Ao insinuar que o candidato à Presidência escolhido por seu pai deverá se comprometer a atuar até com “uso da força” para que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceite o indulto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro demonstra claramente que não entende o quadro político que está desenhado. Em primeiro lugar, o que o ex-presidente tem de fazer é uma chapa capaz de vencer a eleição do ano que vem, sem a qual o indulto não virá.
Esse candidato, em vez de ser um cão raivoso que saia ameaçando todo mundo, terá de ser um político habilidoso que amplie o alcance eleitoral da direita brasileira, assim como Lula em 2022 ampliou a esquerda para derrotar Bolsonaro. O fato de o atual presidente não ter cumprido na prática seus compromissos com um governo de união nacional não significa que estivesse errado em sua postura na campanha. Ao contrário, mostra apenas que Lula e seu PT não cumprem os acordos e estão acostumados a usar seus aliados em manobras políticas rasteiras para se manter no poder.
Sem Bolsonaro na disputa, será difícil para Lula repetir o truque eleitoral da última eleição presidencial. Se o ex-presidente insistir em pôr na chapa um nome de sua família, mesmo que como vice, dará gás à esquerda, pois um(a) Bolsonaro de vice pode vir a ser presidente substituindo o eleito com o apoio de um Congresso de tendência bolsonarista. Quem tentou um golpe militar pode perfeitamente apoiar um golpe parlamentar.
Os ventos eleitorais parecem favorecer o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que uniria a liderança política da centro-direita ao apoio dos radicais do bolsonarismo. Mas dificilmente se comprometeria, antes mesmo de eleito, a enfrentar o Supremo com uso da força presidencial. Ao contrário, Tarcísio seria, até onde se pode enxergar, um presidente eleito que enfrentaria o STF com negociação, não com bravatas que provocassem desestabilização política. Mesmo porque o presidente eleito que tentasse enfrentar o Supremo nos mesmos termos em que Bolsonaro enfrentou quando presidente reincidiria em comportamento antidemocrático não aceitável.
O problema a superar é a desconfiança que Bolsonaro e seu entorno têm do próprio Tarcísio e de alguns políticos que o apoiam, considerados não suficientemente bolsonaristas, como o presidente do PSD, Gilberto Kassab. A atitude não radicalizada do governador de São Paulo — embora ele faça grande esforço para dar demonstrações de fidelidade frequentemente exageradas — e de seus auxiliares que preferem fazer política a partir para a agressão faz com que os radicais procurem caminhos mais estreitos, num erro estratégico surpreendente.
Estes advertem que uma atitude condescendente com representantes do establishment suscitará o aparecimento de uma candidatura competitiva, de extrema direita, que poderá surpreender, destacando que o “fenômeno” Marçal não deve ser esquecido. O raciocínio é que a direita quer votar em quem seja capaz de enfrentar o poder arbitrário hoje concentrado nas mãos do STF. Tarcísio não deveria afrontar claramente os ministros togados, sob pena de perder elegibilidade, mas precisa deixar subentendido que tudo será diferente a partir de 2027.
É nesse ponto que a estratégia perde conexão com a realidade. Estamos no decurso de um julgamento histórico que colocará na cadeia Bolsonaro e diversos civis e militares que se envolveram numa tentativa de golpe. Não há espaço para aceitação de radicalismos, seja de esquerda ou de direita. Políticos de direita e centro, vendo a possibilidade de uma vitória no ano que vem diante da impopularidade do governo petista, acreditam que uma chapa mais moderada, com Tarcísio na cabeça e a senadora Tereza Cristina de vice, teria mais chance de atrair o eleitorado moderado do que a radicalização incessante. Se insistir na radicalização, a direita chamará para a disputa o atual presidente, que pode até não se candidatar se sentir que pode perder a eleição. Lula não vai querer encerrar a carreira política que teve com uma derrota.