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O bom senso prevaleceu

 

Melhor ainda, prevaleceu a pressão da opinião pública, e o projeto de um simulacro de reforma eleitoral voltará para a Câmara, onde deverá ser discutido da maneira correta, à luz do dia e com amplo debate.

Sem correrias desnecessárias, como estavam querendo impor os defensores das medidas que afrouxavam a fiscalização eleitoral e reduziam a capacidade de punição da Justiça Eleitoral.

O perigo agora é a ameaça de que a Câmara, recebendo o projeto quase que integralmente vetado pelo Senado, decida ressuscitá-lo, com todos os defeitos que estão sendo rejeitados.

Seria um abuso de poder se os deputados fizessem isso, diante da reação que provocou na opinião pública a tentativa de aprovar uma reforma eleitoral que limita a fiscalização e aumenta a possibilidade de crimes como o caixa 2. 

Apenas o Fundo Eleitoral será aprovado agora no Senado, para valer nas eleições municipais do ano que vem. Com o compromisso de que não será duplicado, como querem alguns.

Num momento em que o país passa por situações que exigem sacrifícios dos cidadãos, sem dinheiro para nada, há a proposta de aumentar o fundo de R$ 1,8 bilhão para R$ 3,7 bilhões.

É preocupante, no entanto, certa maneira de pensar que continua prevalecendo. O ministro-chefe do Gabinete Civil, Onyx Lorenzoni, perguntado sobre o projeto, saiu-se com essa: “Se não houver aumento de gasto, tudo bem”.

 Esse não é o único problema do projeto. A questão ética é fundamental para que o Congresso prossiga na sua atuação de protagonismo na política nacional. Correu-se o sério risco de haver um acordo entre o Palácio do Planalto e o grupo de congressistas que apóia as mudanças em beneficio próprio para a aprovação do texto, com o compromisso de o presidente Bolsonaro vetar alguns trechos, não o suficiente para retirar do projeto seu caráter deletério ao processo político.

Com a dependência da aprovação do seu filho Eduardo para embaixador em Washington sendo negociada cuidadosamente no Senado, seria perigoso que os vetos do presidente Bolsonaro fossem confundidos com a sabatina.

Foi aí que o bom senso trabalhou a favor da cidadania, e os senadores entenderam que não deveriam se responsabilizar por um projeto que permaneceu na Câmara durante meses, mesmo que na clandestinidade dos acordos entre os iguais, e agora o Senado não teria tempo para analisar minimamente.

Apenas referendaria a iniciativa, alvo de críticas da sociedade civil através de entidades representativas do combate à corrupção. Ficaria a sensação de que nenhum acordo é respeitado pelo Congresso.

A volta da propaganda eleitoral gratuita no rádio e televisão é um exemplo desse descumprimento de acordos. Para a criação do Fundo Eleitoral, foi decidido acabar com essa propaganda, que, embora fosse gratuita para os partidos, era paga pelo governo federal às emissoras de rádio e televisão.

Essa economia seria usada para ajudar a criar o fundo que financiaria as eleições, depois de proibidas as doações privadas. No projeto em discussão, estava lá a volta da propaganda, que se somaria à idéia de mais que dobrar os recursos do Fundo. 

O que o Congresso não conseguiu, sempre devido à reação da opinião pública, o Supremo Tribunal Federal (STF) fez de maneira indireta ao decidir encaminhar para a justiça eleitoral, sabidamente menos aparelhada para as investigações, diversos processos contra deputados e senadores.

A anistia ao Caixa 2 está sendo tentada há anos no Congresso, para que os parlamentares pudessem  escapar da justiça comum.  Muitos deles com a acusação de terem sido meras simulações de doações legais para utilização de dinheiro proveniente da corrupção nas campanhas eleitorais.

Uma legislação que afrouxe as regras de prestação de contas facilitará o uso continuado de dinheiro ilegal.

O Globo, 18/09/2019