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O espaço político

 

Há vários temas sendo analisados ao mesmo tempo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Congresso Nacional, dois deles importantes do ponto de vista da modernização de nossos hábitos e costumes, e esse fato, naturalmente, leva a atritos institucionais.

Ainda não chegamos à descriminalização do uso recreativo da maconha, como têm feito diversos países, o mais recente a Alemanha. Mas o Supremo está a um voto de declarar inconstitucional a definição de crime para o porte de maconha para uso pessoal, o que já é um passo na direção certa.

Outro tema importante, tanto política quanto socialmente, é a definição do que seja foro privilegiado. Em ambos os casos, os dois Poderes divergem. Sobre a maconha, o Congresso é bem mais restritivo que o Supremo, enquanto na questão do foro privilegiado o Supremo quer ser mais abrangente que o Congresso (este quer restringi-lo ao máximo). Ambos têm motivações políticas para suas posições.

O Congresso quer restringir o foro privilegiado, deixando-o apenas para os chefes de Poderes, com a intenção de reduzir o poder político do Supremo. Antes do mensalão, o foro por prerrogativa de função no Supremo era mesmo um privilégio. Historicamente, o Supremo nunca havia condenado um político até o julgamento do mensalão. A partir dele, o foro do Supremo passou a ser um pesadelo para os políticos, mesmo que ultimamente eles tenham sido beneficiados por decisões, muitas vezes monocráticas, que travaram processos, anularam provas ou transferiram a tribunais eleitorais denúncias de corrupção que, aos olhos de ministros, transformaram-se em simples operação de caixa dois na campanha eleitoral.

Agora mesmo, com a prisão do deputado federal Chiquinho Brazão, voltou o receio de prisão por boa parte de parlamentares, por isso há o movimento para resistir à autorização para prendê-lo. Há nessa disputa também a busca de espaços políticos próprios. Os parlamentares consideram que o Supremo quer tê-los sob seu domínio, podendo apertar ou afrouxar o laço de acordo com o interesse pessoal de cada ministro. Querem se ver livres dessa tutela abrindo mão do foro privilegiado, que hoje já não é tão privilegiado assim.

Ao mesmo tempo, vingam-se do Supremo retirando de seus ministros o poder de decidir sobre seus destinos. No caso da maconha, a decisão é ideológica. No foro privilegiado, é uma posição política transitória. Chega a ser ridícula a situação de ver ministros da mais alta Corte judicial do país discutindo quantos gramas de maconha devem ser considerados “para uso pessoal”.

Nos dois casos, o Supremo deveria deixar para o Congresso a decisão, mesmo que este tenha posições distintas da maioria dos ministros. Foro privilegiado é uma decisão do Congresso, que define o alcance que queira ter. Não vejo por que o STF deve decidir quem ele próprio julgará. É possível que, depois, alguma entidade que não concorde e tenha condições entre com ação no STF para discutir a inconstitucionalidade da decisão. Só assim o STF deveria entrar nela.

É uma definição que precisamos ter, porque o STF muda decisões a seu bel-prazer, de acordo com interesses próprios. Várias delas são revistas rapidamente, cinco, seis anos depois. Isso não deveria acontecer.

O embate entre Congresso e STF na questão do porte de drogas é inevitável. É uma disputa de condições ideológicas distintas. Por isso, se confirmada a informação de que o ministro Dias Toffoli abrirá uma divergência, propondo que a questão das drogas seja definida pela Anvisa e pelo Congresso, teremos uma boa solução técnica para sair desse conflito político. O STF só deveria entrar em questões como essas quando o Congresso evita decidir.

 

 

 

 

 

O globo, 04/04/2024