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A paixão pelos livros

 

No ciclo de conferências “Os críticos pelos críticos”, promovido pela Academia Brasileira de Letras, lançamos luz sobre o percurso da crítica literária, desde a concepção antiga – a crítica como instância situada nos quadros da gramática, da retórica e da poética – à reconcepção moderna, como o sistema de saber sobre a Literatura.

A arte não é apenas entretenimento. Ela também provoca reflexão e transformação. No caso da literatura, ainda proporciona a aquisição de um repertório linguístico mais complexo, sem o qual não é possível haver conhecimento. Sem a arte não há espírito humano. 

A arte é a expressão máxima de técnica aliada a sentimento, racionalidade aliada a experiência, idealismo aliado a empirismo, tradição aliada a ruptura. A arte define e revela quem somos, que mitos cultivamos, em que ideais estéticos nos espelhamos, quais sentimentos escondemos e quais repudiamos.

Falamos em crítica e logo pensamos em avaliações, aferimentos, aprovações ou reprovações. Atitudes — mais de julgamento que de interpretação. Na definição de um dicionário português, datado de 1813, a crítica é a “arte de discernir o verdadeiro do falso; e o bom do mau gosto”. O relativismo aproximou a crítica da ramificação da filosofia emergente no século XVIII: a estética.

Nascia, destinada a fazer sucesso, a crítica jornalística, voltada para um público heterogêneo, cuja produção não requer formação específica. A crítica dita “acadêmica" foi sacrificada pela redução de ideias que desvirtuara o princípio soberano da referência.

O que temos, hoje, são dois tipos de análise. De um lado, os teóricos da universidade, que fazem percursos rigorosos, se submetem a leituras metódicas e se filiam a essa ou àquela nobre corrente de pensamento. De outro, existem os resenhistas da imprensa, igualmente respeitáveis, escrevendo desde a perspectiva da “não-especialização”. Mais ensaístas do que teóricos. Em boa parte dos casos, mais comprometidos com a informação (que é o sangue do jornalismo) do que com a reflexão.

Muitos teóricos importantes, vez por outra, escrevem artigos para os suplementos literários da imprensa. Esses suplementos estão dominados por jornalistas que cultivam uma relação intuitiva com a literatura. Escrevem resenhas: ao contrário dos teóricos da academia, não têm compromisso com tradições teóricas, sistemas ou conceitos. 

Em quaisquer dos casos, porém, há um ponto de convergência entre esses profissionais: todos são movidos pela paixão pelos livros. Apaixonados pelo mesmo objeto, cada um o descreve à sua maneira. Para além de todos os nomes e classificações, impõe-se, sempre, a força de um olhar singular. O crítico literário é também um leitor e intérprete das metáforas e alegorias da vida.

Nos tempos atuais, com a inversão de tantos valores – não só no campo das artes – nunca precisamos tanto da crítica, fundamentada numa teoria consistente, que seja capaz de integrar a memória do passado, a sabedoria do presente e o compromisso com o futuro.

Tribuna de Petrópolis, 23/09/2015