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Artigos

 
  • Catástrofes e burocracia da morte

    A catástrofe de Port-au-Prince não foi só ao extremo do que pode um terremoto, num centro urbano contemporâneo. Precipitou imediatamente uma onda inédita de cooperação internacional, que deverá tornar irreversível, de vez, o que seja o sentimento de uma humanidade ferida no próprio cerne de sua sobrevivência.

  • A fórmula da arte

    Em matéria de computação ele era, todos o reconheciam, um gênio, dessas pessoas cujo cérebro parece estar diretamente conectado a todos hardwares e softwares do mundo. Poderia, se quisesse, ganhar milhões com seus conhecimentos e suas habilidades. Qualquer firma de computação o contrataria a peso de ouro. Mas não era isso o que ele queria. O que queria, mesmo, era ser pintor. À pintura dedicava-se desde a juventude, com uma paixão impressionante. Produzia um quadro por dia. Oferecia suas obras a museus, a galerias de arte, a colecionadores. Anunciava-as no jornal e, claro, na internet. Só que ninguém queria aquilo. Porque, e nisto também havia unanimidade, todos o consideravam um pintor absolutamente medíocre, sem nenhum futuro. "Você nunca será um Van Gogh", disse-lhe um amigo, com aquela franqueza que só os bons amigos se podem permitir. Opinião que ele, contudo, não aceitou. Considerava-se um gênio não reconhecido, exatamente como Van Gogh, aliás, que não conseguira vender seus quadros, mas que, depois da morte, tornou-se uma presença obrigatória nos grandes museus. A seus olhos a única diferença era a seguinte: Van Gogh tinha descoberto uma fórmula para fazer obras de arte; ele ainda não o conseguira. Mas um dia isso aconteceria; e então o mundo se curvaria diante dele. Era só questão de tempo. E questão de sorte. E a sorte o favoreceu. Um dia leu sobre um novo programa de computador que permitia diagnosticar, por assim dizer, o processo criativo de cada pintor. Aquilo fez o seu coração bater mais forte. Não teria a menor dificuldade em criar um programa similar. E iria mais adiante: instalaria o programa numa máquina capaz de, como pintores, manejar pincéis. Isto permitiria clonar (não copiar, clonar) obras de arte. Pôs mãos à obra e em poucas semanas tinha a máquina de pintar comandada por um programa de computador. Este teria de ser alimentado com dados fornecidos pela leitura óptica de uma obra de arte autêntica. E aí estava o problema: como obter, por exemplo, um Van Gogh?

  • Dois centenários

    Todos os anos há uma série de centenários que merecem ser comemorados. Tivemos o de Macha­do de Assis e o de Euclides da Cunha. Agora, em 2010, já estamos lembrando outro gigante de nossa história, o pernambucano Joaquim Nabuco, que atuou na diplomacia do Império e da República, foi fundador, com Lúcio Mendonça e Machado, da Academia Brasileira de Letras e marcou um dos momentos mais brilhantes de nossas relações exteriores, ao lado de Rio Branco e Ruy Barbosa.

  • Comícios e coincidências

    Sem poder mudar a lei eleitoral e muito menos o calendário civil, Lula entrou feroz e jucundo na campanha que só deveria começar em abril. Na semana que passou, inaugurando obra em Minas Gerais, só faltou convocar o Zeca Pagodinho para esquentar a cerimônia que se transformou num comício.

  • Os casais e o ar-condicionado

    Na Porto Alegre da minha infância era comum a gente passar pelas ruas tranquilas de um bairro e ver – a altas horas da noite – gente debruçada na janela das casas. Não era curiosidade pelo que podia estar acontecendo lá fora. Era o calor. Aquelas pessoas ansiavam por um pouco do ar fresco que não encontravam em seus pequenos e abafados dormitórios.

  • O triunfo de Clarice

    Não sei se existe uma Bolsa de Valores literária, mas, se existisse, as cotações variariam nela tão amplamente quanto variam na Bolsa propriamente dita. Coisa que podemos facilmente constatar: existem autores hoje escassamente lembrados mas que, em sua época, faziam enorme sucesso, de público e/ou de crítica. Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos (1968) foi um best-seller fantástico, mas hoje, quando se pergunta aos jovens sobre esse livro, constata-se que muitos não sabem do que se trata. Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, vendeu 40 milhões de cópias em 70 países, mas, de novo, é escassamente lembrado.

  • Nabuco, além dos tempos

    As afortunadas comemorações deste ano ao redor de datas significativas em louvor de tantos nomes da Academia Brasileira de Letras, nunca seriam, nunca serão, uma etapa de meras alegorias de adulações ou simples anatomia de instantes.

  • Sempre o Enem

    Não faço parte do grupo que critica violentamente o Enem. Considero uma boa iniciativa, sujeita a aperfeiçoamentos que estão sendo providenciados pelo MEC, para o ano próximo. Fazer as provas em duas etapas (em semestres distintos) já protege o exame do seu gigantismo, que torna quase impraticável a sua implementação. Vejam o que aconteceu: 38% dos inscritos não compareceram, dando um enorme prejuízo ao erário, pois as provas foram impressas e havia locais e professores para a eventualidade de uma presença integral. Quem paga pela imprevidência?

  • Romeu e Julieta

    A historinha aconteceu com amiga minha. É verdadeira, tão verdadeira que terei de disfarçar para contar o milagre sem mencionar o santo. Digamos que ela se chama Lígia, é atriz de sucesso, casou-se aos 26 anos, separou-se e engatou caso com um colega de profissão, ator bastante conhecido, dez anos mais velho. Até aí, uma história banal, sem nada de extraordinário.

  • A Nina e MJ

    O repórter Pablo Ordaz cobriu os primeiros dias da tragedia do Haiti e como poucos nos revelou em profundidade o aspecto humano que perpassa o mundo invisivel de uma catastrofe dessa magnitude. Sao desgracas individuais que sao simbolo e exemplo do que acontece no olho desse furacao sem vento que atingiu o mais pobre entre os mais pobres, o sofrido povo do Haiti.

  • Medicina e ficção

    “Sherlock Holmes”, de Guy Ritchie, com Robert Downey Jr. vivendo Sherlock, e Jude Law no papel de Dr. Watson, é o mais novo lançamento numa longa série de filmes. O que não deixa de surpreender. O personagem foi criado há mais de um século – e sobrevive. Por quê? Em primeiro lugar, é preciso dizer que Holmes é um produto da Inglaterra vitoriana, uma sociedade em que a repressão, sexual, inclusive, era a regra. Os instintos reprimidos emergiam sob a forma de violência física e de crimes misteriosos, como aqueles de Jack, o Estripador. Diante disso, o raciocínio passava a ser a principal arma do detetive. E este raciocínio, por sua vez, tinha uma base científica.

  • Melhorando Picasso

    Ela não entendia nada de arte, não gostava de arte, e sobretudo detestava museus. Mas estavam fazendo turismo em Nova York e, como disse o marido -ele sim, um homem culto, familiarizado com a obra dos grandes artistas- ir a Nova York e não visitar o famoso Museu Metropolitan era um verdadeiro absurdo. Coisa da qual ela acabou se dando conta; a última coisa que queria era voltar para o Brasil e ouvir de uma de suas metidas e arrogantes amigas um comentário do tipo: "Mas como, você foi a Nova York e não visitou o Metropolitan?"

  • Política & afrodisíacos

    Uma noite, em Havana, eu estava assistindo à tevê estatal, quando de repente a programação normal foi interrompida (o que não era raro) para uma intervenção de Fidel Castro. Como de hábito, ele falou horas, sob vários assuntos, mas à certa altura começou a dar conselhos sobre como criar gado. Eu o ouvia, intrigado – será que ele entendia mesmo daquele assunto? – quando de repente me dei conta: não era a informação em si o importante, era o papel que ele estava desempenhando, o papel de uma figura paternal, amistosa. O que faz parte, aliás de um paradigma, nesse tipo de liderança: lembrem o recente exemplo de Hugo Chávez, tecendo considerações sobre a duração do banho no chuveiro. Agora é a vez da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, dar recomendações. Algo surpreendente porque, em primeiro lugar, ela não faz exatamente o tipo Chávez ou Fidel (Eva Perón talvez estivesse mais próxima disso). Depois, o tema que abordou. Era a cerimônia de assinatura de um convênio governamental com representantes da indústria de produtos suínos, e na sua fala a mandatária resolveu elogiar a carne suína. O que era de se esperar. Insólito foi o ângulo que escolheu para fazer o elogio. “Comer carne de porco melhora a atividade sexual”, disse , acrescentando: “Além do mais, acho que é muito mais gostoso comer leitãozinho assado do que tomar Viagra”. E aí um depoimento pessoal: no fim de semana o casal presidencial havia jantado leitão assado. O resultado “foi impressionante”. A plateia, predominantemente masculina, ficou surpresa e um tanto constrangida, mas, por motivos óbvios, aplaudiu. O titular da Associação de Produtores Suínos, Juan Uccelli, assegurou que os dinamarqueses e japoneses, grandes consumidores de carne de porco, “têm uma sexualidade muito mais harmoniosa que os argentinos”.

  • No campo de centeio

    Um jovem de 17 anos, de família rica, aluno de um colégio para a classe abastada, leva bomba em quase todas as matérias e tem de voltar para casa. Antes, questiona sua existência até então. Conversa com um ex-professor, a irmã, a namorada, procurando um sentido para tudo o que viveu, e chega à conclusão de que não há conclusão, o jeito é voltar para a casa do pai, que é diretor de uma companhia.

  • Viver custa caro

    Nos planos de Deus, a vida seria de graça. Mas, depois daquela história da maçã, o homem foi condenado a comer o pão regado com o suor do rosto. E a mulher, a parir seus filhos com dor. Tanto o parto como o pão custam caro. Poderiam ser mais baratos, mas a engrenagem social também custa caro, o ginecologista cobra e o padeiro também cobra. E todos acabam pagando.