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Trapalhada internacional

 

A insinuação de Bolsonaro de que a anunciada, mas não comprovada pelo Ocidente, retirada de parte das tropas russas da fronteira com a Ucrânia teria sido consequência do encontro entre ele e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, dá bem a dimensão das “limitações cognitivas” que o ministro do STF Luís Roberto Barroso vê no presidente.

Já havia caído no ridículo a versão do ex-ministro Ricardo Salles nesse sentido, publicada nas redes sociais, até que ele mesmo, humilhado pelas gozações impiedosas, veio a público dizer que se tratava de uma brincadeira. Também uma indicação de Bolsonaro ao Prêmio Nobel da Paz pela suposta interferência exitosa na crise tomou conta das redes sociais bolsonaristas, querendo criar um clima épico em torno da viagem extemporânea a Moscou.

Pois não é que o próprio presidente, mesmo sabedor do ridículo em que caíram seus adeptos, fez questão de sugerir publicamente que sua chegada, “coincidência ou não”, resultou numa amenização do ambiente? Bolsonaro já havia dito anteriormente, num improviso que deve ter arrepiado os cabelos dos diplomatas brasileiros não engajados em sua campanha, que o Brasil era “solidário” à Rússia.

Gafe numa hora dessas? Bolsonaro não sabe usar as palavras, e é possível que nem soubesse o que estava falando quando afirmou que o Brasil é solidário à Rússia. Ele provavelmente estava se referindo à economia e ao comércio, mas se solidarizar com a Rússia numa visita oficial é um erro absurdo neste momento de crise.

O Itamaraty deve estar de cabeça para baixo tentando explicar a confusão que Bolsonaro criou à toa com os Estados Unidos. Uma vantagem é que o Brasil está tão inexpressivo no cenário mundial, que tudo isso virou galhofa, sem maiores complicações diplomáticas. Mas não para Bolsonaro, que, com cara de sério, tentou explicar a “solidariedade” dizendo que o país apoiava qualquer outro que quisesse a paz. E por acaso Putin quer a paz? Se quer, todo o Ocidente, que se mobiliza para conter seu ímpeto guerreiro, estaria errado.

Nossa política externa, desde que Ernesto Araújo foi tirado do bolso do colete de Olavo de Carvalho para nos envergonhar internacionalmente, é inexistente, ou desastrosa. O governo Lula, que tinha uma política externa consistente e planejada, mesmo que enviesada para os países de esquerda, também não escapou de algumas tentativas frustradas de dar a ele uma importância maior do que tinha. Até mesmo existiram boatos de que Lula ganharia o Nobel da Paz.

Nada comparável, porém, ao amadorismo mambembe atual, que fere a tradição de eficiência do Itamaraty. Lula tinha conexões internacionais solidificadas desde os tempos de líder sindical com países governados por esquerdistas e ditadores antiamericanos. No primeiro ano de seu governo, fez uma visita a Muamar Kadafi em Trípoli e teve uma conversa reservada com o ditador numa tenda no meio do deserto.

Coincidência ou não, dias depois a Líbia anunciava abrir mão da construção de armas de destruição em massa. Mesmo com as teorias conspiratórias que incluíam um telefonema pessoal do então presidente Bush pedindo a intermediação de Lula, o então chanceler Celso Amorim, diplomata experiente e competente, evitou assumir essa patacoada. Disse a certa altura que “não vou dizer que tínhamos uma informação precisa, mas sabíamos para onde os ventos sopravam”.

No ultimo ano de governo, foi a vez de o Brasil se meter a intermediário de um acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos, coadjuvado pela Turquia. Anunciado, os Estados Unidos de Barack Obama o rejeitaram, e o governo brasileiro divulgou uma carta que o presidente americano enviara a Lula, querendo provar que o governo dos EUA fugia de compromissos assumidos. Só que na carta de Obama estava definido que o Irã deveria “reduzir substancialmente” seu estoque de urânio de baixo enriquecimento na transição para o acordo internacional. Como Brasil e Turquia permitiam que o Irã continuasse a enriquecer urânio por um ano antes dessa transição, o governo americano recusou o acordo.
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O Globo, 17/02/2022