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Canto do Cisne

 

A mônada e a morte. Conjugá-la na primeira pessoa – no modo indicativo e no presente. Já não se podem convocar terceiros. 
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Quanto mais apurada a individuação, na trama do tempo, mais densa e arrebatada a transfiguração.
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Tem dupla face o que se transfigura: para si mesmo, um aporte ontológico; para os outros, mero epifenômeno.  
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A voz dos pássaros. E a voz dos mortos. O canto que se perde para os vivos. Que outro mistério haverá mais forte que a voz?  
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Indissolúvel o matrimônio com o silêncio. Tudo que tenha sido parece bastante. Depois, uma aliança com as trevas. Por que afastar-se então da claridade? 
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Não apagar a luz antes que a luz se apague: parece quase um conselho ineficaz. 
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A morte considerado um hápax. Como diz Jankélévitch, o hápax do hápax.
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O derradeiro instante, como profético? Ápice da aventura humana?  A crescente rarefação. A sombra apenas de um instante. 
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A metapsicologia e a conservação da contingência. A memória de Deus como supercomputador. O espelho dos sonhos necessários, o guardião das imagens de nossas retinas.
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Bispo do Rosário e a inscrição que salva. A danação da memória, o logro do tempo, a ilusão dissolutiva. O manto que apresenta, na hora extrema, revela um projeto coral de salvação.
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 Memorando. Memorável.
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A nulificação do nada: um método de recompor a ruptura?
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Para Iqbal, vida e morte: viagem para Deus e viagem em Deus. Seja como for, a ontologia qual flecha do menos para o mais. A defesa da rarefação, no entanto, obriga a redimensionar a cifra de horizonte temporal. 
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O sentido do não-sentido. Ou a suspensão do sentido. “ A morte impossível e necessária.” O protesto do contínuo e a materia signata quantitate. A defesa tomista da memória nas formas separadas.
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Segundo Marcel, o pensamento que pensa a morte está envolvido pela própria morte. Como vencer, de uma vez por toda essa aporia, senão morrendo?
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Imensa a distância entre Nada e quase-Nada. Uma pequena ponte: o verbo ser. Preso ao pretérito. 
E ao condicional. 
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“O que passou, já não pode não ter sido”. Palavras de Jankélévitch: o irreversível em disputa com a morte. 

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O corte biográfico: um timbre pessoal, que bem se apura na melodia do Nada. Como diz o filósofo da morte: ter sido, ter vivido e ter amado. 
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“La sagesse spinoziste, pour laquelle la mort ne compte pas, retrouve grâce à Brunschvig son sens le plus sublime. Mas le cri de Gabriel Marcel ne se justifie moins. Nous disions du roseau conscient: Et pourtant il meurt! Quand il s’agit d’abriter le débat de la pensée et de la mort, tout le monde a raison et personne n’a raison unilatéralement. Non, il n’y a pas de dernier mot.” (Jankélévitch)
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Fim do princípio de individuação. É o que ouvimos dos lábios de Isolda. As vagas do não ser arrastam para o abismo. Tal a história da decomposição – do sujeito – no mar do Inconsciente (Unbewuβt).  

Revista Humanitas, 20/07/2021