Bom critério para fazer isso ao avaliar essas duas éticas, digamos assim, é julgar os outros a partir do que cada um de nós faria na mesma situação. Dou exemplo em caso sem maior importância, de que participei. Nas eleições de 1985, Maria Lectícia e eu precisávamos vir ao Recife. Para votar em Jarbas Vasconcelos, candidato a prefeito numa eleição complicada, em que foi abandonado pelo MDB e acabou se elegendo pelo PSB.
No ministério da Justiça (1985/6), era ordenador de despesas. E, na compra das passagens, poderia ter feito isso por conta do ministério. Eu próprio autorizava. Ninguém saberia. Mas tinha receio de que alguém quisesse saber qual compromisso oficial me aguardava, por aqui. E era nenhum. Como explicar?
Para não passar vergonha, nem me arriscar a constrangimentos, comprei com recursos próprios as tais duas passagens. E por que digo isso agora? Porque o ministro Alexandre de Moraes, sem nenhum constrangimento, saiu de Brasília num avião da FAB pago por todos nós brasileiros. Para assistir a jogo do seu time, o Corinthians, em São Paulo. Recebeu vaia monumental, talvez inesperada para quem se considera Pai da Pátria, e respondeu com uma dedada sem nenhuma educação, mas essa é outra história.
Só para lembrar, o inciso IV do art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) diz ser dever dos magistrados "manter conduta irrepreensível na vida pública e particular". Dedadas entram nessa conta? O CNJ deveria dizer. Dirá?, leitor amigo. Nem por sonhos, era o que faltava, espere sentado.
Não apenas ele andou nas asas da FAB, em verdade se diga. No ano passado foram, para utilizar a conhecida frase de Jean de La Fontaine (em Fabulas, inspirado no grego Esopo), "tout le monde et son père" (em tradução livre, toda gente do mundo). No total, 1574 voos em 12 aeronaves, mobilizando 1.300 militares e 90 veículos. Como se o Brasil fosse um país rico. Ou estivesse com suas contas em ordem. Ou pudesse se dar ao luxo de esbanjar.
E se trata de algo que só por aqui se dá, bom lembrar. Posto, no resto do mundo, só poderem viajar assim Chefes de Poderes (que ele não é) em missões oficiais (não foi o caso).
Mas quem voou nesses outros tantos voos do passado?, eis a questão. O amigo leitor saberá só daqui a 100 anos (até 100 anos, ignoro como se deu essa classificação). Que TCU e Ministério da Justiça já decretaram sigilo, sobre seus nomes. Sem que se perceba qual o sentido dessa regra, claramente longe do interesse coletivo, destinada somente a proteger quem é da turminha. Da patota. Numa espécie de compadrio explícito.
O ministro é reincidente. No começo do ano foi ver o Corinthians ser campeão. E, agora, novamente. Sabemos que lá estava por conta das filmagens, no campo, a partir de celulares. O sigilo do amigo e ex-colega de curul Lewandowski não o protegeu, pena para ele.
Voou para ver seu time do coração e, como torcedor, merece todos os elogios. Já como homem público, perdão, é o contrário. Por não haver, na cidade nenhum compromisso, que tivesse a mais remota relação com seu Tribunal. Não foi o ministro do Supremo, a voar, mas um torcedor. Usasse um avião da TAM, então, e não por nossa conta. Pago com seus recursos. Era o certo.
Grave não é voar assim. Mas considerar ser normal usar, dessa forma, dinheiro público, fora de todas as regras, como se estivesse acima do bem e do mal. É como se considera. Preferiu ir nas asas da FAB, o que (quase) nenhum de nós teria coragem de fazer. E por isso é justo vir a ser julgado, perdão, no íntimo de cada um de nós.
Pior é que a Grande Mídia sequer reportou o ocorrido. Chega a ser divertido. E não o censurou. Nem jornais, nem televisões, nada. Nem seus colegas do Supremo, neste caso até se entende, que muitos usam também a FAB. Nem os membros das mesas do Senado ou Câmara de Deputados. Até a FIOCRUZ que, agora, gosta de ficar emitindo notas oficiais, Deus do céu... Para ser justo, também não OAB, CNBB, ABI ou Sindicatos de Jornalistas, que se pronunciam sobre tudo. Ninguém falou. Todos calados, em um silêncio constrangedor. Como se houvesse medo no ar. Ou estivessem apenas obedecendo. A Democracia brasileira tem dono, parece.
José Paulo Cavalcanti Filho