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Sem trégua

 

A derrubada das contas de diversos bolsonaristas no Facebook, Twitter e outras redes sociais por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes foi um sinal de que não há nenhuma intenção por parte do Supremo de retardar as investigações sobre uso de fake news para fins políticos. Mesmo atual fase “paz e amor” de Bolsonaro não tem o condão de apagar o que já foi feito e dito. E o que continua sendo feito.

Os apoiadores de Bolsonaro protestaram pela falta de apoio por parte do governo, mas nada indica que o presidente esteja disposto a encarar novos confrontos com os ministros do Supremo. O ministro Luis Roberto Barroso, deu uma declaração contundente diante da reação contra a suspensão das contas dos bolsonaristas.

Sem se referir especificamente ao caso, mas aos que usam fake news com intuito políticos difamatórios, disse “Não são pessoas de bem, são bandidos”. O inquérito das fake news já existe há mais de ano no Supremo, e recebeu muitas críticas pela maneira como foi criado, em regime de sigilo e sem a participação da Procuradoria-Geral da República. Mas os fatos se impuseram, e o inquérito acabou sendo avalizado pelo plenário do Supremo diante da constatação de que ações criminosas estavam sendo organizadas com fins políticos.

O inquérito do ministro Alexandre de Moraes está dirigido agora a seguir a trilha dos financiadores desse esquema, e mandou quebrar o sigilo bancário e telefônico de vários bolsonaristas, políticos e empresários, e na mesma decisão o relator havia mandado bloquear as contas de mensagens, o que só aconteceu agora.  O ministro Alexandre de Moraes oficiou ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica, ao BNDES e à Secretaria de Comunicação para informarem o detalhamento de todo investimento feito nas redes.

O desenvolvimento das investigações mostrou em ação uma verdadeira quadrilha de disseminação de fakes news, e o ministro Alexandre de Moraes tem confidenciado que poucas vezes assistiu tão baixo nível, mesmo tendo sido Promotor Criminal por vários anos. Com o prosseguimento do inquérito, que já identificou a origem dos ataques no chamado “gabinete do ódio” que funciona no Palácio do Planalto ligado ao vereador Carlos Bolsonaro, já há uma linha ligando a organização das manifestações antidemocráticas a esses grupos de fake news, ambos inquéritos no STF relatados pelo ministro Alexandre de Moraes.

O bloqueio das contas, que causou protestos e acusações de cerceamento da liberdade de expressão, tem uma explicação legal. Da mesma maneira que uma investigação sobre associação criminosa pode decretar prisões (liberdade de ir e vir), suspensão do exercício de mandatos (direitos políticos) ou exercício de determinado ofício (direito de profissão), se esses direitos estiverem sendo utilizados como instrumentos para práticas de crimes, é possível bloquear contas das redes sociais que estiverem sendo financiadas e utilizadas criminosamente.

O bloqueio foi do instrumento “determinadas contas nas redes sociais”, não das pessoas investigadas, que continuam tendo plena liberdade de expressão oral, escrita e nas redes. Tanto que deram inúmeras entrevistas e continuaram a ofender Deus e o mundo. Se utilizarem a liberdade de expressão para novos crimes serão investigados por esses novos fatos, sempre dentro do binômio constitucional liberdade com responsabilidade, é o que garantem os encarregados dos inquéritos.  

O que foi bloqueado foi o instrumento utilizado para prática de crimes, não a liberdade de expressão dos investigados, insistem eles. Exemplos mais gritantes são as entrevistas que o presidente do PTB, Roberto Jefferson tem dado a emissoras de rádio e televisão, depois de ter suas contas bloqueadas. Chamou o STF de “organização criminosa”, xinga todos os ministros do STF sempre que pode, e divulga informações caluniosas.

No entendimento de juristas, Jefferson exerceu sua liberdade de expressão e poderá ser responsabilizado por esse fato novo. Como explica um especialista, esse bloqueio não impede que continuem ofendendo e que criem novas contas nas redes, mas o bloqueio desestabiliza momentaneamente o esquema de divulgação de fakes e ofensas, e de recebimento de dinheiro por terem “tantos mil seguidores”.

O Globo, 26/07/2020