Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Ciência e eleições

Ciência e eleições

 

Amanhã é o Dia Nacional da Ciência e, para comemorar, o Instituto Serrapilheira, primeiro instituto privado de apoio à ciência e à divulgação científica no Brasil, e a Maranta, agência de inteligência política para sustentabilidade, repetem uma ação exitosa acontecida em julho de 2020, quando 60 espaços na imprensa, entre eles esta coluna, abordaram a pauta do processo científico. A iniciativa foi parte da campanha #CientistaTrabalhando, que buscava explicar como a ciência funciona, tendo como contexto a pandemia de Covid-19.

Desta vez, retomam o tema, agora com a ciência no contexto das eleições, com o objetivo de mostrar que ela tem papel fundamental no desenvolvimento do país — atravessa política, economia, educação, saúde, meio ambiente e cultura — e que, por isso, deve ter lugar de destaque no debate eleitoral. Fui ouvir o físico Luiz Davidovich, ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências, que se mostrou otimista com os progressos da ciência:

— Vivemos tempos fascinantes na ciência e na inovação tecnológica. Esta é a era de Big Data e da inteligência artificial; da biotecnologia aplicada à agricultura e à saúde humana, com as terapias gênicas permitindo tratar doenças até agora consideradas incuráveis; da carne cultivada em laboratório por meio de tecnologia de célula-tronco, reduzindo a poluição produzida pela pecuária extensiva; dos computadores quânticos; de novas fontes de energia menos poluentes, como as células de hidrogênio; da telecomunicação sem fio de alta velocidade, com o 6G, já em desenvolvimento e cem vezes mais rápido que o 5G. O conhecimento científico avança com aceleração surpreendente e com o potencial de revolucionar mais uma vez o cotidiano da humanidade.

Mas, com a presente configuração mundial, esse avanço poderá não ser para todos, alerta Davidovich:

— A disparidade dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento aumenta a desigualdade entre os países, provocando um hiato científico e tecnológico que limita drasticamente a distribuição dos benefícios da ciência. Em 2019, os Estados Unidos investiram US$ 613 bilhões em P&D (pesquisa e desenvolvimento), ou 3,1% do PIB (US$ 1.866 per capita). Considerando a paridade do poder de compra, a China investiu no mesmo ano US$ 515 bilhões (2,2% do PIB), ou US$ 368 per capita, enquanto o Brasil investiu em 2017 US$ 38 bilhões (1,3% do PIB), ou US$ 181 per capita. Diversos países reforçam o financiamento para projetos científicos, motivados pela disputa de protagonismo entre grandes potências, pela crise de suprimentos, pela preocupação com as mudanças climáticas e com o potencial surgimento de novas pandemias provocadas pelo desmatamento, que pode liberar vírus alojados na floresta para o ambiente urbano.

O ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências alerta que aumenta a distância entre o Brasil e países mais desenvolvidos:

— Cortes abruptos no orçamento de ciência e tecnologia, acrescidos agora de bloqueio de recursos (nome cunhado para driblar proibição de contingenciamento pela legislação anterior), têm reduzido o orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações que, para 2022, é o menor dos últimos dez anos. As perdas acumuladas desde 2014, incluindo as de 2022, podem chegar a R$ 100 bilhões, segundo o Observatório do Conhecimento.

Davidovich enumera:

— O investimento em educação passou de 19% do orçamento de investimentos da União em 2012 para 8% em 2022. As bolsas de pós-graduação das agências federais (CNPq e Capes) não são reajustadas desde abril de 2013, para uma inflação no período de mais de 60%. As universidades federais poderão parar em agosto, se o orçamento destas não for corrigido.

A escolaridade da população brasileira, já precária, tende assim a piorar, diz ele, ressaltando:

— Apenas 21% da população entre 25 e 64 anos concluiu o ensino superior, e o país tem menos de 900 pesquisadores por milhão de habitantes. Países da OCDE têm, em média, 4.000 pesquisadores por milhão de habitantes.

Para Davidovich, o debate eleitoral não pode ficar alheio a essas questões, fundamentais para o futuro do país:

— Por isso, espero que, nos próximos meses, candidatos e eleitores lembrem que a ciência é tão importante quanto outros temas de interesse público, como saúde, educação e segurança, tanto nos debates quanto nas urnas.

Eu também.

O Globo, 07/07/2022