Há três dias escrevo, deleto, escrevo, deleto, escrevo deleto. Hoje, o pânico veio quando as editoras do jornal indagaram: “Cadê a crônica, mande e-mail. Cadê sua crônica?”. Abri o computador, fiz o que jamais fiz na vida. Tirei de lá um segmento de meu novo romance. Pode ser que eu termine. Então, já terão lido esse trecho. Se não termino, sabe-se lá quando terei novo romance.
“Criança, eu via minha tia Virginia, também minha madrinha, namorando o Casemiro. Os dois, sérios e circunspectos, sentavam-se na sala da casa de meu avô Geraldo Majela, e conversavam. Às vezes, eu os surpreendia de mão dadas, tia Virginia ficava sem graça. Eu gostava demais daquela tia, afinal ela tinha me dado, aos 10 anos, o livro mais louco que li na vida, li dez vezes, ficava maluco também, Alice no País das Maravilhas. Achava o Bento muito velho. Sempre de terno, gravata, sapato preto, meias pretas, ele não ria, não conversava com as crianças. Um ‘senhor’, entre aspas.
Recentemente, ao conversar com um primo, começamos a fazer contas, tal época, tantos anos, etc. De repente, levamos um susto, descobrimos que Bento, naquela época, tinha 19 anos. E era um senhor. Solene, cheio de cerimônia. Susto, porque este meu primo está com 75 anos e eu com 88. Nesta idade, o que seríamos naquele tempo? Caquéticos, final de linha, caducos? A palavra esclerosado não existia. As pessoas eram circunspectas, porque precisavam ser. Eram ‘velhas’ e sóbrias, porque era a postura que se esperava delas para serem respeitadas. Era necessário se mostrar austero, digno, honrado seguidor de regras e comportamentos. Tudo questão de postura. Ser velho era uma necessidade, não podia fazer um mundo de coisas banais, vulgares, triviais. Andar de bermudas, chinelos e camiseta, sentar-se em um bar e beber cerveja. Um velho precisava manter o respeito. Mas, o que era isso que diziam, respeito?
No entanto, meu avô, pai de meu pai e da tia Virginia, era diferente. Outro ser, outra cabeça. Soube que uma vez minha tia Cléo, irmã de meu pai, acordou na madrugada com um barulho na casa e luzes acesas. Intrigada, levantou-se. Não se pensava em ladrões, naquele tempo. Ela caminhou até a cozinha e deu com meu avô fritando ovos e linguiça na banha. Para tudo se usava a banha de porco, caseira, pesada.
Nelson Motta, jornalista, compositor e escritor, mostra sua coleção de livros ao Estadão ‘Meu crush atual é a Socorro Acioli’: fizemos um tour na estante de livros de Nelson Motta Ex-Libris / Logomarca especial do Estadão, elaborada pela agência Africa Creators, para celebrar os 150 anos do jornal Crédito: Africa Creative/Estadão Fórum dos Leitores William Shakespeare Poeta e dramaturgo William Shakespeare: 7 frases do autor sobre a vida além do teatro
– Papai, o que é isso! Comida mais pesada, três e meia da manhã. O senhor não vai dormir. Isso vai fazer mal.
– Minha filha! Nada que se come com prazer, faz mal...
– Está certo..., mas ovo e linguiça a esta hora? – Aos 94 anos, minha filha, o que me pode acontecer?”
Imprimir