papa suspiram  em estado terminal, habitados pelo silêncio, pela falta de perspectiva. Eis a leitura dos europessimistas, prevendo forças centrífugas, desintegradoras, diante das quais não há quantidade suficiente de paz romana para defender a Europa de seus inimigos e com idêntico vigor.

O fim do império não poderia se mostrar mais contundente, com o fim da cidade dos homens e da cidade de Deus, coincidentes com a renúncia de Bento XVI, abrindo no papado uma espécie de abertura potencial.

Trata-se de uma visão excessiva, da qual discordo frontalmente, pelo simples fato de que a ideia de decadência esconde a mudança de uma ordem positiva, que de algum modo, ou de muitos modos, se renova e que não implica a perda ou a morte de um estágio perfeito e imutável. Há uma distância razoável entre a profecia e a história, um limite intransponível, entre duas linhas de força, orientadas ao passado e ao futuro. 

A Europa  vem avançando, naquilo que certos economistas, como Jacques Attali definem por economia positiva, e que se traduz, em termos macroeconômicos, na transformação da governança da zona do euro, num projeto de unidade fiscal,  na tentaviva de uma convergência orçamentária, bem como na blindagem dos ataques contra o euro, e todo um conjunto de ações do Banco Central, que terá de mudar, com a faculdade de emissão de moeda, dentro de uma Europa realmente federalizada.

Há uma clara consciência de que é preciso criar ações orientadas para o crescimento econômico, atacando de frente o desemprego, diminuindo a carga tributária e multiplicando programas de requalificação profissional. A volta ao crescimento entrou na agenda política, ao passo que as vestais do monetarismo radical parecem fortemente ameaçadas, diante de um mercado desprovido de mãos invisíveis, ausentes, talvez, mas seguramente cruéis. O fundamentalismo liberal  entrou na UTI.

Spengler afirmava que a tarefa essencial do historiador consistia na previsão do futuro! Coube depois aos economistas essa carga de autosuficiência, de quem se presume enxergar mais longe. Sabemos muito bem a que ponto chegaram e sobretudo a que interesses serviram.

A renuncia papal e as mudancas na Europa exigem uma  estética da paciência  e uma nova ética da governança. A renúncia não é um crime. E quem aposta na derrota cria uma aliança  com os fantasmas do extremismo. 

O Globo, 20/02/2013