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Discurso de posse

DISCURSO DO SR. VÍTOR VIANA

SR. PRESIDENTE, Srs. Acadêmicos, minhas Senhoras e meus Senhores:

A ACADEMIA E OS JORNALISTAS

Agradecendo à Academia Brasileira de Letras esta grande honra, peço licença para considerar a distinção como uma homenagem à minha profissão de jornalista.

O jornalismo é um gênero literário – e dos menos enfadonhos, e os articulistas e cronistas são bem homens de letras. Hoje, não se sabe onde acaba o jornal e começa o livro. Todos os grandes livros dos últimos anos saíram nos períodicos, e assim, todos nós colaboramos numa obra comum, não sendo possível separar mais o escritor que escreve na imprensa do jornalista que publica livros. Tendo trabalhos sobre sociologia, economia política, ciências do governo e da administração, filosofia, psicologia, crítica literária – sou aqui, antes de tudo, representante da minha profissão principal, e honrado de ocupar uma Cadeira, cujo patrono foi jornalista como jornalistas foram o seu fundador e o grande poeta a quem me coube suceder.

Jornalismo e literatura exercem a mesma ação necessária e neste momento grave da História têm o dever de cooperar na defesa da liberdade do pensamento.

Entre os patronos desta ilustre Companhia, vemos grandes nomes que só foram jornalistas, grandes nomes que fizeram do jornalismo durante largo trecho de vida sua preocupação dominante: – Evaristo da Veiga, Hipólito da Costa, João Francisco Lisboa, Francisco Otaviano, Manuel de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, Pedro Luís, José Bonifácio, o Moço, Tavares Bastos, Artur de Oliveira, Joaquim Serra, Bernardo Guimarães, Visconde do Rio Branco, Pardal Mallet, Raul Pompéia, França Júnior, Franklin Távora, figurando entre eles articulistas que formaram a consciência nacional e deram à nossa política a sua verdadeira expressão e lhe dirigiram a ação construtora.

Entre os fundadores da Academia praticaram sempre o jornalismo ou em fases decisivas da caracterização da sua personalidade – Alcindo Guanabara, José do Patrocínio, Medeiros e Albuquerque, Rui Barbosa, Olavo Bilac, Valentim Magalhães, José Veríssimo, Machado de Assis, Salvador Mendonça, Joaquim Nabuco, Artur Azevedo, Carlos de Laet, Pedro Rabelo, Guimarães Passos, Urbano Duarte, Domício da Gama e V. Ex.a, Sr. Presidente, glória desta Casa e uma das melhores expressões da nossa verdadeira civilização.

As consagrações literárias da Academia confundem-se assim nos mesmos vultos do jornalismo brasileiro.

Nas sociedades em formação, as especializações não se podem limitar. Os homens de cultura carecem abranger todas as atividades, pois não há uma coordenação facilitando a cada qual um lugar próprio no conjunto das iniciativas de arte de pensamento. No Brasil, os poderes públicos nada fizeram até hoje para proporcionar o desenvolvimento das grandes vocações intelectuais.

Augusto de Lima teve de moldar sua vida a essas contingências de dispersão. Em outro país, o volume das Contemporâneas, seu primeiro livro de versos, publicado em 1887, já depois de formado em Direito, teria obrigado a um destino: em torno de seu sucesso se concentrariam editores, críticos, e discípulos e toda a atividade do autor se enquadraria pela diretriz indicada pelo primeiro êxito. No Brasil, Augusto de Lima continuou poeta, mas foi jurista, magistrado, professor, historiador, político, administrador, parlamentar e presidente de Estado. O intelectual, no Brasil, é o mais admirável de todos. Ele não perde o ideal, não transfigura sua personalidade, mantém intacto o sonho de produzir, apesar de envolto em ambientes diversos e ocupado em tarefas diferentes.

Nesse enciclopedismo dos países novos, os intelectuais conservam, na maior parte dos casos, um gênero predominante. Assim Medeiros e Albuquerque, que recebeu aqui Augusto de Lima, sendo poeta, conteur, historiador, crítico, ensaísta, cientista, era, antes de tudo, jornalista. Augusto de Lima, apesar da multiplicidade dos seus trabalhos, figurará na história da nossa literatura principalmente como poeta.
O autor das Contemporâneas não teve influência direta na direção partidária, mas foi militante e participou com entusiasmo de campanhas de projeção nacional como as da Aliança Liberal.
Lord Bryce descobriu a decadência dos povos – decadência das letras ao comércio – resultante do enfraquecimento do espírito público. O Brasil sofre às vezes o torpor mortal desse desinteresse. Mas Augusto de Lima protestou sempre contra essa apatia, tomando parte em caravanas de propaganda e agindo sempre como parlamentar e escritor.

Não há povo que resista à desagregação do espírito público. Para criar e conservar esse espírito público é preciso a contribuição de todos os intelectuais. Qualquer afrouxamento, qualquer dúvida nessa atitude caímos naquele erro que é a trahison de clercs.

A própria História do Brasil toma outro aspecto quando interpretada como uma projeção de idéias e não como uma expressão de caprichos. Por outro lado, o mercantilismo justifica a legislação colonial e o milagre da especialização de culturas tropicais como o liberalismo, a independência e sua expansão triunfante. A evolução da humanidade mostra que o êxito dos povos depende de condições naturais e sociais e que estes se engrandecem pela acumulação das culturas antigas e estrangeiras aproveitada sob o ponto de vista nacional e subordinada ao momento histórico, ao comércio mundial e ao aparelhamento técnico. Grandes acontecimentos brasileiros foram contingências da situação geral, e não compreende a História do Brasil quem não a define com os fatos universais e o movimento das idéias.

Essa História do Brasil revela o espírito de grandeza que tem sido a força na construção da nacionalidade. Todos que nos visitam desde os primórdios da nossa formação, estimulam esse espírito. Todos os viajantes, desde o século XVI, dizem que somos um país de futuro. Criamos a nação possuidora do maior território sem solução de continuidade e falando a mesma língua, a região mais civilizada das terras quentes – origem das matérias-primas da técnica de hoje; fomos um império estável no meio de caudilhismos oscilantes; galgamos as serras, estendemos até ao planalto as estradas de ferro; fizemos da cultura do café – que agora querem arruinar – o maior acontecimento agrícola dos tempos modernos; somos um dos elementos da economia mundial; fundamos a maior indústria da América Meridional; acolhemos embaixadores das maiores potências; atraímos imigrantes e capitais do mundo inteiro; os nossos juristas são repetidos nas repúblicas vizinhas; aplicamos constituições nos dois regimes que foram modelos de forma e de distribuição de poderes; organizamos uma farmacopéia nacional; contribuímos para o estudo das moléstias do nosso clima; aparecem nomes de brasileiros nas coletâneas científicas da Europa; saneamos, elevamos e aparelhamos grandes cidades; apresentamos a maior literatura do sul deste continente; seremos em breve o povo mais populoso dos chamados latinos, ultrapassando a França e a Itália – e ainda exclamam que somos um país de futuro! Devemos ter orgulho dessa situação, embora pudéssemos ser mais do que somos se outra tivesse sido a política e possamos perder essas grandes conquistas se não soubermos ter orientação conveniente.
A nossa geração precisa organizar-se para entregar aos nossos sucessores um Brasil consolidado e digno desse espírito de grandeza, desse futuro com que todos nos acenam.

O esforço da conquista para abranger território tão vasto espalhou os núcleos de povoamento, e, para fazer o Brasil maior, enfraqueceu os seus centros de resistência. A interpenetração desses centros deve ser um dos fins da nossa política, que carece de finanças prósperas para realizar seus grandes destinos, pois os deficits consecutivos destroem os regimens e as sociedades que os toleram.

O globo é cada vez menor para a humanidade inquieta. Não podemos na América Latina viver como os outros – não o Brasil então dentro da paz jurídica – viveram no século XIX. O caudilhismo de alguns países sul-americanos tudo desorganizou, mas sem perda da independência nacional. No século XX, essa política boêmia não poderá subsistir sem arruinar todo o patrimônio construído pelos nossos antepassados.

De São Paulo, força formadora da força construtiva do Brasil, de São Paulo, orgulho e esperança do Brasil, foram os elementos primários da fundação da Minas do ouro.

A riqueza mineralógica obrigou a metrópole a enviar uma aristocracia intelectual que fundou o que a literatura brasileira teve em primeiro lugar como mais típico.

Quando os elementos da mineração se dispersaram foi que começou a se formar nessa parte do país a pequena burguesia que movimentou o Rio no primeiro 13 de Maio, na Ficada como então se dizia, no 7 de Setembro e sem cujo entusiasmo patriótico não se teriam precipitado o de 7 de Abril, a Maioridade e a Abolição.

A PEQUENA BURGUESIA E FRANÇA JÚNIOR

Essa pequena burguesia tem sido a grande colaboradora da consolidação nacional, e será a única força capaz de conciliação nesta hora grave. Depende de suas inclinações, de sua restauração ou do seu declínio o resultado do embate dos extremismos no caso em que ele se venha desencadear no Brasil.
As classes médias têm sido a grande educadora do povo do qual recebem constantes subsídios. Com o seu espírito crítico, sarcástico, mas patriótico, desencantado de alguns homens e fazendo de outros às vezes mitos populares – foram o agente criador da nossa opinião, a massa dos leitores dos livros e jornais, a razão de ser dos nossos romancistas poetas e publicistas. Com o seu vivo interesse pelos negócios públicos e pelas letras formaram o ambiente para o desenvolvimento do Império, tornaram possível Pedro II e seu parlamentarismo formoso e eficiente, o meio favorável sem o qual a coroa, a nobreza e o povo não teriam feito  a unidade nacional e a fortuna do país. Pequenos negociantes, professores, profissionais nas carreiras liberais e técnicas, sitiantes, empregados do comércio e da administração pública e particular constituíram os elementos da coesão nacional e sua proletarização será a derrocada da organização brasileira. Mais alguns anos de inflação monetária e desordem econômica, e essa proletarização se acentuará e passará então o Brasil pelas provações dos embates das grandes classes e suas clientelas. Façamos pela coordenação política, social e financeira a restauração e a consolidação dessa destemida pequena burguesia brasileira! Ela foi sempre tão inteligente e irônica, tão compreensiva e consciente que leu, aplaudiu e popularizou França Júnior e Urbano Duarte, dois observadores de seus costumes.

Os que não procuram avaliar a importância relativa de cada esforço de observação poderão menoscabar trabalhos como os de França Júnior. Eu os considero dos maiores. Ele escreveu para agradar, para ser lido. Entretanto, produziu mais para a História da nossa civilização, ainda por fazer, do que muitos historiógrafos de profissão.

A análise dos hábitos e tendências da pequena burguesia carioca do século passado, levada a efeito por França Júnior, constitui um esplêndido estudo de psicologia social. Ali, o verdadeiro historiador futuro encontrará muitas razões, até agora desconhecidas, das transformações políticas. Por quê? Porque se o regime econômico altera hábitos e idéias, os costumes modificam concepções e o sistema social e político. França Júnior, nos seus folhetins e nas suas peças, fixou para sempre os traços de uma classe histórica.

Progredimos depois. As classes médias, recebendo trabalhadores elevados pela instrução e nobres arruinados fizeram o ambiente das agitações políticas, literárias e artísticas. A obra de França Júnior é assim o inquérito sobre esses pequenos burgueses brasileiros que nos fins do século XIX, diante de uma alta burguesia sem centro de convergência, de uma nobreza dispersa, de um povo sem organização, assumiram, de fato, o poder, derrubando e formando ministérios.

Outros escritores estudaram tão bem a nossa vida que se poderia estabelecer um questionário sobre as condições sociais do seu tempo e encontrar resposta nos seus livros e folhetins.

Manuel Antônio de Almeida pode ser consolidado em testing. A Moreninha de Macedo é um repositório de costumes como o Alencar dos romances cariocas porque o outro, aliás, o maior, é o Alencar das simbolizações nacionais. Bem traduzido, haverá um Machado de Assis capaz de despertar o interesse universal, mas há também um Machado de Assis narrando os fins de uma aristocracia desencantada e empobrecida e uma pequena burguesia no período da autocrítica construtora. Coelho Neto fixou mais costumes do que mesmo imaginou, e há na Miragem e na Conquista mais história moral dos últimos lustros do Império e primeiro da República do que em muitos historiadores de carreira. O que há de honestamente indômito no temperamento das brasileiras do interior surge e se define em alguns dos melhores romances de Afrânio Peixoto, o grande escritor e sábio que é um dos beneméritos desta Casa.

França Júnior, que pretendeu divertir, vale hoje como documentação.
A psicologia das classes médias brasileiras no princípio da República aparece também nos folhetins de Urbano Duarte, do qual Augusto de Lima fez uma análise sutil no seu discurso de posse.
O poeta das Contemporâneas nasceu em Congonhas de Sabará, depois VilaNova de Lima e hoje Nova Lima, a 7 de abril de 1858.

CONGONHAS DE SABARÁ E O MARQUÊS DE SAPUCAÍ

É também a terra dos meus e em cuja praça principal se ergue a herma de meu bisavô, inaugurada por meu Pai.

Foi ali, naquelas paragens, que sob o impulso das bandeiras paulistas a ilusão do ouro se tornou realidade, e a civilização brasileira encontrou os verdadeiros fundamentos de sua estabilidade. Dali irradiou o novo Brasil, centro de atenção universal, fornecedor do numerário das nações, elemento da grandeza comercial de que havia de sair o esplendor do século XIX. O mercantilismo desfez-se com esse intercâmbio. O ouro, que os bandeirantes descobriram, modificou – como os sociólogos modernos reconhecem – a própria diretriz da História. Do Reino foi então enviado para esse rincão o melhor da administração civil e militar, a fim de coordenar a nova riqueza, em proveito do erário metropolitano. Essa aristocracia se foi tornando brasileira e participou logo dos movimentos de emancipação. Com esse deslocamento administrativo veio o Capitão-Mor Araújo da Cunha, pai do Marquês de Sapucaí.
O Marquês de Sapucaí, se não ocupou durante largo tempo a direção política, exerceu uma grande influência na evolução dos acontecimentos. secretário da Constituinte, ministro de Estado, presidente de províncias e da Câmara, ele teve ocasião de ir realizando nas várias funções uma obra que se consolidou na estrutura administrativa do Império.

Equilibrando os orçamentos, resgatando o cobre em circulação, reajustando o padrão às condições da mineração aurífera, fundando o nosso direito orçamentário – pois já o tivemos – combatendo o parasitismo fiscal, foi, na Regência, um reorganizador modesto, mas eficiente e na restauração constitucional realizada pela maioridade uma das forças dirigentes do movimento vencedor.
Esse jurista, homem de gabinete e de governo foi também compositor musical e poeta, autor das Violetas, quadrinhas que andam em todas as antologias brasileiras, e de lindos sonetos camonianos, muitos dos quais o Jornal do Commercio publicou na sua seção especial de então. Foi jornalista militante, redator de editoriais do Diário do Governo.

A amizade de Pedro II e Sapucaí permaneceu através de muitos anos de convivência, e feita de preocupações científicas e estudos literários. Nos papéis de minha família há provas disso. Se o Imperador lia um clássico de qualquer língua, viva ou morta, e encontrava uma dificuldade e não estava o professor no palácio – escrevia-lhe uma carta com uma consulta. Se havia um processo – mandava-o a Sapucaí pedindo a sua opinião particular. Se havia um cargo a prover – solicitava-lhe informações sobre os candidatos. Se lhe enviavam um livro nacional ou estrangeiro e não tinha tempo de o ler – determinava a Sapucaí lhe desse impressões de leitura. Esse contato criou uma incompatibilidade política para Sapucaí e anulou relativamente cedo a sua projeção partidária, mas não diminuiu a sua ação ininterrupta para a vitória do regime parlamentar no Brasil.

Meu pai, Dr. Ernesto da Cunha de Araújo Viana, foi educado na casa de meu bisavô, porque meu avô morreu poucos anos depois de ter regressado, doutor em Medicina, de França. Ali recebeu o gosto pela cultura universal que conduziu para as realizações das belas-artes – tendo sido o mais entusiasta dos historiadores do nosso passado artístico e criador do movimento nacional a favor da casa de tipo colonial modernizado, muito antes de sua eclosão nos Estados Unidos e respectiva repercussão na Argentina. Ernesto da Cunha de Araújo Viana formou com a sua capacidade de sedução uma corrente pela arquitetura e os seus discípulos constituem hoje as equipes que deram à edificação no Brasil outra feição e outra compreensão artística. Antes dele, a profissão de arquiteto era raramente exercida por brasileiros. No curso de arquitetura da Escola de Belas-Artes havia um ou dois alunos. Depois de sua campanha o curso povoou-se e os regulamentos que promoveu fizeram os mestres e os construtores de hoje.

Foi esse idealista – que soube dar interesse ao passado artístico do Brasil e atrair os jovens para o estudo da arquitetura – que inaugurou em 1917 a herma em Vila Nova como o descendente mais direto de Cândido José de Araújo Viana.

A VELHA CONGONHAS E VILA NOVA DE LIMA

Congonhas de Sabará, como Sabará e toda a zona de mineração, exerceu uma função importante na distribuição demográfica de Minas, quando com o esplendor da extração se desenvolveram também as outras indústrias então subsidiárias. A princípio, com o esplendor, a influência foi de atração e de concentração. Depois, na decadência, de redistribuição.

A crise não aniquilou a velha Congonhas que através de todas as vicissitudes espalhou por Minas a sua aristocracia que foi por toda a parte um elemento de cultura e de progresso – e mantém, ainda hoje, o primado da mineração do ouro no Brasil.

A extração do ouro brasileiro apresentou até os meados do século passado a maior quantidade até então conhecida. A falta de organização do comércio e da administração metropolitana proporcionou a emigração para os grandes centros europeus de toda essa riqueza. Disso devemos tirar grandes ensinamentos. Não basta produzir. É necessário também saber governar. A produção lucrativa carece de agentes de distribuição perfeitamente educados e que o governo não seja um elemento de compreensão e, portanto, de espoliação, porque só se comprime, qualquer que seja o pretexto, para prejudicar uns em benefício de outros.

CONGONHAS E SUA IRRADIAÇÃO DEMOGRÁFICA

A companhia inglesa de mineração, trabalhando ali, há tantos lustros, imprimiu uma feição nova à velha Congonhas. Há ali uma renovação produzida pela variedade dos fatores de prosperidade. Nesse contraste está o melhor do pitoresco de Nova Lima. Anglo-saxônia por alguns de seus costumes, um pouco pelo sangue e pela arquitetura de alguns de seus arrabaldes, ela continua bem mineira por todos os outros aspectos. Centro de um comércio próspero e progressista, recebendo imigrantes de toda a parte, Nova Lima tem, nas suas praças, um misto de aldeia européia e de arraial mineiro, trechos de vida passada e de atividade moderna.

A professora D. Emília, irmã do poeta, foi um dos elementos da revalorização da gente local, e conseguiu dar a Nova Lima a maior percentagem de freqüência escolar de todo o Brasil. D. Emília era bem o símbolo daquela terra, cheia de recordações do passado e tão vigorosa nos embates do presente, nas letras, nas profissões liberais e técnicas e nos sports. A sua casa era, pela arquitetura e pelo mobiliário, puro século XVIII brasileiro. Entretanto, D. Emília foi a força dinâmica que criou gerações modernas naquele sítio tão antigo.

Congonhas, Sabará e suas redondezas, foram um centro de irradiação demográfica e econômica em Minas, espalhando a sua gente capaz, onde se misturam o sangue quente dos bandeirantes, a finura dos administradores antigos, e agora o novo influxo saxônio.

Foi desta terra, que transfigurou o Brasil, que partiu Augusto de Lima para fazer preparatórios e depois para estudar Direito em São Paulo.

A Academia de Direito vibrava, então, com a mentalidade nova que reformava a Europa. O Romantismo quebrava preconceitos e realizara uma obra salutar de associação de idéias como o liberalismo efetuara na política. Depois desse grande movimento, surgia uma arte menos pomposa e mais sutil. Na realidade o Parnasianismo e o Socialismo de um e de outro modo continuavam – mesmo quando pareciam divergir – o Romantismo e o Liberalismo.

Augusto de Lima sentiu despertar sua vocação literária, sob o influxo desse movimento.

AUGUSTO DE LIMA – POETA

O Romantismo exaltava o passado não longínquo, embora preocupado em criar o futuro. O Parnasianismo, Leconte à frente, preferia descrever a antiguidade clássica para mostrar os horrores da Idade Média.

Augusto de Lima compreendeu bem esse esforço de preparar o futuro com os exemplos do passado. Estreando bem moço, com um livro de versos, ele levantou os lemas novos com mais atrevimento do que os seus contemporâneos. A sua linguagem comedida, o seu senso de proporção tão graduado fizeram com que esse revolucionário fosse por toda a parte bem recebido e por todos aplaudido.

Não se encontra o futuro quando se esquece o passado. Augusto de Lima, vindo de uma terra tão enriquecida pela História, que continuava a construir a Minas moderna com a força da Minas antiga, não se perturbou com as inovações que o entusiasmavam, e o estudante de São Paulo, admirador de rebelados, guardou o culto do período da formação nacional. Os descendentes das terras impregnadas de História não podemos jamais olvidar o que os antepassados fizeram e o nosso sentido de evolução e progresso não se transforma jamais em fúria inconoclástica ou em desespero renovador. A História é um sedativo e o ambiente tradicional tempera as esperanças do futuro.

O poeta de São Paulo foi, portanto, o moço evocador da velha Congonhas, o revolucionário de palavras doces, sabendo por certo que o futuro é uma projeção do passado.

A vida literária de Augusto de Lima, para o crítico de sua obra começa, com a publicação das Contemporâneas. O sucesso do livro foi grande, sucesso de estima entre os colegas, sucesso na imprensa do tempo, sucesso para o grande público. Todos os rapazes que principiavam a fazer literatura escreveram sobre o volume e seu autor.

Jovens, depois grandes poetas e grandes críticos como Raimundo Correia e Araripe Júnior, viram nas Contemporâneas uma afirmação que os tempos não poderiam dissipar. Isso mostra a significação do livro, na história da literatura brasileira.

Augusto de Lima, como poeta, foi além dos seus contemporâneos de São Paulo. Sob o ponto de vista filosófico ultrapassou os outros. Como Heine, Sully-Prudhomme, e como Shelley – mestre de todos – revelou um espírito de dúvida mais avançado.

Sentiu e compreendeu, entretanto, Byron e Hugo, Guerra Junqueiro e Teófilo Braga. Nessas primeiras poesias como depois nos seus discursos e crônicas conservou sempre a imagem da terra natal e sempre se lhe apareciam uma alegoria sobre mineração, um conceito sobre ouro, uma alusão aos bandeirantes e garimpeiros.

A humanidade culta estava sendo sacudida pelas idéias do tempo. Spencer, Darwin, Haecker, Wundt como Ricardo, Say e seus discípulos criavam um novo estado de alma. Essas concepções repercutiam na literatura.

A Academia de São Paulo processava também essa renovação, sobretudo através da França e de Portugal. Nos rapazes que começavam a versejar a influência direta dos poetas e pensadores estrangeiros era notória e empolgante. Em Augusto de Lima as leituras desses inovadores penetravam mais fundo.

Foi, portanto, uma personalidade à parte, um elemento novo entre os que abandonavam o gongorismo e indianismo sob o influxo dos evolucionistas e dos parnasianos franceses, e que principiavam a escrever com correção num português que não era o português de Portugal.

Estão entre vós, no esplendor de sua glória, três dos grandes inovadores desse tempo – Srs. Alberto de Oliveira, Filinto de Almeida e Afonso Celso.

Os grandes poetas brasileiros, antes e depois, marcaram a sugestão dos românticos e dos parnasianos. Augusto de Lima fica no meio-termo, parnasiano pelo gosto da forma, mais perto de Sully pelo filosofismo, com outras preocupações científicas. Há alguma cousa de Baudelaire, pouco de Leconte, e o sentido de Shelley aparece através dos franceses e portugueses.

O Prometeu de Shelley teve uma grande repercussão na literatura universal. Embora não traduzido, a sua índole e as suas intenções aparecem em todos os poetas das últimas gerações românticas e das parnasianas. Augusto tem, como todos os contemporâneos, a sua composição sobre Prometeu onde há mais de Shelley do que de Ésquilo.

Outra sedução intelectual dessa fase da evolução literária de Lima foi Heine. O poeta alemão protestava contra os preconceitos que encobriam o despotismo, e fazia vibrar a mocidade da sua pátria. Há nas primeiras composições das Contemporâneas muito da ironia cruel envolta numa finura quase distraída de Heine morando em França.

Essas e outras preocupações já fixadas conduziram a poesia de Augusto de Lima para o que o seu amigo e companheiro Raimundo Correia chamou de objetivismo, isto é, ausência de lirismo, de erotismo no bom e no mau sentido, de sexualismo. Há poesias líricas, nas Contemporâneas e nos Símbolos – temas de amor, mas não somente esses trabalhos são em pequeno número como não caracterizavam os livros do poeta.

Os nossos parnasianos, mesmo quando imitavam a rigidez descritiva dos mestres franceses, terminavam quase sempre com uma imagem ou uma alusão de amor ou um traço de psicologia feminina. Augusto de Lima só vê os sentimentos e as paixões como alegorias de concepção do mundo ou para combate social. Os grandes poetas do Brasil moderno empolgavam pela virtuosidade, pela capacidade imediata de uma sugestão incomparável. Qualquer que seja a cultura do leitor se sente atraído – e feliz, a felicidade que a arte proporciona ao espírito e ao coração. A poesia de Augusto de Lima tem o mesmo poder, mas é preciso ser captada de outra forma, aos poucos, pelo saborear constante. É poeta para ser lido devagar, para depois aparecer com toda a sua força e imponência.
Dar-se-á com a poesia de Augusto de Lima o que se deu com a de Baudelaire. Não que produzisse escândalo como a do mestre francês; ao contrário, como já acentuei, a sua audácia tão espiritual e tão finamente disfarçada não ofende ao conservador mais susceptível. Mas porque terá de ir ficando mais célebre à proporção que os tempos forem passando como a de Baudelaire – agora objeto de atenção dos letrados do mundo inteiro. O Brasil participou, de um modo notável, desse movimento universal, tendo sido seu animador, um dos vossos, o Sr. Félix Pacheco, que traduziu para o português o que há de mais típico em Baudelaire e fez estudos críticos, biográficos e bibliográficos que a própria literatura francesa terá de consagrar.

A grande poesia dessa fase de Augusto de Lima é cheia de filosofia e de intuição social. Há nas Contemporâneas e nos Símbolos um sentimento da natureza das cousas, uma sucessão de alegorias que chegam a lembrar Milton, apesar das diferenças profundas dos processos e dos fins da composição. Há também o panteísmo, o estado de contemplação, resultante desses momentos de êxtase em que Victor Hugo falava com Deus. Em outras estâncias surge a ironia de Heine, pronta a rir, mas deixando sempre um pouco de melancolia depois da gargalhada sarcástica. Há o culto da forma mais de Mendès do que de Heredia. Perpassa às vezes o satanismo purificador de Baudelaire.
O exame das diversas produções do idealista do Fausto através da sua longa carreira, mostra a evolução que foi fazendo do ateísmo de Lefèvre para o cristianismo de modernos poetas franceses e italianos.

Há pensadores que se mostram – outros, de valor igual, que precisam ser procurados. Augusto de Lima, não é força que se ostenta logo. A leitura de seus versos e de sua prosa leva, portanto, a uma série de descobrimentos. A variedade da sua cultura, a largueza de sua erudição, a doçura do seu sentir, a penetração do seu pensamento, o fulgor de suas alegorias, o inédito de suas imagens, o humour de algumas das suas alusões são tanto mais impressionantes quanto mais relidos.

A análise das composições confirma essa interpretação. O Através do Século é uma linda evocação. Na mesma diretriz se desenvolve a Descida. Há qualquer cousa de hugoano na Elevação. A Cólera do Mar é cheia de substância na sua leveza. Há um novo ideal, acima do dos seus contemporâneos, nos Ferreiros. O Inquisidor não tem o metro mas as tendências de Junqueiro. O Amor é forte como uma epopéia romântica.

Aí tendes o Amor do século pujante,
a portentosa lei que há de reger o mundo...

Nos Dois Cristos há o ardor do ateísmo monista e no Vulcão e o Sol um idealismo mais vago.
O Fausto foi um dos poemas mais repetidos pelos jovens de 1900:

Talvez no seu jardim, mais belas das mulheres,
entre os risos azuis da Natureza nua
regasse a Margarida os brancos malmequeres
que depois desfolhou por ti, à luz da lua.

É o sopro de Marlowe e de Gœthe.
A Herança de Prometeu vai além de Shelley:

Tempo há de vir em que o Deus-Homem
no anseio dos esforços que o consomem
busque tocar no sideral assento,
cavalgando um condor de asas de arame;
irá restituir a chama ao céu
e obter indulto para o audaz gravame;
porém não há de achar mais firmamento.
Serás então vingado, ó Prometeu!

No Prometheus Unbound Shelley lançou, no meio de mais atrevidas alegorias, reivindicações políticas e sociais. O pensamento do Prometeu de Augusto de Lima é mais ontológico.

Teófilo Dias, Carlos de Laet, Raimundo Correia, Lívio de Castro, Araripe Júnior publicaram por ocasião da estréia de Augusto de Lima artigos louvando o poeta que começava com tanta força. Com o estilo que tinha na época, Carlos de Laet chamou o livro de “escrínio de jóias raras” e citou como esplêndidas as próprias composições irreverentes.

Raimundo Correia considerou o autor das Contemporâneas um dos maiores valores aparecidos, mas desejaria fosse mais egoísta, que não falasse tanto nos outros, que tratasse também de si. Raimundo preferiria que o poeta empregasse os seus grandes recursos e dons em composições de caráter mais lírico, pois o achou “impregnado de uma filosofia triste e desoladora e ao mesmo tempo, fascinante como o abismo, senão desse espírito em que notável escritor descobriu todos os sintomas da doença do século”. Na realidade não havia somente dúvida no então jovem poeta – havia o estado de transição entre a dúvida e a convicção nova e seu aparente pessimismo era o de todos os homens, cujas idéias não coincidem com as de seus contemporâneos, com as dos amigos ou dos círculos em que vivem.
Para Araripe Júnior, ele era panteísta no começo do Através dos Séculos, céptico no fim, misto no Amor, ateu nos Dois Cristos, fetichista no Polvo, Lágrimas do Regato e na Cólera do Mar. Para o crítico, Augusto de Lima ia “banhar-se nas forças colossais dos séculos para surgir logo incandescente de transformismo e radiante de amor brasílico”. Araripe desejava que ele “não deixasse cair na madorra tropical e soubesse viver com toda a força e intensidade a que tinha direito o seu gênio artístico”. “Um homem desse valor não deveria restar inerte no momento em que o Brasil gravitava para o seu verdadeiro centro econômico e que alguma cousa vibrava no seu organismo social. A sua composição A Vida indicava uma diretriz, pois era um canto à festa de recepção dos legionários do progresso que diariamente de todos os pontos da Europa irrompem através do Atlântico em demanda das nossas florestas portentosas”.

O conceito de Araripe Júnior era mais do que um conselho – era uma definição. Augusto de Lima evoluiu, como já recordei, e no São Francisco de Assis foi o poeta místico, cristão, cheio de um encanto novo – saído da dúvida para a fé e para um êxtase – mais comovido.

AUGUSTO DE LIMA – PARLAMENTAR

Augusto de Lima, depois da sua fase fulgurante de poeta ao lado dos próprios renovadores da literatura brasileira, voltou a Minas, onde prosperou, granjeou justo renome e foi subindo como magistrado, professor, jornalista, homem de letras e político. Eleito deputado federal veio residir no Rio e passou a colaborar nos nossos jornais e foi diretor d’A Noite. As suas crônicas provocaram então merecida admiração. As Noites de Sábado, cuja parte principal foi incorporada em volume, mostram a evolução do espírito do autor do livreto da ópera Tiradentes, do poeta de São Francisco de Assis.

Publicista, administrador, homem de partido, jornalista, deputado, o poeta das Contemporâneas foi em Minas e no Brasil uma das primeiras personagens do seu tempo. Tratou na Câmara e no jornal de todos os assuntos importantes da época, ora com doce e carinhosa atenção, ora com entusiasmo profundo e às vezes com ironia de uma melancolia subtil.

Como poeta, participou do período renovador dos fins do Império e do começo da República. Como deputado foi um dos criadores da mentalidade nova, reclamando para o Brasil o que nós outros chamamos depois de política de construção.

Em discursos, projetos e pareceres, Augusto de Lima lidou na Câmara com temas transcendentes. Não é possível acompanhar o dia-a-dia desse fecundo esforço de persuasão. Basta recordar o que ele fez e produziu de mais sensacional, basta fixar os assuntos em que culminou e com os quais atraiu a opinião pública e movimentou a imprensa idealista e desinteressada daquela época de intensa crepitação intelectual. Os fins de suas iniciativas eram dos mais necessários – ensino primário e normal, defesa florestal, proteção das obras de arte, mineração de ferro e ouro.

Foi, portanto, como parlamentar, um divulgador de planos novos, um formulador de idéias de organização, de meios de defesa aproveitáveis e úteis. É claro que dessa propaganda não resultou nenhuma lei. Mas essa campanha contribuiu para formação de uma mentalidade capaz de compreender as necessidades políticas. É a grande força dos parlamentos, da representação popular, tribuna aberta a todas as iniciativas e a todas as idéias e cujo simples funcionamento impede o regime da mentira dirigida.

O idealista que inspira, sugere e incita é tão eficiente ou mais do que o realizador que executa, pois este só pode fazer qualquer coisa de bem orientado, se constrói o que o outro idealizou. A toda exteriorização prática precede uma concepção.

Augusto de Lima, tendo promovido o estudo de assuntos tão importantes foi, portanto, um homem de ação no sentido que criou o ambiente para realizações. Ele foi também um erudito, um desses tenazes e modestos historiógrafos de Minas que, sem alarde, no exame constante dos documentos, vão refundindo toda a história do nosso passado. Foi durante muitos anos diretor do Arquivo Mineiro e aí soube descobrir muitas cousas, desvendar novos elementos de reconstituição.

O poeta das Contemporâneas, espírito enciclopédico, procurou contribuir para a valorização da nossa vida política e social.

Para garantir a expansão esplêndida da nossa civilização carecemos da sinergia de todos os elementos intelectuais. Augusto de Lima deu um exemplo praticando esse enciclopedismo imprescindível nas sociedades em formação.

Bagehot mostrou que é preciso um conjunto de idéias comuns para assegurar às nações a estabilidade jurídica, ambiente necessário para a verdadeira prosperidade econômica.
Os povos fortes obtêm essa mentalidade comum no meio da diversidade dos partidos e das lutas políticas. A ordem não é feita de compreensão, e sim de aceitação voluntária.
A unanimidade, não sendo sinceramente possível entre homens inteligentes, os regimes que a proclamam, são, portanto, sistemas de minorias armadas.

AUGUSTO DE LIMA – ARTICULISTA

As crônicas de Augusto de Lima publicadas nas duas primeiras décadas do século provam a sua cultura progressiva. Os comentários sobre a Liga das Nações e a tentativa do grande Wilson para estabelecer um regime de paz permanente organizado sob instituições preventivas estão cheios de ironia e de perversa generosidade. Ironia pela descrença que manifestava de que pudesse resultar qualquer cousa de sólido de todos os ensaios de uma organização contra a guerra. Generosidade porque o poeta desejava que a humanidade já tivesse atingido a um estado de inteligência, capaz de realizar esse velho sonho. Por isso, ele dizia que no caso de falência de todas as tentativas seria o caso para apelar para o Papa para que este intercedesse ao Padre Eterno “pela volta de Jesus Cristo com a missão já uma vez sangrentamente malograda de dar juízo a toda essa gente”. Não era mais irreverência, era humour.
Noutro artigo, atribuindo tudo a um amigo, o autor mostra que no mundo tudo é mentira, a começar pelas estrelas que parecem tão pequenas e são maiores do que a Terra até aos galanteios que fazemos, falseando a verdade evidente. Contra o preconceito de raça ele protestou com todo o vigor – como democrata que era e cristão de verdade.

Há crônicas sobre o problema do trabalho, então discutido na Liga das Nações. Para Augusto de Lima trabalho e capital deveriam andar unidos no organismo social; queria o bem-estar de todos e para ele as paredes eram uma anomalia – uma moléstia que ao Estado cumpria corrigir pela criação de órgãos de equilíbrio.

Foi um defensor do sufrágio feminino. Foi um precursor na propaganda para liquidação das questões de limites estaduais. Tratou do problema florestal que tanto o interessou. Mostrou Morro Velho, a riqueza de Minas, recordando a obra dos ingleses de Congonhas e fundamentando a frase célebre de Gorceix – que se tornou um símbolo – “Minas é um coração de ouro num peito de ferro.”  “Muito difícil tinha sido aos paulistas descobrirem através das brenhas os vales auríferos de Itacolomi e do Rio das Velhas. Muito mais difícil ia sendo aos ingleses arrancarem o minério bruto de ouro a uma profundidade de dois mil metros abaixo da superfície.” Examinando a definição célebre do professor Miguel Pereira de que o Brasil era “um vasto hospital”, Augusto de Lima sustentou bastaria explorássemos as ricas jazidas de Minas para que a indústria próspera tonificasse a raça. E concluiu: “Vamos, Senhores, convertamos o vasto hospital numa usina metalúrgica.”

Vê-se aí o gênio do poeta das Contemporâneas. O problema do Brasil, mesmo sob o ponto de vista sanitário, deve ser resolvido de um modo definitivo pela política de construção social e econômica. Tenho mostrado que o homem é um animal político que quando se isola se depaupera e atrofia. O problema do interior do Brasil é o de comunicação – pela educação – pelo transporte, pelo sistema bancário, pelo jornal, pelo livro, pelo rádio, pela cooperativa e pelo comércio.

Augusto de Lima estudou muito bem a figura de Evaristo, o organizador espiritual do equilíbrio que resistiu aos “embates em que se dividia a Nação nos dias agitados de 1831 a 1834”. Nessas crônicas muito escreveu sobre mineração. A questão do aço também o preocupava. Toda a vez que ia a sua terra, Augusto de Lima deveria deparar as amostras das riquezas do subsolo de Minas. E vinha então chamar a atenção dos estadistas. Naquele tempo tudo poderia ser feito. Nada se fez.  

A MISSÃO DOS INTELECTUAIS

Augusto de Lima, tratando do problema do ensino primário, foi dos que sentiram a importância da obrigação nacional de educar o homem do interior. Esse homem, apesar da sua simplicidade, é quem abre as terras do Brasil às novas culturas e é quem forma a riqueza que se atribui a imigrantes e industriais. O colono veio porque o homem da terra valorizou as plantações.

Atravessamos a crise que Augusto de Lima, na sua atividade parlamentar e jornalística, procurou evitar. A nacionalidade perderá seu centro de equilíbrio se não pudermos amparar os nossos patrícios do interior. Salvar essas populações, aparelhar o país para a criação de novas riquezas, estimular e não comprimir a produção e o comércio, a cultura científica, artística e literária, robustecer a pequena burguesia e dar operariado o lugar que lhe compete; instruir, não pelas renovações catastróficas, mas pelo aperfeiçoamento contínuo, fazer da instrução tanto o estudo dos altos problemas humanos como o preparo técnico de cada lugarejo; proporcionar habitação sadia e alimentação nutritiva a todos, estabilizar a legislação para garantir o capital e o trabalho – eis as grandes soluções dos grandes problemas nacionais, além das que se enquadram nas nossas tradições constitucionais. Tudo isso depende de realizações; não de uniformização, mas de liberdade, não de centralização, mas de autonomia, não de isolamento, mas de comunicação.

A Academia pode, através dos prêmios Alves, ser um dos elementos primordiais dessa cruzada.
Aristóteles dizia que o homem luta mais pelo supérfluo do que pelo necessário. Quem carece do necessário não combate, atrofia-se. Por isso, o nosso homem do interior está quieto e não protesta.
Ainda este ano, a malária irrompendo, em centenas de municípios, dizimou milhares e milhares de patrícios nossos, e, sem um movimento de emoção nas grandes capitais. Quando nos centros mais ativos reclamavam trabalhadores para a lavoura, morriam de paludismo evitável milhares e milhares de brasileiros que não soubemos proteger e que seriam elementos de trabalho e produção.

A história da humanidade pode ser explicada pela luta entre o espírito de igualdade e os interesses da hierarquia. O fluxo e refluxo dessa concepção e desses apetites movem os indivíduos e as nações. Passamos agora por uma das fases mais violentas desse velho embate. Neste país de tão variados centros de povoamento e de atividades econômicas tão diversas – é necessário deslocar os choques para conservar a unidade. Essa tarefa nacional cabe aos intelectuais, aos homens de ciência, aos homens de letras.

Aqui não chegam os tumultos do dia. Aqui só interessa o que ficará na língua, nas instituições, nas obras-primas – patrimônio espiritual dos povos. Venho de uma casa, de um Jornal que, há mais de século, mantém esta imparcialidade esclarecedora, proclamando, através dos anos, o Brasil de sempre. Entro, portanto, agradecido e emocionado, neste recinto de seleção tranqüila, de perpetuação de glórias que não envelhecem e que são as forças eternas deste grande país, que precisamos fazer cada vez maior!