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Homenagem a Sábato Magaldi

 

Leitor radical da moderna dramaturgia brasileira, Sábato Magaldi tomou distância da condição vitriólica de Iago, que se autodefine como um crítico, nem mais nem menos: I am nothing, if not critical. Porque Sábato era dotado ao mesmo tempo de rara sensibilidade artística e larga erudição no domínio das teorias e das técnicas teatrais, pensadas, contudo, sem apriorismos, desde uma precisa realidade cênica. Não lhe faltava generosidade, lúcida e fundamentada, desconhecida por Iago e por uma parte da imprensa, de quando havia crítica militante.

Sábato buscou sempre atingir as intenções do diretor, mesmo quando não se realizavam de todo, para colocá-las em perspectiva, ao vislumbrar alguma promessa ou sinal de futuro, como quem justifica uma falha secundária, diante de um sistema que se mostra em construção. Vejam-se as leituras de Sábato sobre Jorge de Andrade, Oduvaldo Vianna Filho e Plínio Marcos, tomados como linhas de força, estrelas de uma só constelação, irredutíveis, embora integrados a um mesmo conjunto: de semelhanças que afastam, e diferenças que aproximam.     

Frequentei suas obras quando, nos anos de 1990 e 2000, eu também me dedicava como drammaturg, trabalhando com atores e diretores do teatro carioca. E Sábato era claro e pontual, sem abrir mão de seus valores, com elegância inconfundível, sem ofender o objeto da crítica, antes convidando a que aprofundassem outras dimensões, tal como exige uma crítica de intensidade prismática ou dialética, livre de modelos autoritários. E foi também capaz de anunciar viragens interpretativas, mudanças de rumo, novas leituras, ao pontuar contínuas revisões de sua dramaturgia, como no o caso de O Rei da Vela de Oswald.

Um dos capítulos mais belos de sua biografia foi certamente a amizade com Nelson Rodrigues, poderoso divisor de águas do teatro brasileiro, cuja edição integral da obra foi pensada por Sábato. Enquanto um político obscuro sacava o revolver em pleno Municipal, irritado com Vestido de Noiva, Sábato realizou prontamente as alturas subterrâneas desse dramaturgo total, e quanto havia nele de novo e desafiador.  

Com as antenas sensíveis para o moderno e o contemporâneo, dedicou-se ao estudo de Pirandello em oportuno contraponto com Gide, no ensaio Cenário do avesso, mas não descurou Brecht, nem esqueceu o teatro de Ionescu. Mas era para o Brasil, para a nossa realidade, que cena e repertório, debate e montagem constituíam um ponto de partida, o cerne de nossa dramaturgia. Diante dos riscos de uma leitura feita muitas vezes no calor da hora, Sábato deixou-se guiar por uma infalível intuição. Desenhou uma cartografia ampla e segura, por onde passam grandes rios e lagos, montanhas, planícies. Devemos a Sábato a geografia que resgata um recente conjunto da história do Brasil, dentro da qual nos movemos, agimos e estamos, em busca de novos paradigmas. 

Revista Comunità Italiana, 15/08/2016