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Exemplos

 

“Eu acho que o Fernando Henrique Cardoso deveria, no mínimo, ficar quieto. O que ele deveria fazer é contribuir para a Dilma continuar a governar o Brasil bem, ou seja, deixar ela trabalhar.” Nessa curta frase do ex-presidente Lula está expressa sua ideia de democracia e, sobretudo, a visão que tem sobre o que é fazer oposição. Desde que Lula chegou à Presidência da República, criou-se um mito no Brasil: falar mal do ex-operário que chegou ao poder pelo voto é proibido, revela o preconceito social de quem o faz.

Fazer oposição ao governo popular que chegou para nos redimir só pode ser coisa de direitistas raivosos, de reacionários a serviço dos piores interesses. Ao contrário, basta que alguém adira ao governo petista para se transformar imediatamente em pessoa respeitável, sobre quem nada pode ser dito sem que uma crítica signifique tentativa de desestabilizar o tal governo popular.

Reputações são lavadas em segundos, passados são esquecidos, muitos se tornam esquerdistas tardiamente. Quantos parentes de presos políticos que nunca levantaram um dedo para repudiar a ditadura agora posam de esquerdistas em defesa da memória de seus queridos e aproveitam para tirar um benefício do governo?

Por que Fernando Henrique deveria “no mínimo ficar quieto”, se, tanto quanto ele, os ex-presidentes que nos restam atuam politicamente com intensidade? E por que Fernando Henrique deveria deixar Dilma trabalhar em paz se ele é o principal nome da oposição e, como o nome diz, tem como função principal se opor ao que está aí no governo?

O que fazia o PT quando estava na oposição? Deixava Fernando Henrique governar com tranquilidade ou tentava por todos os meios boicotar sua administração? Logo no início do governo Lula, quando ele assumiu surpreendentemente como tarefa de seu governo prosseguir a reforma da Previdência, conversei com o então presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha — hoje condenado pela participação no mensalão — e perguntei a ele por que o PT se batera tanto contra a reforma quando o PSDB estava no governo se agora se mostrava favorável a ela.

Ele, candidamente, respondeu: “Luta política”. Simples assim. A “luta política” justificava tudo, até mesmo trabalhar contra medidas que eles consideravam acertadas. Enquanto ainda era presidente, Lula reclamava da ação de Fernando Henrique, dizendo que ele tinha que aprender a ser ex-presidente. Houve momento em que petista graduado disse que o ex-presidente tucano deveria ir para a casa “cuidar dos netinhos”.

Lula prontificava-se a fazer isso, ao mesmo tempo em que prometia voltar a fazer churrascos para os amigos, sem se meter em política. Ensinaria a Fernando Henrique o que é ser um ex-presidente. Sabemos muito bem o que ele fez desde o primeiro momento em que deixou a Presidência. Faz questão de demonstrar sempre que quem está no comando é ele, a ponto de, na reunião do PT para comemorar os dez anos de poder do partido, ter feito discurso em que tratou a presidente Dilma Rousseff como se fosse um oposicionista. Como ele sempre é o centro de suas próprias falas, Lula fez brincadeira com sua conhecida vaidade. Disse que gostava tanto dele mesmo que sempre votou em si próprio para presidente da República, e que, quando não pôde mais fazê-lo, votou num “poste”.

O “poste” em questão estava ali a seu lado, era a presidente da República, que foi classificada assim durante a campanha eleitoral pelos críticos de sua escolha. Para aliviar o ambiente, Lula deu um fecho generoso à sua piada de mau gosto, dizendo que o “poste” Dilma estava iluminando o Brasil.

Todas essas atitudes de Lula fora do poder podem ser perfeitamente aceitáveis para seus correligionários e eleitores, que costumam não ver seus defeitos. Mas não é possível que críticas aos governos petistas, ou mesmo à sua pessoa, sejam consideradas demonstrações de reacionarismo político, ou tentativa de boicotar as ações do governo popular que chegou para redimir o país, sem dever nada a ninguém, sem ter herdado nada, tendo construído tudo. Lula alimenta essa bobajada.

O Globo, 28/2/2013