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Expectativa de poder

 

O jantar comemorativo do grupo Prerrogativas em homenagem ao ex-presidente Lula se transformou em evento político de relevo, não apenas pela presença de vários líderes da esquerda brasileira, como pelo lançamento informal da chapa Lula-Alckmin à Presidência da República no ano que vem. Há uma diferença imensa, porém, entre defender que a Justiça seja feita ou acusar o ex-juiz Sergio Moro de ter distorcido os processos para condenar o ex-presidente e apoiá-lo publicamente como candidato à Presidência. Individualmente, cada um desses advogados tem o direito de apoiar quem quer que seja, mas o conjunto deles só deveria atuar em defesa de valores e princípios do Direito e da democracia, pois para isso foi formado.

Defender os direitos do cidadão Luiz Inácio Lula da Silva não significa, automaticamente, apoiá-lo à Presidência, mesmo que acreditem nessa balela de que o juiz Sergio Moro o condenou para ajudar Bolsonaro a vencer a eleição de 2018. O erro político de Moro se evidencia no flanco que abriu a seus críticos ao ter aceitado ser ministro da Justiça de Bolsonaro, não pelo fato em si, pois tinha a seu favor a intenção declarada do novo governo de apoiá-lo no combate à corrupção. Agiu melhor que outro “ingênuo”, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que segue agarrado ao barco pilotado por Bolsonaro depois de inúmeras demonstrações de que o presidente não pretende cumprir nenhuma das promessas liberais no campo econômico.

Moro poderia ter feito como Guedes, permanecido no governo se contradizendo a cada ato e, se o objetivo fosse mesmo ser indicado para o Supremo Tribunal Federal, ter feito vista grossa para os desmandos do chefe, ter protegido seus filhos e familiares como faz o procurador-geral da República, Augusto Aras, até atingir o objetivo. Ao contrário, deixou o governo ainda em seu início, denunciando a intenção do presidente de intervir na Polícia Federal para defender os seus, o que está se confirmando a cada dia.

Moro pode não ter condições de ser presidente da República por falta de experiência, por ingenuidade ou por outra crítica qualquer, não por incoerência. Não é o caso do ex-governador de São Paulo e ex-presidenciável do PSDB Geraldo Alckmin, que se prepara para aderir à chapa de Lula como vice para avalizar aos eleitores de centro-direita uma suposta moderação do futuro governo petista.

Não há dúvida de que Lula manda e desmanda no PT, nem de que, se ele quiser, Alckmin será o vice, apesar da reação da parte mais radical do partido. Mas não há dúvida também de que a gestão de Alckmin na Vice-Presidência será no mínimo decorativa, se não se tornar um inferno, como foram as de vários outsiders que se aventuraram a entrar no primeiro governo de Lula, como Marcos Lisboa, Murilo Portugal e, no segundo governo Dilma, Joaquim Levy.

Henrique Meirelles resistiu bem por ter sido elevado a símbolo, blindado pela delicadeza da economia. Além do mais, as inúmeras vezes em que Alckmin e Lula se enfrentaram estão registradas em vídeos e áudios que não podem ser apagados. A ênfase, incomum em Alckmin, na crítica à corrupção do governo Lula depois que o mensalão foi revelado é exemplar da dificuldade que terá em justificar uma reconciliação que não é consequência de nenhum mea-culpa por parte do partido nem de seu líder maior. Na verdade, a adesão de Alckmin pode ser vista como uma admissão de que foi ele quem errou ao atacar Lula.

A boa convivência política, mesmo com adversários figadais, significa amadurecimento democrático. Mas aderir a um projeto de poder político que não mudou nada depois dos escândalos do mensalão e do petrolão significa uma capitulação justificada apenas pela expectativa de poder a que tentou chegar pelo voto e foi, por duas vezes, impedido pelo próprio Lula.

O pêndulo político parece estar se inclinando novamente para a esquerda na América Latina, com a vitória de Gabriel Boric no Chile, depois de México, Argentina e Peru. Será um ambiente amigável para Lula. Alckmin, por fim, poderá tornar-se presidente em exercício.

O Globo, 21/12/2021