O Senado Federal foi descrito certa vez pelo antropólogo Darcy Ribeiro como “o céu na terra”, para o qual podia-se entrar sem morrer. Referia-se ao longo período do mandato, de oito anos (que podem virar dez pela reforma proposta), e ao alto nível dos debates parlamentares. Lá reuniam-se os grandes líderes que chegaram ao ápice da carreira política depois de passar, na maior parte dos casos, por todos os degraus.
Eram ex-governadores, líderes regionais, grandes oradores, como Tancredo Neves, Paulo Brossard, Afonso Arinos, Teotônio Vilela, ex-presidentes da República e outros que pontificavam nas tribunas, não raro atraindo a atenção de parlamentares e do público. Hoje, as tribunas são ocupadas por jogadores de futebol, influencers, artistas de diversos quilates, que têm votos por razões outras que não as qualidades de grandes líderes políticos ou a oratória.
O Senado já não pode ser chamado de céu e muitas vezes pode se transformar no inferno quando se unem pessoas da qualidade das que armaram a cilada para a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, na terça-feira. Um senador, que já declarara ter tido, depois de ouvir Marina por seis horas, vontade de enforcá-la, disse que não a respeitava como ministra; outro mandou-a colocar-se “no seu lugar”, num ato falho, esquecendo que a ministra é uma das políticas brasileiras mais respeitadas internacionalmente, tendo superado sua origem humilde e sua falta de instrução para tornar-se doutora honoris causa das maiores universidades do país e do exterior.
O senador Marcos Rogério — autor dessa pérola que revela machismo e racismo, tudo junto e misturado — no rol das coisas é o “famoso quem?”. A falta de defesa da base do governo a Marina numa comissão do Senado — onde foi atacada vilmente por um grupo de senadores antiambientalistas previamente preparados para humilhá-la — é consequência de um agrupamento político disfuncional que “apoia” o governo, mas tem pensamento oposto à preservação ambiental, assim como vários ministros do governo Lula.
O presidente da República solidarizou-se com ela, mas é temerário acreditar que se colocará como escudo de Marina contra os que a atacaram e que, no fundo, pensam como ele, Lula, mais interessado no crescimento imediatista da Região Amazônica do que no desenvolvimento sustentável.
Marina, um ícone mundial na proteção do meio ambiente, já saiu de um governo Lula por ter perdido a disputa com a então ministra Dilma Rousseff sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte e também para o então ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, que tinha visão diferente da sua sobre o desenvolvimento econômico da Amazônia.
Mas nunca havia sido destratada tão vergonhosamente por adversários internos no governo. Marina serve de símbolo para Lula em seus governos, com repercussão internacional. Mas o meio ambiente é mais importante para Lula como símbolo do que como política de Estado.
É possível, claro, discordar das teses de Marina e seus ambientalistas, mas é preciso travar o debate em tom elevado. Armaram uma cilada para ela. O convite para discutir política de infraestrutura ambiental queria mesmo era atacar as políticas ambientais que dificultam a perfuração de petróleo na Foz do Amazonas ou defender a flexibilização do licenciamento ambiental aprovada recentemente no Senado, pela qual Marina declarou-se de luto.
Impressionou a cara de pau de alguns senadores, que a trataram de maneira vil, sem o menor constrangimento, sem pudor, com grosseria inaceitável. Uma instituição como o Senado não pode discutir um tema como esse na base da grosseria. Tal ato só fala mal do Senado e dos senadores. Fala bem da ministra, que se portou com altivez, encarou seus adversários e saiu fortalecida na imagem pública.