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Além da retórica

 

Não há discussão sobre o fato de o presidente Bolsonaro ser responsável direto pelo clima de radicalização que resultou no assassinato de um petista por um simpatizante seu.

—O que tenho a ver com isso? —pergunta, em vez de condenar o uso da violência como argumento político.

Se o próprio presidente diz que é preciso armar a população para se defender “dos comunistas”, a partir daí não se controla mais ninguém; abriu-se a porteira para situações como essa.

Tudo porque Bolsonaro é irresponsável, não mede as palavras para atingir seus objetivos. Está querendo criar confusão na campanha eleitoral e não pode se eximir de culpa. Dizer que foi apenas mais uma briga de bêbados no fim de semana brasileiro é não só tentar tornar normal assassinatos, mas não assumir responsabilidade por atos e palavras.

O problema é que o assassino demonstrou apoio político a Bolsonaro de uma maneira agressiva, que é como o presidente estimula seguidores contra adversários. É uma tragédia que precisa ser contida, ou teremos outros episódios equivalentes. A retórica política violenta leva a ações desse tipo.

O próprio ex-presidente Lula, que agora acusa a violência bolsonarista, quando começou em seu governo com a política do “nós contra eles”, estimulava esse embate, essa radicalização política. Não há como esquecer o discurso do então poderoso José Dirceu conclamando os petistas a bater nos tucanos em São Paulo “nas urnas e nas ruas”, originando agressão contra o então governador Mário Covas.

No “ato pela democracia” convocado por partidos de esquerda em Diadema, na Grande São Paulo no sábado, dia do trágico assassinato do petista em Foz do Iguaçu, Lula enalteceu o ex-vereador do PT Manoel Eduardo Marinho, o Maninho do PT, preso após agredir um empresário em abril de 2018. A vítima sofreu traumatismo craniano, e o militante foi acusado de tentativa de homicídio qualificado, tendo ficado preso por sete meses.

Naquela ocasião, oposicionistas protestavam em frente ao Instituto Lula, em São Paulo, quando o empresário Carlos Alberto Bettoni se aproximou e ofendeu lideranças petistas que deixavam o prédio. Maninho empurrou Bettoni para a rua, e um caminhão o atropelou, provocando traumatismo craniano. Lula afirmou no sábado que o aliado foi preso “porque resolveu não permitir que um cara ficasse me xingando na porta do instituto”.

— Então, Maninho, eu quero em teu nome agradecer a toda solidariedade do povo de Diadema. Porque foi o Maninho e o filho dele que tiveram nessa batalha. Obrigado, Maninho. Essa dívida que eu tenho com você, jamais a gente pode pagar em dinheiro, a gente vai pagar em solidariedade, em companheirismo — discursou o ex-presidente.

Nossos líderes políticos precisam ter em mente que não podem estimular esse tipo de atitude, que pode nos levar a uma situação gravíssima de conflito. Bolsonaro deveria ter repudiado veementemente o episódio, em vez de minimizá-lo como se fosse uma briga de rua ou de bêbados. Assim como Lula não poderia elogiar em palanque um militante que quase mata um adversário ou chamar de “meninos” os militantes extremistas da esquerda latino-americana que sequestraram o empresário Abilio Diniz às vésperas do segundo turno da eleição de 1989, que ele perdeu para Fernando Collor.

Mesmo que o assassinato de Foz do Iguaçu tenha sido ocasionado por uma discussão banal qualquer, como insinuam os bolsonaristas, transformou-se numa disputa política entre um petista, que comemorava seu aniversário com uma glorificação do PT, e um antipetista, que resolveu estragar a festa na base do tiro. Bolsonaro tem incentivado esse tipo de ação porque não tem cuidado com as palavras, tem uma retórica política agressiva, como exortar a “metralhar essa petralhada”, declaração da campanha de 2018.

A insistência com que Bolsonaro e seus seguidores afirmam que Adélio Bispo, que esfaqueou o presidente, foi filiado ao PSOL indica que querem atribuir a um atentado político o que foi definido pelas investigações como ação isolada de um doente mental. Em 2018, a radicalização levou a que o centro democrático fosse imprensado entre extremos políticos.

A candidatura de Simone Tebet como consequência de um precário acordo partidário entre PSDB, MDB e Cidadania pode dar a esse eleitorado que se encontra sem candidato uma saída. Esses partidos estão se unindo ao União Brasil em alguns estados, como São Paulo, tentando reviver o acordo político entre PSDB, MDB e PFL que levou adiante o Plano Real. É uma construção delicada, até porque dentro desses partidos há divisões, mas a chance de Tebet vingar é tornar-se a candidata da sociedade civil, pois definitivamente não favorece a democracia essa disputa radicalizada que leva à morte.

O Globo, 11/07/2022