A dificuldade para chegar a consenso sobre questões fundamentais da política de segurança pública do Estado brasileiro reflete o embate político entre polos opostos. Deveriam estar unidos em torno de um tema que não deveria ser politizado.
A escolha do secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, para relatar o projeto foi uma decisão política do presidente da Câmara, Hugo Motta, claramente tendenciosa a favor da candidatura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, à Presidência da República. O projeto do governo foi sequestrado pela oposição para transformá-lo em instrumento político, com a neutralização da ação da Polícia Federal para que parlamentares fossem protegidos de investigações.
Outro objetivo, que continua em pauta pela direita, era, tratando dos crimes das facções criminosas como terrorismo, permitir que um eventual combate ao narcoterrorismo trouxesse como aliada uma ação do governo americano, tal qual feito em relação à Venezuela. A gênese desse movimento é o mesmo que fez com que o deputado Eduardo Bolsonaro incentivasse as sanções americanas ao comércio com o Brasil. Os dois movimentos foram derrotados pela reação da opinião pública, das instituições democráticas.
Mas a segurança será mesmo ponto crucial na campanha da reeleição do presidente Lula, um ponto de preocupação generalizada. No país todo, a insegurança pública só faz crescer. A tendência da maioria, como mostram as pesquisas, é achar que a solução é sair matando bandido, uma política de governo insustentável. Mas a população se sente protegida com centenas de bandidos mortos, preferencialmente noutros estados que não o seu, como mostra a nova pesquisa Quaest. Brasileiros que apoiam a ação ocorrida no Rio recentemente não querem que ações semelhantes aconteçam no seu estado.
É mais um problema para o Brasil, esse sentimento de vingança que não leva a lugar nenhum, muito menos a uma sociedade mais desenvolvida. A esquerda sempre evitou esse assunto, sempre teve visão paternalista da questão e não entendeu que o crime hoje não é mais o garotinho que rouba bala na rua ou furta alguma coisa, uma carteira. É o crime organizado, que espalha um ciclo de violência muito grande pelo país e internacionalmente. O crime organizado brasileiro tem ligações com quadrilhas e tráfico de drogas internacionais. E a direita entende errado, acha que bandido bom é bandido morto, o que também não é a solução.
Será um debate duradouro, que Lula terá de enfrentar durante a campanha. Se tivesse criado o Ministério da Segurança Pública lá atrás, quando foi aventada a possibilidade, estaria hoje em situação mais tranquila, porque teria o que mostrar. Não quer dizer que teria resolvido o problema, mas teria montado uma estrutura para combater o crime organizado. Se não pensasse que o traficante também é vítima do usuário, estaríamos mais próximos do controle.
Agora, o governo terá de correr contra o tempo para montar essa estrutura, e a direita tentará impedir, nas bases que estão propostas. A esquerda trata qualquer tipo de crime como consequência de uma sociedade injusta. Em parte, tem razão, mas também há vontade de evitar o confronto, de evitar a repressão. A repressão ao crime continua a ser, na visão da esquerda, uma coisa da direita, de governo autoritário. Mas não há nada de autoritário em usar a repressão contra crime organizado. O governo tem de defender a maioria da população. Fazendo essa apologia, não do crime, mas do criminoso como vítima da sociedade, vai contra a maioria da população, que não é criminosa e precisa ser defendida. Você pode não gostar de quem é de direita, ou de quem é de esquerda, mas a segurança pública não pode ser questão ideológica. Tem de ser questão de Estado.