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Poder em disputa

 

A disputa em torno da Operação Lava Jato acirra-se em dois planos. No Supremo, há movimentos para antecipar decisões sobre a prisão em segunda instância, e a suspeição de Moro quando juiz em Curitiba, que podem favorecer o ex-presidente Lula.

No Congresso, o ministro Sergio Moro, auxiliado por uma campanha publicitária do governo, tenta reverter uma situação difícil para aprovar no plenário alguns pontos de seu pacote anticrime derrubados em comissões.

Não foi à toa que, no discurso de lançamento da campanha ontem, que já ganhou imensos painéis na Esplanada dos ministérios para atrair a atenção do público, Moro destacou como um dos pontos principais de seu programa a prisão em segunda instância. Atribuindo a tese ao falecido ministro do STF Teori Zavascki, para colocar em constrangimento os ministros que pretendem derrubá-la no Supremo.

O que o ministro da Justiça e Segurança Pública insinua é que a sanha de derrotar a Lava Jato, que une ministros do Supremo e parlamentares, será combatida com apelos à opinião publica.

A popularidade de Moro continua inabalável, apesar de as mensagens roubadas dos celulares dos procuradores de Curitiba terem afetado gravemente a credibilidade destes, e também reduzido os índices de aprovação do próprio Moro.

Mas não o suficiente para deixá-lo sem o seu maior trunfo, o apoio da opinião publica. Que é tão forte que o próprio presidente Bolsonaro, que já esteve disposto a rifá-lo, sentiu-se obrigado a citá-lo em seu discurso da ONU como símbolo do país.

Ontem, o presidente Bolsonaro levou para o Palácio do Planalto o lançamento da campanha a favor do pacote anticrime, que já está sendo contestada na Justiça por membros da oposição. E também por parte dos políticos que potencialmente fariam parte de uma suposta base governista.

Esta é uma briga política das grandes, que envolve disputa de poder, onde os dois lados esgrimam seus trunfos. No Supremo, os ministros que querem enquadrar a Lava Jato argumentam com abusos cometidos contra a ampla defesa dos condenados.

Do lado dos procuradores, difunde-se a narrativa de que há uma ampla campanha contra o combate à corrupção, que reúne ministros do Supremo, deputados, senadores e vez por outra o próprio presidente da República, que se equilibra numa linha tênue que demarca seus interesses pessoais do interesse do Estado.

Em um momento o Supremo está do seu lado, proibindo, através de decisões dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, investigações sobre possíveis desvios de conduta do filho Flávio, hoje senador, quando era deputado estadual.

No outro, Bolsonaro está do lado de Moro, defendendo o combate à corrupção, porque parte de seu eleitorado já estava decepcionada com as indicações de que queria tirar Moro do ministério da Justiça e Cidadania. 

 A disputa dentro do Supremo, que provocou o adiamento da discussão da tese proposta pelo ministro Dias Toffoli para orientar as demais instâncias sobre a nova interpretação da lei, que diz que os delatores têm que falar nas alegações finais antes do delatado, é de teor jurídico, mas de fundo político.

O princípio da ampla defesa do réu é virtuoso, mas serve também para controlar o Ministério Público e juízes como Moro, que tentam uma autonomia processual que muitas vezes assume ares, aos olhos de alguns ministros, de insubordinação.

O ministro Gilmar Mendes, que tem o galardão de ter sido dos primeiros, se não o primeiro, a se insurgir contra o que considera abusos da Operação Lava Jato, trabalha com o intuito de submeter os procuradores à tutela do Supremo, - ele dirá da lei - para que o cachorro continue abanando o rabo, e não o contrário.

Para isso, não se inibe de usar provas inválidas para marcar sua posição. Os diálogos roubados por hackers e divulgados pelo site The Intercept e outros jornais e revistas foram usados pelo ministro Gilmar Mendes para demonstrar que os procuradores zombavam do Supremo e de alguns de seus ministros.

Nenhum dos citados declarou-se ofendido de fato, e os comentários podem ser considerados, ao contrário, comemorações pelo apoio que pressentiram vir de membros do Supremo. É claro que, fora do contexto, e numa leitura crítica, podem ser vistos como ofensivos, e, sem dúvida, representam informalidade indevida no trato de procuradores e ministros do Supremo.

O Globo, 04/10/2019