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Sinal de alerta

 

Há dois aspectos a analisar em relação à manifestação bolsonarista de domingo na Avenida Paulista. O primeiro, mais superficial, é a tentativa de escapar de punições pela marcha golpista que culminou com a invasão da Praça dos Três Poderes em janeiro de 2023. Não há nenhuma razão para que seja levada a sério. A pressão popular não tem força para paralisar a investigação em andamento, já praticamente encerrada com a definição de um quadro claro de frustração de um golpe de Estado.

Havia o temor de que a prisão de Lula, depois de condenado por duas instâncias da Justiça, como rezava a lei na ocasião, pudesse levar a um confronto, e nada aconteceu. Nada acontecerá também com uma eventual prisão de Bolsonaro.

O outro aspecto, esse mais profundo, é a resiliência de uma liderança radicalizada de extrema direita, apesar de tudo o que aconteceu no país desde que o capitão chegou ao poder por circunstâncias alheias a suas capacitações.

Uma década depois das manifestações surpreendentes contra o preço das passagens, que extrapolaram completamente o objetivo inicial e deram margem ao ressurgimento de um movimento de direita no Brasil, que parecia estar aprisionado, abafado, depois de 20 anos de governos de esquerda ou sociais-democratas, com PT e PSDB, voltamos à estaca zero, com o país dividido, e o antipetismo dando a tônica da marcha política.

Não há dúvidas de que estancar a permanência do bolsonarismo no poder foi, por si só, um avanço democrático. Medidas perniciosas à cidadania, como armamentismo, negacionismo vacinal, incitação à violência como método de resolução de conflitos, ataques ao meio ambiente, aos povos originários e às instituições — todas essas atitudes anticivilizatórias foram neutralizadas, e com isso ganhou a sociedade brasileira.

No entanto a manifestação a favor de Bolsonaro foi uma demonstração clara de que o país é conservador, de que Lula só ganhou a eleição porque parte do centro político da sociedade não queria a continuidade daquela selvageria do governo bolsonarista. Mas também não quer a continuidade do governo petista tal qual se apresenta hoje. Lula só chegou lá porque se ofereceu para ser fiador de um governo de união nacional. Ele usou a força desse centro da sociedade brasileira para derrotar Bolsonaro. Mas não ganhou a eleição para fazer o governo que tem feito.

Um governo de esquerda, que procura se afastar do Ocidente para almejar uma liderança do Sul Global que une ditaduras dos mais diversos calibres, só porque são antiamericanas. Não é essa a vontade da sociedade brasileira, não são esses os desígnios que as urnas indicaram. Não é preciso ser vira-lata em relação aos Estados Unidos, nem caudatário dos desmandos do governo de Israel, para ser um país independente no cenário internacional.

Embora o PT ache que as urnas deram a ele o direito de tentar impingir à população brasileira uma direção política que não é a que combina com a maioria conservadora do povo brasileiro. O Brasil também não é de extrema direita, e a maioria da sociedade, depois de ter cometido o erro de levar a sério um sociopata, se encontra agora mais livre para escolher uma alternativa, pois Bolsonaro está inelegível.

Escolher o governador paulista Tarcísio de Freitas, ou outro direitista moderado, é mais fácil do que escolher Bolsonaro para quem é, antes de tudo, antipetista. A esquerda tem de entender que não chegou ao poder por seus próprios desígnios, mas para evitar que Bolsonaro continuasse seu projeto de retrocesso da sociedade. Se Lula fizesse um governo de união nacional, sem tentar impingir suas teses esquerdistas à maioria, controlaríamos esses extremismos.

Infelizmente, dependemos do surgimento de um líder equilibrado e popular para colocar o trem no trilho novamente. Que é de centro, de equilíbrio, que quer a evolução do país; não quer o retrocesso de Bolsonaro, mas também não quer o retrocesso de esquerda identitarista, que dá mais valor a questões particulares de grupos mobilizados politicamente do que do ponto de vista geral do bem-estar inclusivo da população, cuja maioria não quer ser emparedada por uma elite, quer ser partícipe do desenvolvimento.

O Globo, 27/02/2024