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Ter meu rosto em um selo oficial foi além de todas as expectativas

 

Se meu pai não tivesse morrido em 1993, não suportaria tanta alegria. Ferroviário, modesto colecionador de selos, teria sofrido um piripaque (palavra na ordem do dia) ao acrescentar ao seus álbuns o selo que os Correios lançaram, na semana passada em Araraquara, durante a feira de livros Flisol, Festa Literária da Morada do Sol.

Este escritor filho de seu Totó esteve presente ao lançamento (a palavra técnica é obliteração) de um selo especial comemorando meus 60 anos de literatura.

Algo inesperado proposto na Câmara Municipal pelo vereador Alcindo Sabino e aceita pelos Correios. Para mim, foi um espanto. Já ganhei – e adorei – os mais diferentes prêmios, a partir do Jabuti. Mas ter minha efígie (efígie? Nossa!) em um selo foi além de todas as expectativas.

Minha fotozinha colorida sendo lambida e colada no alto dos envelopes ou em pacotes de vários tamanhos é homenagem que jamais imaginei receber.

Pena que as pessoas, com os e-mails, estejam enviando cada vez menos cartas pelo correio. A foto usada foi feita por minha sobrinha Leticia Gullo, exímia ao clicar pessoas.

Jovem, lembro-me de meu pai nos falando de coleções de selos. Claro, o Olho de Boi era o mais famoso e inacessível. Caríssimo de doer. Porém papai tinha vários de que se orgulhava, uma vez que, sendo diretor do Escritório Central da Araraquarense, a ferrovia, tinha relações e conseguiu selos difíceis.

Porém, o Olho de Boi era demais. Um dos últimos, foi vendido em 2008 em leilão por US$ 2 milhões. Antonio, meu pai, lia sobre filatelia e sabia certas coisas.

Quando, enviado pela revista Claudia, em 1967, fui aos Estados Unidos, seu Totó me pediu: “Passe pelo Instituto Smithsonian, em Washington, e veja se ali existe realmente o selo Inverted Jenny, preciosíssimo, curioso”.

Foi um selo que teve uma primeira folha impressa errada, com o avião Curtiss JN-4, apelidado de Jenny, aparecendo de ponta-cabeça, se tornando raridade. Não consegui ver. Preferi colocar a mão em uma pedra trazida da Lua. Soube que esse selo do avião foi comprado por US$ 2 milhões pelo colecionador Charles Hack.

Quantos anos terei de viver para saber se valerei algo como selo? Mas, como dizia Lygia Fagundes Telles, amiga até a morte, na vida, o que valem são as glórias quentes. Esta é uma.

Estadão, 16/11/2025