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As nossas bolhas

 

É inescapável constatar pelas pesquisas de opinião, e pelo debate político nas redes sociais, que o país está dividido, e qualquer candidato que vença a eleição terá problemas para governar. O ex-presidente Lula continua numericamente à frente de Bolsonaro depois do primeiro turno, mas a diferença está se estreitando. O Congresso eleito, no entanto, é mais conservador, e talvez mais reacionário, do que o eleito em 2018, o que faz prever que Lula vencendo, encontrará uma forte barreira ideológica que limitará suas ações.

As possibilidades de barganha com o Congresso estarão bloqueadas pelo controle do orçamento secreto, que não será apenas do Centrão, mas do grupo ideológico que apoia Bolsonaro. O ex-presidente terá problemas para acabar com ele, mas poderá ter o apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), o que, por outro lado, provocará areação da maioria governista, uma novidade no Senado, responsável pelo impeachment de ministros do STF.

O controle do Poder Judiciário deverá ser o objetivo maior de um governo Bolsonaro renovado, um golpe parlamentar semelhante ao que já aconteceu em países de esquerda como a Venezuela. Paradoxalmente, esse receio de um golpe esquerdista é a bandeira maior da candidatura Bolsonaro. Como não se cansa de defender o golpe militar de 1964, é fácil entender que Bolsonaro não é contra ditaduras, desde que sejam de extrema-direita.

Vencendo Bolsonaro, terá praticamente metade do país na oposição, o que prenuncia tempos turbulentos pela frente. A frente ampla da sociedade civil está se delineando no apoio a Lula, em defesa dos princípios democráticos que vêm sendo afrontados explicitamente pelo atual presidente. As surpresas permanentes com a força popular do bolsonarismo, reveladas no resultado das urnas de 2 de outubro e nas pesquisas eleitorais no segundo turno, mostram que o país está dividido porque a sociedade vive em bolhas que não se conhecem porque não se comunicam.

O estudo 'Brasil de Bolhas' da KOGA, nova unidade de estudos comportamentais e estratégia da agência DOJO de São Paulo, é fruto de uma pesquisa quantitativa e qualitativa com 2 mil pessoas que indicou cinco perfis da população sob o ponto de vista de como se comunicam e dialogam: contestadores (11, 5%), isentos (43, 1%), impositivos (4, 5%), rígidos (13, 3%) e idealistas (27, 7%).

De acordo com o estudo, 43, 7% dos contestadores são os menos influenciados pelos familiares e possuem uma baixa religiosidade (13, 1% se consideram ateus/agnósticos/teístas -segunda maior taxado estudo); acreditam na cultura como ferramenta de inserção social e no movimento de ocupar espaços públicos para furar bolhas e conectar diferentes perspectivas; são muito ativos nas redes sociais.

Os isentos não gostam e evitam, a qualquer custo, se envolver em discussões polêmicas, independentemente do ambiente. Quando o fazem, geralmente é em família, por se sentirem mais confortáveis e seguros. Os isentos ainda são mais evangélicos do que a média, sendo influenciados por conceitos religiosos em assuntos de ordem moral e política; são os menos ativos nas redes sociais.

Os impositivos buscam combater grupos opostos e, mesmo sendo o menor perfil, se destacam nas discussões, sendo os mais viscerais de todos. Este perfil também é o segundo mais influenciado pela família em relação ao seu posicionamento e leva os conceitos da religião para discussões políticas; um público que se conecta culturalmente com aqueles que compartilham a mesma visão política, e usa seus critérios morais para apoiar ou boicotar qualquer ato cultural e ações sociais, fazem campanhas contra causas em que não acreditam e usam o WhatsApp e o Telegram para se informar e dialogar. Para eles, a religião, a família e a tradição são questões fundamentais (48, 5% são evangélicos/protestantes), que ocupam um lugar central em todos os âmbitos de sua vida, incluindo a cultura.

Os de perfil rígido costumam ter mais contato com diferentes perfis de pessoas, o que traz uma noção maior da importância da inclusão e diversidade como solução para furar bolhas; nas redes sociais, procuram fazer campanha sobre as causas nas quais acreditam; possuem maior vínculo de diálogo com seus amigos, sendo mais influenciados por estes do que pela família em assuntos sociopolíticos; têm a menor taxa de religiosidade (19, 2% - maior número - de ateus/agnósticos/teístas); são mais ativos nas redes sociais do que a média, mas as utilizam menos na hora de se informar.

Os idealistas são mais abertos, reflexivos e ponderados. Têm contato com perfis diferentes, fazem campanha nas redes sociais, são mais influenciados por amigos, são menos religiosos, são mais ativos nas redes sociais.

O país está dividido. Qualquer candidato que vença a eleição para presidente terá problemas para governar.

O Globo, 09/10/2022