Seis e meia da manhã, o noticiário da Globo iniciando, Natuza Nery entrando. Na minha portaria, aquele senhor ia saindo, o porteiro da noite em seu último turno interpelou:
– Quem é o senhor? Não vi entrar.
– Moro no 181.
– Está vazio.
– Não pode ser, estou aqui há 12 e nunca vi o senhor. Espere, vou chamar o síndico.
Interfonou, o síndico, segundo a mulher, estava tomando banho e fazendo a barba, como em todas as manhãs, antes de ir para o Tribunal.
– Tribunal? Que Tribunal?
– O Supremo, claro. Pois ele é o presidente do Supremo.
– De São Paulo?
– Como de São Paulo? Do Brasil.
– Sendo do Brasil, não deveria estar em Brasília?
– E onde estamos, meu senhor?
– Em São Paulo.
– Não, aqui é Brasília.
Interfonaram, porteiro atendeu, a mulher daquele que deveria ser o síndico informou que sua excelência estava na garagem saindo para o Supremo, estava atrasado, que o procurassem lá. Estava saindo para uma sessão extra do Supremo – havia acabado de chegar lá um senhor se dizendo presidente do Brasil. Seria arguido, porém ninguém o conhecia.
Também não sabiam se chamavam a Federal, o chefe do cerimonial, o hospício, a ambulância. O homem não parecia louco, anormal, esquisito, confuso, ansioso, traços de qualquer brasileiro. Nem estava em nenhuma lista de procurados. Mas todos o tratavam com deferência. Ele dizia coisas coerentes para alguns, porém, eram coisas que nada queriam dizer.
A língua nem parecia a portuguesa, mas também todos ficavam com medo de garantir que não era. Reconheciam termos como avantesma, deceprina, lastimador, mengoa, porém, foram advertidos de que, se admitissem que sabiam, seriam dispensados por justa-causa, era português antigo e eles poderiam ser demitidos por idade superada. E o homem que se dizia presidente agradeceu e foi para seu gabinete. Sem entender o que fazia ali, ou quem era. Porém, isso se acertaria, ele estava no Brasil. Ou não?