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Liberdade como base

 

O encontro entre o editor Roberto Feith e o constitucionalista Gustavo Binembojn deu-se em torno de uma causa nobre, contra a proibição das biografias independentes, em defesa da liberdade de expressão. Feith, como vice-presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (Snel) e Binembojn como advogado no Supremo Tribunal Federal da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) que resultou vitoriosa, eternizada pelo voto da ministra Carmem Lucia com a exclamação “Cala a boca já morreu!”.
 Essa relação deu frutos. Os dois voltam a se encontrar neste livro “Liberdade Igual, o que é e por que importa” que inaugura o selo História Real, criado por Roberto Feith com Jorge Oakim, da Intrínseca, para tratar da história recente do país. No panorama geral que Binembojn traça da liberdade como inerente à condição humana, ele ressalta o caráter universalizante da responsabilidade que cada um assume ao fazer suas escolhas do uso da liberdade.
 Nada mais atual do que essa reflexão, diante da pandemia de Covid-19 que nos assola indistintamente. Quando se constata que a liberdade de circular pelo espaço público, reconquistada aos poucos, não leva em conta os que nos circundam, mas a fruição egoísta da individualidade sem máscara, que nos protege mas também protege os outros, vemos que ainda precisamos, como humanidade, levar em conta que a liberdade “é uma empreitada coletiva”. Entendida como a possibilidade de definir seu próprio destino, “é atributo essencial da condição humana que nos une e iguala”.
 É inevitável destacar as questões ligadas à liberdade de expressão, devido à atuação firme de Gustavo Binembojn nessa área. Para ele, a liberdade de expressão “tem o mérito de não excluir aprioristicamente idéias e opiniões do debate público, dede que ela própria fique preservada”. Embora constate que “superamos o estágio primitivo da censura oficial”, Gustavo Binembojm denuncia que “formas censórias redivivas” atuam no cotidiano do brasileiro, permitindo apreensão de livros e remoção de textos da internet, entre outros atos que o autor considera sucessores da Censura Federal.
 Mas há outros pontos igualmente atuais e relevantes no livro, formado por artigos e ensaios de Gustavo Binembojn, além de processos que defendeu no Supremo Tribunal Federal (STF). O capítulo sobre “o lugar de fala e a armadilha identitária” trata de um tema presente, a possibilidade de o presidente Bolsonaro nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF).
 Diz Binembojn: “Nomear quem coloca sua lealdade a confissões religiosas ou a dogmas teológicos acima da Constituição e as leis do país (...) teríamos um grave desafio à democracia e ao Estado de direito”. No capítulo sobre “populismo regulatório”, o autor critica o uso dos instrumentos estatais para distorcer o livre mercado e favorecer os amigos do poder.
 Dá exemplos atuais, como o tabelamento do frete rodoviário no país para atender à reivindicação de caminhoneiros em greve. Nacional. Os custos aumentaram e o cidadão comum acabou pagando no final da cadeia de consumo. Há um tópico sobre o direito à morte digna, dentro de um capítulo mais abrangente sobre “Liberdades existenciais e autonomia privada” que fala também sobre temas polêmicos como direito ao próprio corpo e do mínimo existencial, que separa políticas sociais básicas, nas quais Gustavo Binembojn inclui o próprio bolsa-família, “da discussão vetusta da esquerda brasileira sobre estatização da economia, o que é uma arqueologia ideológica já ultrapassada e que só subsiste na América Latina”.
 A conclusão sobre o direito à morte digna define bem o espírito liberal e humanista de Binembojn: “Se, por razões filosóficas ou religiosas, alguém optar pelo prolongamento da existência mediante uso de tecnologia médica, na plenitude do estádio da arte, ao Estado não cabe intervir para abreviá-la. Se a outro, no entanto, parecer mais razoável despedir-se em momento anterior, no limite máximo de sua dignidade, a ninguém deve caber impedir”.     

O Globo, 19/07/2020