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Medo de assombração

 

Ao pedir que o ministro da Defesa Fernando Azevedo Silva se demitisse, o presidente Bolsonaro se queixou de que não tinha respaldo político por parte de seus ministros militares. Ouviu dele que sua saída não representaria uma mudança de atitude dos militares, que não poderiam se vincular a um projeto político. Ledo engano.

Quarta-feira, por volta das 10 da manhã, o presidente Bolsonaro saiu do Planalto e foi, fora da agenda, ao Ministério da Defesa. O general Braga Neto o esperava na porta principal. Subiram. A conversa durou cerca meia hora. Bolsonaro saiu pela garagem, no sub solo, e voltou pelos fundos ao Palácio. Estava dado o recado ao Alto Comando do Exército, reunido naquele mesmo dia para avaliar a crise gerada pela presença de um General de divisão da ativa, ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, em um palanque político ao lado do presidente.

A decisão de ontem do Comandante do Exército, General Paulo Sérgio Nogueira tem uma motivação puramente política, sem se importar com um dos pilares das forças militares, que é serem instituições de Estado, e não de um governo.

A quebra da disciplina e hierarquia só aconteceu porque os militares estão convencidos de que apenas Bolsonaro pode derrotar o PT e Lula na eleição do ano que vem, e quiseram dar respaldo político a ele. Assim como quando o então comandante do Exército, General Vilas Boas, soltou uma nota claramente de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) para que não aprovasse um habeas corpus que poderia ter soltado Lula.

Bolsonaro convenceu os militares, e o núcleo duro de seus seguidores, de que a volta do PT ao poder, que hoje as pesquisas de opinião detectam como provável, é um perigo comunista que tem que ser evitado. Por isso está criando um clima antecipadamente de possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas, para ter um pretexto para comandar um golpe caso seja derrotado por Lula.

A decisão do Comandante do Exército, General Paulo Sérgio Nogueira, respaldado pelo Alto Comando do Exército, representa um golpe de Bolsonaro. Não há mais dúvidas, agora, de que Bolsonaro age como age devido ao apoio do "seu" Exército. Bolsonaro deu uma demonstração de força ao submeter o Exército aos seus desígnios. Resultado de uma visão política medíocre dos militares, que trocam a soberania do Exército pela submissão a um líder político de direita, populista e autoritário, para evitar um líder populista de esquerda, Lula, e do PT, que consideram totalitário.

Nessas condições, se Bolsonaro se reeleger em 2022, se sentirá respaldado, pelo voto popular e pelo apoio dos militares, a seguir com sua escalada em direção a um governo de cunho personalista e ditatorial.

O Globo, 03/06/2021